A Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem dentre suas finalidades o respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, vem a público repudiar os recentes ataques efetuados à independência e à liberdade de expressão dos juízes do trabalho, o que representa risco à independência do Poder Judiciário.
1. No último dia 21 de outubro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, ao palestrar em evento promovido pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abidib) e pela Câmara Americana Comércio (Amcham), achou por bem realizar um julgamento ideológico sobre as decisões proferidas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), afirmando que tal corte desfavorece as empresas em suas decisões. Chegou ao ponto de concluir: “esse tribunal é formado por pessoas que poderiam integrar até um tribunal da antiga União Soviética. Salvo que lá não tinha tribunal”.
2. No mesmo dia, a Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo e Conselho Federal - noticiou a apresentação de Reclamação Disciplinar, perante o Conselho Nacional de Justiça, em face de Juízes do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, por conta de esses terem aderido ao “Movimento Nacional de Defesa e Valorização da Magistratura e do Ministério Público”, ocorrido em 05 de outubro de 2016 e, por conta da participação de ato público, terem redesignado pauta de audiências anteriormente previstas para essa data.
3. Em um momento em que a Justiça do Trabalho é alvo de intenso sucateamento, representado especialmente pelo expressivo corte orçamentário havido no início de 2016[1], bem como de ataques proferidos pelo próprio presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)[2], o próximo passo parece ser a coibição da livre manifestação dos juízes, seja em decisões judiciais, seja em atos de defesa institucional. E o que mais espanta é que a tentativa de mordaça advenha de ministro da mais alta corte da Justiça brasileira, assim como de membros da advocacia.
4. A Constituição Federal consagra, como cláusula pétrea, a autonomia e independência de cada magistrado – desde Juiz Substituto, recém-ingresso na carreira da magistratura, a um ministro da cúpula do Poder, o Supremo Tribunal Federal – perante o Executivo, o Legislativo e o próprio tribunal a que se submete administrativamente e no aspecto correcional. Prevê-se que um juiz somente pode ser demitido por decisão judicial definitiva, não pode ser transferido em razão de suas decisões e não pode sofrer redução de vencimentos (artigo 95) justamente para que se sinta livre para decidir conforme sua convicção jurídica, afastado de qualquer pressão que seja.
5. Se há independência judicial, há pluralismo de idéias, de modo a se garantir a liberdade de expressão para cada magistrado, que pode, nos termos do art. 5º, IX da Constituição, pronunciar-se sobre qualquer tema da forma como melhor entender, seja no exercício de sua função, seja na defesa de suas prerrogativas funcionais e, inclusive, na qualidade de cidadão comum.
6. Tais garantias, importante, ressaltar, encontram fundamento também nos Princípios Básicos Relativos à Independência da Magistratura, endossados pela Assembleia Geral das Nações Unidas (Resoluções 40/32 e 40/146, de 1985): “a independência da magistratura será garantida pelo Estado [...]” (item 1); “não haverá quaisquer interferências indevidas ou injustificadas no processo judicial [...]”(item 4); “[...] os magistrados gozam, como os outros cidadãos, das liberdades de expressão, convicção, associação e reunião” (item 8) e “a inamovibilidade dos juízes, nomeados ou eleitos, será garantida até que atinjam a idade de reforma obrigatória ou que expire o seu mandado, se existir tal possibilidade” (item 11).
7. Daí que, em recente julgamento do caso López Lone e outros versus Honduras, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu a invalidade de sanção imposta a magistrados que, exercendo a liberdade de expressão, haviam se insurgido contra golpe de Estado ocorrido contra o governo hondurenho no ano de 2009.
Por tudo isso, a Associação Juízes para a Democracia (AJD) vem a público repudiar os ataques havidos à independência funcional e a liberdade de expressão de juízes, prerrogativas irrenunciáveis da jurisdição e da independência do Judiciário enquanto Poder de Estado.
São Paulo, 25 de outubro de 2016.
A Associação dos Juízes para a Democracia
[1]http://www.ajd.org.br/documentos_ver.php?idConteudo=196
[2]http://ajd.org.br/documentos_ver.php?idConteudo=226