NOTA PÚBLICA DA ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA EM DEFESA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO DE JUÍZES E JUÍZAS

A Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem dentre seus objetivos estatutários a defesa do Estado Democrático de Direito e o respeito às garantias e aos direitos fundamentais, vem, em razão do Provimento nº 71/2018, por meio do qual o Corregedor Nacional de Justiça, Ministro João Otávio de Noronha, definiu, monocraticamente, entre outras, regras sobre manifestações dos magistrados nas redes sociais, manifestar-se nos seguintes termos:

Em um cenário de intensa instabilidade política e de fragilidade democrática, a pretensão da Corregedoria Nacional de censura à liberdade de pensamento e de manifestação dos juízes e juízas brasileiros representa estrondoso abalo nos princípios fundantes da democracia e, sob o velado manto da vedação à atividade político-partidária, ataca a garantia constitucional de independência judicial.

A independência judicial se concretiza quando um magistrado é livre para analisar uma demanda de acordo com seu entendimento das normas existentes, sem estar sujeito a qualquer tipo de influência, pressão, ameaça ou interferência, incluindo as advindas do próprio sistema judicial. No entanto, para que a independência judicial seja plenamente assegurada, é imprescindível que os juízes e juízas tenham o seu direito à liberdade de expressão devidamente garantido.

Isso porque a independência do Judiciário caminha em paralelo a outro valor democrático: o pluralismo. Na atividade jurisdicional, o livre debate de ideias dá-se pela diversidade de entendimentos manifestados em decisões proferidas. Portanto, garantir a independência funcional significa garantir o pluralismo de ideias no Judiciário, o que, consequentemente, significa garantir liberdade de expressão aos magistrados.

O destaque conferido à liberdade de expressão decorre do fato deste direito ser garantido a todos, indistintamente, como determina a Constituição Federal. Os membros do Poder Judiciário têm, assim como outros cidadãos, direito à liberdade de expressão, sendo que uma sociedade verdadeiramente democrática deve garantir que seus juízes e juízas possam se expressar livremente no exercício de sua jurisdição, mas também na qualidade de cidadãos detentores de opiniões diversificadas.

A ONU estabelece em seus “Princípios Básicos sobre a Independência do Judiciário” que, no exercício do direito à liberdade de expressão, os juízes devem manter condutas que preservem a dignidade das instituições a que pertencem e a imparcialidade e independência do Judiciário. No mesmo sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já se pronunciou quanto à necessidade de garantia da liberdade de pensamento dos juízes como um dos pilares do próprio estado democrático de direito. Essa imparcialidade representa o direito do jurisdicionado não se ver prejudicado por interesses ou preferências do julgador, mas não implica de forma nenhuma ausência de convicção ou impossibilidade de que magistrados expressem suas opiniões livremente.

Nesse sentido, o artigo 29 da Lei Orgânica da Magistratura – diga-se, promulgada em 1979, durante o período de Ditadura Militar – deve ser interpretado em conformidade com os preceitos estabelecidos pela Constituição de 1988. Qualquer tentativa de censura a magistrados que se limitam a exercer direito constitucionalmente garantido deve ser vista como uma afronta não apenas à sua cidadania, mas à própria Constituição Federal.

A liberdade de expressão dos juízes e juízas deve ser garantida para que o sistema jurídico funcione de modo adequado e condizente com um Estado democrático. É evidente que o cerceamento da liberdade de expressão de juízes e juízas corresponde a uma forma indireta de controle ideológico, o que significa, consequentemente, a supressão da independência judicial.

A Associação Juízes para a Democracia (AJD) reitera, de forma veemente, que juízes e juízas, como todos os cidadãos, devem ter assegurado o direito à liberdade de expressão, repudiando medidas de retaliação de qualquer natureza, tal qual o Provimento nº 71/2018, que constranjam o livre exercício de suas jurisdições, bem como a livre expressão de suas opiniões.

São Paulo, 15 de junho de 2018.