A AJD - Associação Juizes para a Democracia manifesta-se publicamente contrária à conversão da medida provisória 881 em lei. A “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica”, embora remeta aos termos do art. 170 e 174 da Constituição, nega o fato de que nossa ordem constitucional está pautada na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, III e IV) e que tem por objetivo a construção de uma “sociedade livre, justa e solidária” e a erradicação da pobreza e da marginalização, além da redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º).
Em nossa Constituição, a ordem econômica se sujeita aos princípios da função social da propriedade; da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, “inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”; da redução das desigualdades e da busca do pleno emprego. Naquilo que não inova para tentar alterar a espinha dorsal da Constituição, quanto a uma ordem econômica que respeite a justiça social e tenha por finalidade reduzir desigualdades (o que necessariamente implica redistribuição de renda), a MP nada inova.
A ode a uma livre iniciativa não mediada pelo Estado é igualmente redundante naquilo em que repete o que já há no ordenamento jurídico e, ao mesmo tempo, inviável naquilo em que pretende confrontá-lo, dando a ideia de que retornamos ao Século XVIII. Além da tentativa anacrônica de recuperação de uma retórica liberal já historicamente superada, a MP busca censurar movimentos de resistência, quando, em lugar de se preocupar com a proteção do meio ambiente no que tange à entrega de nossas reservas naturais, à destruição da floresta amazônica ou aos desastres recentemente provocados por falta de prevenção, refere que dentre as normas de proteção ao meio ambiente estão “incluídas as de combate à poluição sonora e à perturbação de sossego”.
Além disso, na redação proposta pelo relator, altera dispositivos da CLT e do Código Civil. Quanto à CLT, pretende limitar a aplicação da legislação trabalhista a quem ganha até 30 vezes o salário mínimo, autorizar trabalhos em domingos e feriados e inviabilizar o controle de horário no meio rural, entre outras alterações, todas elas nocivas para quem vive do trabalho.
Quanto ao Código Civil, dificulta a configuração da responsabilidade e busca terminar com as regras que garantem contra o abuso de direito. Ainda, inclui um capítulo sobre Fundo de Investimento, preparando o terreno para o desmanche da previdência contido na PEC 06.
Por fim, altera vários dispositivos de leis relacionadas a investimentos, em clara postura de proteção ao patrimônio de quem tem condições em atuar com capital financeiro.
A MP 881 é manifestamente inconstitucional, quando propõe retorno à lógica do livre mercado, em que a miséria não deve ser combatida, mas estimulada como elemento da reafirmação da sujeição da “livre vontade” ao capital.
Em razão disso, a AJD manifesta sua completa contrariedade ao texto da MP 881 e exorta a sociedade civil e nossos parlamentares a rejeitarem essa tentativa de alteração do projeto constitucional, por via oblíqua.
Brasil, 11 de julho de 2019.