Em nota pública, AJD defende independência judicial em julgamento de recurso contra pena de censura a juiz

Nesta terça-feira, 23, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deve julgar a revisão disciplinar 0004729-35.2019.2.00.0000 requerida pelo juiz de Direito Roberto Luiz Corcioli Filho, membro da AJD, contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), que em 2016 condenou o magistrado à pena de censura por proferir decisões "com viés ideológico" e por "soltar muito". 

 

Caso emblemático, a decisão do CNJ envolve um dos pilares do Estado Democrático de Direito - a  independência judicial. A sessão ordinária do CNJ está prevista para começar às 14 horas desta terça-feira e o julgamento da revisão disciplinar é o décimo item da pauta. 

 

Para reiterar publicamente sua manifestação em favor da independência judicial do juiz Roberto Luiz Corcioli Filho encaminhada na forma de ofício ao CNJ em dezembro de 2020, a AJD emitiu nota pública na tarde desta segunda-feira 22, reforçando sua posição.

 

"A AJD vem a público EXORTAR seja observada a independência judicial, salientando que garanti-la é, em última análise, garantir a liberdade de atuação de magistradas e magistrados, essencial para que os processos sejam conduzidos sem o perigo de pressões internas ou externas", afirma o texto da nota. "A AJD tem denunciado as perseguições e pressões sobre magistradas e magistrados que exercem, com independência, seu dever de garantir os direitos constitucionais, dando início, inclusive, a campanhas públicas de conscientização acerca da importância que a independência e o garantismo judicial têm para a consolidação de uma sociedade realmente democrática", completa o texto da nota. Leia a íntegra abaixo. 

 

- NOTA PÚBLICA - 

 

Conforme ofício remetido ano passado à(o)s Conselheira(o)s do CNJ, a Associação Juízes para a Democracia (AJD), REITERA publicamente sua manifestação em favor da independência judicial do Juiz Roberto Luiz Corcioli Filho, em razão dos autos da Revisão Disciplinar nº 0004729-35.2019.2.00.0000. Trata-se de revisão proposta em razão da decisão proferida pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por maioria de votos, julgou parcialmente procedente o processo administrativo disciplinar instaurado sob o nº 95.822/2016, aplicando ao Juiz Roberto Luiz Corcioli Filho a pena de CENSURA com base em suposta “atuação pautada por viés ideológico”, ou seja pelos fundamentos de suas decisões, todos eles alinhados com a ordem constitucional vigente. É mister ressaltar o perigo, para a ordem democrática, de as Corregedorias ou Órgãos Colegiados no âmbito de nossos Tribunais, arvorarem-se a punir juízas e juízes, cujo teor de seus atos jurisdicionais devidamente fundamentados envolvam a solução a indagações postas em face do direito aplicável - sejam normas de ordem material ou processual -, e que se sujeitam exclusivamente à revisão jurisdicional, por meio das vias disponíveis no ordenamento - embargos, recursos, mandado de segurança. As decisões que foram objeto de escrutínio e que estão referidas na condenação imposta ao Juiz Roberto Corcioli estão fundadas em posicionamentos já adotados pelas cortes superiores e em ampla jurisprudência nacional. A inconformidade da Corte com posição estritamente jurisdicional, como retrata a literalidade da decisão, fala por si:

 

“Em resumo, os elementos de convicção trazidos aos autos conduzem à conclusão de que as decisões do Dr. Corcioli, maculadas por vícios já amplamente mencionados e movidas por razões de ordem ideológica – curiosamente vinculadas à ideia de ‘garantismo’ –, acarretaram cenário de aumento da insegurança social e descrédito das instituições no Município de Itapevi. Evidente que isso se deu em prejuízo da população honesta, trabalhadora e humilde da região, a qual, por força da atuação do requerido, viu-se obrigada a assistir ao arrefecimento do combate a criminosos e menores delinquentes” (p. 40 do acórdão, g.n.).

 

A AJD vem a público EXORTAR seja observada a independência judicial, salientando que garanti-la é, em última análise, garantir a liberdade de atuação de magistradas e magistrados, essencial para que os processos sejam conduzidos sem o perigo de pressões internas ou externas. A AJD tem denunciado as perseguições e pressões sobre magistradas e magistrados que exercem, com independência, seu dever de garantir os direitos constitucionais, dando início, inclusive, a campanhas públicas de conscientização acerca da importância que a independência e o garantismo judicial têm para a consolidação de uma sociedade realmente democrática.

 

A independência judicial se concretiza quando um(a) magistrada(o) é livre para analisara demanda de acordo com seu entendimento das normas existentes, fundamentando evidentemente sua decisão. O que é inadmissível, é sujeitá-la(o) a qualquer tipo de influência, pressão, ameaça ou interferência, incluindo as advindas do próprio sistema judicial, mesmo aquelas que se perfectibilizam na tentativa de obrigá-la(o) a agir em conformidade com determinado pensamento, evidentemente não unânime, de parte do Poder Judiciário. A consolidar-se tal entendimento, restará fatalmente prejudicada a independência no ato de julgar. Por consequência, estará irremediavelmente comprometida a impessoalidade e a própria função do Poder Judiciário, que se qualifica justamente como o poder de Estado capaz de garantir a ordem jurídica, mesmo que isso contrarie interesses de grupos específicos.

 

Temos uma Constituição vigente em nosso país.

 

Respeitar e fazer cumprir seus preceitos é exatamente o que as juízas e juízes prometem ao assumir a magistratura. Admitir que sejam punidos disciplinarmente por fazê-lo é ferir de morte a Constituição da República e a democracia já tão combalida no Brasil.

 

Esperamos, portanto, que o CNJ, neste caso concreto, restitua a ordem e a garantia à independência judicial e reafirmamos nosso apoio integral ao Juiz Roberto Luiz Corcioli Filho.

 

São Paulo, 22 de fevereiro de 2021.

 

Associação Juízes para a Democracia (AJD)