A Associação Juízes para a Democracia – Núcleo Rio Grande do Sul, emite nota considerando a repercussão, em especial junto às redes sociais, da decisão do Juiz de Direito da Décima Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre Eugênio Couto Terra.
“A existência de segurança sanitária é que permitirá que os cidadãos refaçam suas vidas, inclusive econômica." Terra, Eugênio. Verão 2021, Ano 2 Pandemia.
Consta dos artigos 5º, caput, da Constituição que todos têm direito à vida. No rol de incisos deste mesmo artigo está estampado, entretanto, que não basta a vida. No Brasil a vida é qualificada: vida boa e decente.
Para tanto, um dos aspectos mais importantes relacionados à vida boa e decente, além daqueles incisos relacionados aos direitos fundamentais de primeira dimensão, é a saúde. Não há vida boa e decente, digna, soma-se, sem segurança sanitária. E esta segurança consta expressamente do 6º da Constituição.
A saúde é direito de todos e dever do Estado garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos, na forma do artigo 196 também da Constituição. Isso quer dizer que faz parte das políticas estatais a proteção dos cidadãos no âmbito de seu equilíbrio físico e mental, cabendo ao poder público franquear acesso gratuito às práticas de prevenção e recuperação de toda e qualquer pessoa, prática esta que transcende ao alcance do Poder Executivo sendo igualmente tarefa do Poder Judiciário. Ou seja, cabe também ao Poder Judiciário zelar pela saúde e proteção da população, dever este que nasce do pacto constitucional de 1988.
É por este dever de proteção à saúde, compartilhado entre os Poderes da República que é atribuição do Poder Judiciário também atuar na proteção e garantia de aplicação não apenas de recursos à saúde mais analisar políticas e práticas dos demais Poderes, a fim de garantir seja concretizado o direito fundamental-social à saúde. E tanto é verdade que o próprio Supremo Tribunal Federal, em 2020, decidiu, interpretar os poderes do Presidente da República em conformidade com o federalismo estabelecido na Constituição, apontando a possibilidade jurídica de os Governadores e Prefeitos atuarem na promoção da saúde e enfrentamento à pandemia.
Quanto à situação pandêmica, é sabido que o país vive o caos. É um verdadeiro flagelo a forma como parte das autoridades públicas vem enfrentado o problema, muitas delas tendo por base o negacionismo completo e a priorização à economia sobre a vida, como se existisse economia sem vida, ou como se a economia fosse um fim em si mesmo!
No Rio Grande do Sul o Governo atua de forma diversa. Busca ouvir não apenas seu corpo técnico mas também as ruas. É por isso que a decisão do Juiz Eugênio suspende a cogestão até que o Estado preste mais informações, pois que aquelas da live, isso em um tom de precaução, não lhe pareceram suficientes. O magistrado ponderou direito à vida e à saúde e a eficiência do distanciamento social sob os olhos da precaução, até que o Estado se explique.
Preservar a vida e a saúde frente a aspectos meramente econômicos são primados da Constituição, artigos 1º, III, 3º, IV, 4º, II, 5º, caput, e 6º, normas estas de observância obrigatória e que são os fundamentos da decisão prolatada ontem pelo magistrado da Décima Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre e que, como já dito, tem por base o bem de todos e a garantia da saúde e da vida.
É bom que se diga que houve um aumento absurdo de mortes por Covid em março de 2021 e que no Rio Grande do Sul, nos últimos quinze dias, houve mais de 103mil novos casos de Covid. Isso tudo aliado ao fato de haver recomendação por parte de infectologistas e cientistas quanto ao distanciamento, justifica plenamente a decisão havida ontem.
Em prevalecendo a racionalidade instrumental de viés exclusivamente econômico poderia ter o potencial de suprimir e eliminar de modo irreversível o direito à vida e à saúde de milhares de pessoas em poucas semanas. Não se tem informações precisas dos efeitos do coronavírus sobre o sistema corporal humano, mesmo daqueles já curados. O risco transcende a esfera dos doentes e recuperados o que pode, no futuro, comprometer não apenas o sistema de saúde, mas toda a estrutura econômica organizada para o consumo.
Antes de encerrar, a AJD Nucleo RS chama a atenção quanto à lotação dos hospitais e o risco não apenas de mortes ou complicações pelo coronavírus, mas como resultado de outras moléstias também. É que não há espaço físico para atendimento. Ressalta que sempre foi política da associação combater a austeridade, esta mesma que congelou investimentos em saúde, educação e cultura por vinte anos, e o fortalecimento de micro e pequenas empresas com financiamento público responsável por parte dos bancos estatais.
Destaca-se, ainda, que o magistrado Eugênio Couto Terra age com cautela e humanidade em respeito à Constituição, à vida e à saúde da população e aguarda resposta, no processo, do Estado do Rio Grande do Sul. A instituição se solidariza com quem, neste momento, sofre por não poder exercer seu mister, mas pondera, como consta supra, que a vida e a saúde são elementos centrais e, conjugados, superam a liberdade de empresa e propriedade privada, esta vinculada à sua função social, artigo 5º, XXIII, da CF/88.
Ataques criminosos, covardes e de caráter claramente políticos, ideológicos e não-científicos, desconectados de uma racionalidade democrática via redes sociais serão tratados com o devido rigor pelas respectivas autoridades competentes e nos devidos termos da Constituição e das leis do país.