A Associação Juízes para a Democracia, à vista dos termos do Ofício nº 14845/GM-MD, datado de 10/06/2022, assinado pelo Ministro de Estado da Defesa e endereçado ao Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, no qual expressa que “as Forças Armadas não se sentem devidamente prestigiadas” pelo TSE em razão das respostas aos questionamentos feitos ao sistema de urnas eletrônicas no bojo da Comissão de Transparência Eleitoral, e ainda que “a todos nós não interessa concluir o pleito eleitoral sob a sombra da desconfiança dos eleitores” vem manifestar sua perplexidade e indignação em face de seus termos.
A democracia pressupõe a realização de eleições periódicas, livres e justas, em que sejam garantidas a efetiva participação dos cidadãos; a isonomia entre as diferentes candidaturas, na dimensão material do princípio da igualdade; e um processo eleitoral dotado de credibilidade pública. A manifestação da vontade popular, ampla, livre e soberana, exige um clima de tranquilidade e segurança, para eleitores, candidatos e todos os agentes investidos de função pública envolvidos na realização do pleito.
Com esse escopo, o Tribunal Superior Eleitoral tem desenvolvido esforços no sentido de aperfeiçoar, atualizar e aprimorar os mecanismos de coleta e apuração dos votos, mediante o uso de urnas eletrônicas. Tal sistema, que tem sido utilizado há 25 anos, sem que se tenha comprovado qualquer tipo de intercorrência, significou uma verdadeira revolução, ao abandonar o voto em cédula de papel e apuração manual, passível de erros, fraudes e manipulações de toda sorte. Desde que adotado, o sistema de urnas eletrônicas foi responsável pela eleição de Presidentes, Governadores, Prefeitos e Parlamentares dos mais diversos espectros políticos, garantindo a rotatividade e a alternância de poder que resultou, inclusive, na eleição do atual detentor do cargo de Presidente da República.
Os constantes ataques ao sistema eleitoral fundado na urna eletrônica, sem que tais ataques tenham respaldo em avaliações técnicas que revelem efetivo conhecimento sobre o funcionamento do sistema de coleta e apuração dos votos, sem conexão à internet, de forma a não permitir a invasão do sistema por operadores externos, têm contribuído para amplificar ambiente de desconfiança e, consequentemente, de fragilização da própria democracia, na medida em que lançam dúvidas infundadas sobre o processo eleitoral em si, sobre as instituições da justiça eleitoral e, por conseguinte, sobre a legitimidade do resultado do pleito.
Nesse sentido, cabe às instituições, dentro dos limites que a Constituição lhes atribui, velar e defender a democracia, em seu momento mais decisivo, que é o momento em que o povo, soberanamente, deverá manifestar sua vontade, no processo eleitoral.
Não incumbe às Forças Armadas interferir na organização do processo eleitoral, tarefa reservada com exclusividade aos órgãos da Justiça Eleitoral, nos termos da Constituição e do Código Eleitoral. Não incumbe às Forças Armadas pressionar a Justiça Eleitoral para que, retomando etapas já superadas na organização das eleições, imponha de forma unilateral, suas opiniões e impressões sobre a lisura das urnas eletrônicas.
O verdadeiro prestígio das Forças Armadas no contexto das democracias advém do respeito aos limites de suas funções constitucionais que repele toda e qualquer intervenção nos processos políticos reservados à sociedade civil desarmada, sendo exemplo de atuação prestigiosa das Forças Armadas a participação nas buscas pelo jornalista Dom Phillipps e pelo indigenista e ex-servidor da Funai, Bruno Araújo, juntamente com as demais forças de segurança que ali estão desempenhando essa nobre missão.
Diante disso, a Associação Juízes para a Democracia vem a público manifestar-se pela total inadmissibilidade do conteúdo do Ofício nº 14845/GM-MD encaminhado à Presidência do TSE, por materializar extrapolação das atribuições que a Constituição Federal reservou às Forças Armadas, além de traduzir ameaça à tranquilidade do pleito eleitoral e evidente intimidação aos órgãos da Justiça Eleitoral.
Nesse sentido, a Associação Juízes para a Democracia roga ao Ministro da Defesa que, em prol da manutenção do prestígio das Forças sob seu comando no conjunto das instituições democráticas, cesse de adotar comportamentos que traduzam ameaças, intimidações ou constrangimentos às autoridades civis constitucionalmente incumbidas de organizar e regulamentar as eleições de 2022.