Carta de Belo Horizonte

IMG 20231107 WA0077
Associados e associadas da AJD na "Zona Quente" do crime ambiental de Brumadinho
 
JUSTIÇA PARA LIMPAR A LAMA QUE MATA
De 1º a 4 de novembro, a AJD realizou seu encontro nacional em Belo Horizonte. Trocas, compartilhamento, vivências. Formas de ressignificar nossa experiência com o Direito e a Justiça. Tirá-las dos autos frios dos processos, lançá-las de volta ao colo da vida e das gentes. 
Juntos com as pessoas da AVABRUM – Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos da Tragédia do Rompimento da Barragem Mina Córrego Feijão Brumadinho, participamos de ato ecumênico na “zona quente” de um dos maiores crimes ambientais do mundo, Brumadinho, no dia de Finados. Reunimos, em seguida, com diretoras e diretores da Associação.
Tivemos intensa reunião com representantes do MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens, em que presenciamos uma aula de estruturação, organicidade e capacidade de elaboração de um movimento social a cada dia mais relevante.
 
IMG 20231107 WA0074
Visitamos o Kilombo Manzo Nguzo Kaiango, aconchegados pelo colo generoso de Mãe Efigênia, Mametu Muiandê, que nos tomou a mão e conduziu pela história e luta de sua grande família quilombola.
Cada tragédia, cada violência, cada luta e cada resistência mostraram a todas e todos nós sua causa verdadeira, superficial e profunda. A lama de dejetos, em janeiro de 2019, assassinou 272 pessoas em Brumadinho, despejou 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração na bacia do rio Paraopeba, percorreu mais de 300 km, afetou 18 municípios, atingiu ao menos 944 mil pessoas. Quatro anos antes, em 2015, o rompimento da barraem Fundão, em Mariana, responsabilidade da mineradora Samarco – controlada pela brasileira Vale S.A. e pela anglo-australiana BHP Billiton, já tinha lançado 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos na bacia do Rio Doce, que abastece de água cerca de 230 municípios em Minas Gerais e no Espírito Santo, e deixou 19 mortos.Segundo o MAB, em 2022 47 barragens haviam sido embargadas por riscos em sua segurança, quatro delas no nível máximo de risco; 31 destas barragens situam-se no estado de Minas.
Mas a verdadeira lama é a da ganância, da maximização de lucros, da objetificação da vida. A mesma lama que dá vida ao MAB e sua luta pela conscientização não apenas pelos diretamente atingidos pelas barragens: em tempos de caos climático, todos somos potencialmente atingidos por ela, por seus riscos, pela possibilidade crescente de contaminação e privação da água. As lamas do racismo, do ódio e da intolerância religiosa fazem girar a roda lamacenta e podre da especulação imobiliária e gentrificação, marginalizando populações quilombolas e periféricas e destruindo culturas e modos de viver. É esta lama que torna 2,5 milhões de vidas palestinas descartáveis, vítimas constantes do revide desproporcional e genocida do Estado de Israel ao ataque terrorista realizado pelo Hamas em 07 de outubro – a população civil palestina não pode ser objeto de crimes de guerra praticados por um Estado Nacional em sua ação militar de vingança, muito mais que mera defesa.
A vida clama por ar. Para respirar, precisa sair da lama do grande capital e da exploração. A cada dia assistimos os crescentes ataques aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, materializado pelo desprezo e enfraquecimento dos direitos sociais e da Justiça do Trabalho. O capital não quer mais sequer as travas modernizadoras que lhe servem como focinheira – deseja morder, agora e já, toda terra e toda carne, toda vida, e transformá-la em lucro rápido, fácil e seguro. 
A AJD apóia a luta dos familiares das vítimas de Brumadinho pela responsabilização da Companhia Vale do Rio Doce pelo crime sem medidas que cometeu, através não só de reparação integral dos danos materiais e morais dos familiares e atingidos, mas também pela punição dos responsáveis que, sabendo dos riscos efetivos da barragem, mantiveram a produção e sacrificaram quase trezentas vidas e centenas de familiares e amigos no altar do lucro. Apóia a aprovação, no Congresso Nacional, da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (Pnab), cuja instituição está prevista no Projeto de Lei 2.788/2019. Defende a aceleração dos processos de identificação e reconhecimento dos quilombos e a efetivação dos direitos de povos originários e quilombolas, atacados permanentemente pelo garimpo ilegal, pela especulação imobiliária, pela violência crescente de jagunços a mando do capital. Reitera os termos de sua nota sobre a guerra genocida movida pelo Estado de Israel em Gaza contra a população civil palestina não combatente, publicada no dia 16 de outubro. Reafirma, assim, seu profundo compromisso teórico e prático, institucional e existencial, com os princípios que a orientam na defesa da democracia, de suas entidades e instituições; de um Poder Judiciário independente, acessível, democrático e emancipador; de promoção da dignidade da pessoa humana e das agendas de Direitos Humanos a elas correspondentes; da responsabilidade socioambiental.  
 
IMG 20231107 WA0078
Saímos recentemente da terrível experiência do neofascismo e das sucessivas tentativas de golpe, que hoje ainda assolam outros países, inclusive em nossa região. O apoio decidido na luta contra os extremismos de direita e contra outras formas de autoritarismo deve andar de mãos dadas com a luta pela dignidade da vida e do trabalho, da diversidade e da inclusão, das muitas formas de viver, trabalhar, amar e estar no mundo. Nosso encontro nacional não apenas emocionou a todas e todos que dele participaram, mas também renovou o ânimo, a gana, a disposição de aprofundar nossa luta pela concretização destes princípios.
 
Em cada atividade e vivência, vertemos as lágrimas de luta e luto que fazem de nós juízas e juízes para a Democracia.
 
Belo Horizonte, Minas Gerais