Foto: AVABRUM
Na semana em que se completam 5 anos do crime da Vale na Bacia do Paraopeba, na Barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, a Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD) esteve presente em vários eventos organizados pela Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM). A associada Rosaly Stange Azevedo, Juíza do Trabalho da 17ª Região, representou a entidade nessas atividades. A tragédia da Vale em Brumadinho resultou na perda de 270 vidas, incluindo duas mulheres grávidas. Após quatro anos, três corpos ainda não foram localizados e a família clama para que as buscas continuem, para que possam sepultar seus entes queridos de forma digna.
SEMINÁRIO 5 ANOS SEM JUSTIÇA
No dia 22 de janeiro, segunda-feira, o Seminário "5 Anos Sem Justiça", realizado na Câmara Municipal de Brumadinho proporcionou um espaço de compartilhamento e apoio mútuo para familiares e vítimas das tragédias-crime envolvendo as empresas Vale e Tüv Süd, em Brumadinho; Braskem em Maceió, além da Boate Kiss.
O local estava lotado pelo público. Na frente da mesa havia um belíssimo arranjo de flores vermelhas, com três brancas simbolizando os corpos ainda não encontrados, e as demais vermelhas representando as 267 vítimas já sepultadas, reforçou a solenidade do evento.
Foto: Rosaly Stange
Todos os presentes estavam com um semblante angustiado, as camisas traziam os rostos dos familiares e amigos que foram arrastados pela lama no enquanto almoçavam, no refeitório da empresa, localizado a poucos metros da barragem que se rompeu.
Mais de 500 pessoas perderam a vida nessas quatro tragédias, e centenas de milhares foram impactadas, sem que houvesse punição para os responsáveis até o momento.
Durante a primeira parte do Seminário, representantes das vítimas compartilharam relatos emocionados, destacando omissões do poder público, falhas nas investigações, problemas processuais, violações de direitos e impactos nas comunidades afetadas. A presidente da AVABRUM, Andreza Rodrigues, ressaltou o sentimento de impunidade e a falta de fiscalização diante do poder das empresas envolvidas.
Flávio Silva, pai de Andrielle Righi da Silva, vítima da Boate Kiss, defendeu a criação de uma instituição que una vítimas e familiares das grandes tragédias, buscando representação e justiça coletiva. Ele afirmou a necessidade de fortalecimento conjunto para ganhar respeito do poder judiciário.
Mônica Santos, representante da Comissão de Atingidos da Barragem do Fundão em Mariana, ressaltou a importância da união para enfrentar a falta de responsabilização.
Rikartiany Cardoso, moradora de Maceió e integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração, enfatizou a força da união para combater a autorregulação privada, destacando o sentimento de abandono que a população, obrigada a abandonar suas casas, impactando mais de 200 mil pessoas.
Detalhes reveladores das investigações sobre o rompimento da barragem da Vale foram apresentados pelos palestrantes da mesa 2.
O delegado da Polícia Federal, Cristiano Campidelli, e o promotor de justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Francisco Generoso, destacaram que as provas evidenciam que as empresas Vale e Tüv Süd priorizaram os lucros em detrimento da segurança das pessoas e tinham pleno conhecimento dos riscos que envolviam a barragem de Córrego do Feijão. Recordou que em novembro de 2017 a barragem já havia sido condenada por estudos encomendados pela própria Vale. "Os familiares ainda estavam retornando para casa todas as noites quando, em novembro de 2017, a Vale recebeu a informação de que a barragem não atendia aos padrões, apresentando um fator de segurança de 1,09 na seção mais alta, quando o mínimo aceitável era 1,30”. Campidelli detalha como a Vale fez de tudo para conseguir o laudo com fator de segurança forjado, até que encontrou uma empresa que aceitou, a alemã Tüv Süd, a qual passou do montante contratual de dois milhões para dez milhões: “Fizeram muito esforço para matar essas pessoas em Brumadinho", concluiu.
Foto: Rosaly Stange
O procurador do Ministério Público Federal, Bruno Nominato, abordou os desafios atuais da ação penal, ressaltando a necessidade de levar o caso a júri na Justiça Federal.
Durante a Mesa 3 do Seminário "5 Anos Sem Justiça", ocorreu o lançamento do Observatório sobre as ações penas da tragédia de Brumadinho, site contendo documentos dos processos criminais no Brasil e ação na Alemanha, apresentado por Danilo Chammas, assessor jurídico da AVABRUM, com o objetivo de maior transparência e acesso às informações relevantes.
A representante da AJD, Rosaly Stange, ao iniciar sua fala, expressou completa solidariedade a todas as vítimas presentes, abrangendo as diversas situações de graves violações de direitos humanos. Sua fala foi direcionada para apresentar as possibilidades de lutas e enfrentamentos possíveis direções para a caminhada em busca de justiça, discutindo os desafios do sistema de justiça. Rosaly Stange enfatizou a importância da nova Lei 14.755, de 2023, que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens, destacando sua plena aplicabilidade aos atingidos de Brumadinho, considerando que o crime que ocorreu em 25 de janeiro é continuado, na medida em que o adoecimento físico e mental da população atingida pela lama persiste. Além disso, ressaltou a necessidade de aprovação do Projeto de Lei que tipifica o Ecocídio, visando evitar a repetição de tragédias-crimes como as de Brumadinho e Mariana. "A AJD sabe o lado que ela quer estar. Queremos estar do lado daqueles que não têm voz, que lutam pela concretização de direitos humanos. Estamos do lado de vocês", concluiu a Juíza Rosaly.
Foto: Rosaly Stange
MAB promove encontro sobre casos Brumadinho e Mariana
Foto: Francisco Kelvim/MAB
No dia 24, quarta-feira, um encontro promovido pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em Belo Horizonte, reuniu cerca de 300 atingidos das Bacias do Rio Doce e do Paraopeba para debater a aplicabilidade da Lei Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), sancionada em dezembro. Participaram do evento representantes do governo federal, do parlamento, das instituições de justiça e a AJD.
Na sessão, realizada na Faculdade de Direito da UFMG, o procurador do Ministério Público Federal, Felipe Froes, parabenizou os atingidos pela mobilização para a aprovação da lei. Ele destacou que a PNAB concretiza direitos fundamentais dos atingidos, salientando que "direitos precisam valer mais que os privilégios" e ressaltou que o desenvolvimento econômico deve favorecer as pessoas, não privá-las de direitos. O procurador explicou que a PNAB traz avanços significativos para a reparação dos territórios, mesmo nos casos anteriores à sanção da lei.
Rosaly Stange, defendeu a aplicabilidade imediata da PNAB, pois há diversos e múltiplos danos individuais e coletivos cuja reparação não foi garantida pelas empresas violadoras de direitos, sem encerramento do estado de violação de direitos. Ela enfatizou a situação em Córrego do Feijão, onde três corpos ainda não foram encontrados, pessoas seguem sem a devida reparação pelos diversos danos, com adoecimento e mortes. Também destacou diversas comunidades das regiões afetadas sofrendo sem o reconhecimento adequado de sua condição de atingidos. Stange ressaltou que a aprovação da PNAB é uma conquista da luta do MAB e que os atingidos são sujeitos transformadores da história. Joceli Andrioli, Coordenador do MAB destacou a importância do apoio da AJD nas pautas de defesa dos direitos dos atingidos.
Também estiveram presentes no encontro: Célia Xakriabá, deputada federal (PSOL/MG); o procurador Felipe Froes; Letícia Oliveira, do MAB em Minas Gerais; Kelli Mafor, representante da Secretaria Geral da Presidência da República; Alexandre Freitas, representante do Ministério de Minas e Energia; Leleco Pimentel, deputado estadual (MG); e Joceli Andrioli, Coordenador do MAB, dentre outras autoridades. Todos destacaram a importância da PNAB para os moradores desses territórios.
Foto: Francisco Kelvim/MAB
No evento foi entregue um documento ao governo federal contendo argumentos jurídicos comprobatórios da necessidade de se utilizar a Política Nacional dos Atingidos por Barragens como marco normativo e de padrão mínimo de direitos a serem assegurados e reparados no caso de Mariana e Brumadinho, cuja redação a AJD contribuiu com sugestões relevantes.
O ponto alto do encontro foi a apresentação da música e a entrega de uma cartinha preparadas pelas crianças. O representante do Ministério de Minas e Energia recebeu uma colorida cápsula do tempo, também pintada pelas crianças, para ser aberta no próximo encontro, em 2025, quando o cumprimento das promessas e a concretização das esperanças serão conferidos e cobrados.
CARREATA E CULTO
Foto: Rosaly Stange
Na véspera do quinto aniversário da tragédia de Brumadinho, diversas homenagens foram prestadas em memória das 272 vítimas. Ao final da tarde, uma comovente carreata percorreu a cidade, carros fazendo barulho e carregando balões vermelhos, simbolizando as 272 vidas perdidas sob a lama. A comunidade participou acenando e chorando, expressando o clamor por justiça. Posteriormente, um culto ecumênico e apresentações culturais honraram as vítimas do rompimento da Barragem do Córrego do Feijão.
ATO NA PRAÇA DAS JÓIAS E LETREIRO
Foto: Rosaly Stange
Na quinta-feira (25), marcando o exato momento do desastre às 12h28, parentes e amigos se reuniram na Praça das Joias para uma comovente homenagem. No céu de Brumadinho, 272 balões vermelhos foram soltos em referência às vítimas que perderam a vida há cinco anos. Este gesto simbólico foi um momento muito emocionante, cada balão representando uma vida perdida na tragédia-crime.
Durante a homenagem, uma "lista de presença" foi lida, e familiares responderam emocionados com um "presente" para cada vítima. Palavras de ordem foram entoadas, ecoando o compromisso de não esquecer. No mesmo local, momentos de oração e música proporcionaram um ambiente de reflexão e contrição. A comunidade reafirmou o compromisso de manter viva a memória das vítimas, destacando que não vão esquecer e não desistirão de lutar pela condenação dos criminosos, responsáveis pela barbárie de 25 de janeiro de 2019.
Foto: Rosaly Stange
"É difícil expressar o sentimento desse momento, uma mistura de emoção e tristeza ao ver mães, pais, irmãos, filhos, avós, familiares e amigos das vítimas que perderam suas vidas. A lama carregou os corpos, sonhos, interrompeu trajetórias, levadas pela ganância e pela busca desenfreada por lucro. Triste demais testemunhar aquele momento, pessoas passando mal, chorando, sofrendo, cada uma ostentando uma placa com o nome de seus entes queridos nas camisas, rostos que emanavam vida, agora eternamente silenciadas. Uma mãe me contou que sepultou sua filha em mais de um lugar. Em uma cova está o braço e a cabeça, em outro o tórax, porque foram encontrando os pedaços dos corpos em dias diferentes. Ela também conta que um morador do Córrego do Feijão, que residia muito próximo ao local do rompimento da barragem, lhe relatou que corpos estavam sendo içados por um helicóptero e caíram em seu jardim.
Outra moradora e também parente de uma das jóias, como são chamadas as vítimas, viu de sua casa pedaços de corpos passando pela lama que corria no rio. Essa lembrança a aterroriza todas as noites. Não há como esquecer. Todos lembram desse fatídico dia como um filme de horror, pânico nas ruas, com barulho de sirenes, helicópteros. Souberam do rompimento da barragem pela televisão. A Vale nunca entrou em contato para dar qualquer informação, falar qualquer coisa, um simples agradecimento, condolências, nada.
Mas apesar da dor e tristeza extrema, meu sentimento é de gratidão pela oportunidade de estar presente nesses momentos tão difíceis, levando o apoio da AJD, compartilhando um pouco de esperança e fortalecendo todos aqueles que batalham incansavelmente por justiça” – Rosaly Stange Azevedo.
Foto: Rosaly Stange
CÓRREGO DO FEIJÃO RESISTE!
Foto: Rosaly Stange
A estratégia de desterritorialização da população atingida que reside próximo à mina que se rompeu, promovida pela Vale, foi conferida de perto. A visita ocorreu na sexta-feira (26), por Rosaly Stange, Dona Maria Regina da Silva, diretora da AVABRUM e mãe de uma das 272 jóias; e por Danilo Chammas; advogado da AVABRUM.
Durante a visita foi possível observar diversas residências abandonadas e outras com placas indicativas de "Propriedade particular. Área protegida e monitorada. Proibida a entrada de pessoas não autorizadas”, indicando que agora são propriedade da empresa Vale, adquiridas dos antigos moradores.
Poucos antigos moradores resistem. Nas visitas, alguns relatos se repetem. Falam que diversos aspectos de suas vidas sofreram profundos impactos: o barulho de caminhões não para; perderam muitas estradas que antes podiam transitar, agora restritas apenas aos caminhões da Vale; experimentaram a perda da alegria, deixando de realizar até mesmo a tradicional "festa do feijão"; houve um aumento na criminalidade e os problemas de saúde se multiplicaram. Até hoje, cinco anos após a tragédia-crime, esses moradores continuam dependendo do fornecimento de água mineral, uma vez que a água proveniente das torneiras não é própria para consumo.
Os residentes de Córrego do Feijão recordam com nostalgia os tempos em que podiam desfrutar do rio e sentiam orgulho de viver em uma comunidade outrora cordial e alegre.