AJD NA IMPRENSA

EDITORIAL DO JORNAL “O Estado de S.Paulo”, de 19/10/05

“Nepotismo no Judiciário”


Uma pesquisa promovida pela Fundação Joaquim Nabuco e pela Associação Juízes pela Democracia (AJD) sobre o nepotismo no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) revelou que, dos 382 cargos comissionados na corte, 314 hoje são ocupados por funcionários não concursados. E, desse total, 40% são familiares de desembargadores, o que é expressamente proibido.

Os nomes dos magistrados não foram divulgados, mas o levantamento mostrou que o campeão de contratações irregulares é um magistrado que emprega cinco parentes, cujos salários totalizam R$ 24,7 mil por mês. Além disso, o Diário Oficial do último dia 8 divulgou a nomeação de 29 novos servidores para o TJPE, fato ocorrido após o término da pesquisa. Nenhum dos nomeados é concursado e quatro são filhos, esposa e irmão de um desembargador.

Na mesma semana em que a pesquisa da Fundação Joaquim Nabuco e da AJD foi divulgada, a imprensa divulgou outro fato semelhante, ocorrido no Tribunal de Justiça da Paraíba. Contrariando normas legais, que impõem votação aberta nas sessões de promoção de juízes por critério de merecimento, a corte promoveu por voto secreto o filho de um desembargador. Alegando que a decisão privilegiou a relação de parentesco em vez de valorizar o princípio do mérito, prejudicando com isso os demais concorrentes, a Associação dos Magistrados Brasileiros anunciou que pedirá a anulação da sessão.

Esses fatos mostram como é difícil extirpar velhos vícios das instituições judiciais. A proibição da contratação de parentes de juízes para cargos de confiança na Justiça é prevista pelo artigo 37 da Constituição, que disciplina a administração pública e consagra os princípios da meritocracia, da impessoalidade e da moralidade. Como essa determinação legal jamais foi observada, em 1996 o Congresso aprovou a Lei 9.421, proibindo expressamente a nomeação de cônjuges e parentes até o terceiro grau de integrantes da Justiça Federal.

Devido ao lobby de diferentes instâncias e setores da magistratura, contudo, a lei permitiu que os parentes já contratados até a data de sua promulgação continuassem ocupando cargos comissionados. No entanto, como ela não estabeleceu penas rigorosas para os infratores e não deixou claro se as Justiças estaduais deveriam segui-la, a maioria dos tribunais brasileiros continuou praticando o nepotismo.

Para corrigir essa situação, no mês passado o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ordenou a exoneração, no prazo de 90 dias, de todos os parentes de juízes contratados sem concurso para ocupar cargos de confiança. Esta foi uma das primeiras medidas moralizadoras do órgão. Criado pela Emenda Constitucional 45 no final de 2004, sob forte resistência corporativa da magistratura, o CNJ começou a funcionar há poucos meses. Sua decisão moralizadora também abrange o chamado nepotismo cruzado - aquele em que um juiz de um tribunal, em troca de favores, emprega familiares de um colega da mesma corte ou de outro tribunal. Segundo o CNJ, os demitidos só poderão voltar a trabalhar no Judiciário se forem aprovados em concurso.

Ao justificar o descumprimento dessa determinação, alguns desembargadores têm afirmado que as medidas contra o nepotismo ainda não foram reguladas por lei complementar. Outros alegam que as medidas não podem ter efeito retroativo, atingindo quem já estava nomeado. E há ainda quem questione o grau de parentesco impeditivo para a contratação de parentes de juízes para cargos comissionados. Na realidade, isso não passa de artimanhas de quem, tendo a missão de aplicar o direito de modo irrestrito a todos, se imagina acima das leis, considerando-se inimputável.

São vícios corporativos como esses que o CNJ tem de erradicar com urgência, para resgatar a credibilidade da Justiça. Criado para fazer com que as leis e os códigos também alcancem aqueles que têm de aplicá-la, o CNJ precisa tomar uma decisão exemplar para liquidar de uma vez por todas com o nepotismo nos Tribunais de Justiça de Pernambuco e da Paraíba e impor sua autoridade aos que pretendem desmoralizá-lo.