As entidades e organizações que esta subscrevem, tendo em vista o debate público acerca da responsabilização de adolescentes autores de atos infracionais, e preocupadas com as propostas de redução da inimputabilidade penal e de elevação do tempo de cumprimento de medidas sócio-educativas, vimos a público manifestar:
1. A redução da inimputabilidade pe¬nal é inconstitucional, pois ofende a cláusula pétrea da Constituição Federal, conforme o disposto nos seus arts. 5º, §2º, 60, §4º, inciso IV, e 228, se constitui em garantia fundamental da juventude.
É medida de caráter meramente simbólico, sem qualquer reflexo prático positivo para a solução dos problemas de delinqüência juvenil, pois se limita a negar a sua existência.
Soluções criminalizantes não resolvem problemas de segurança pública, e a prova maior é o caos por que passa o sistema brasileiro, desde há muito governado pela lógica da lei penal dura e rigorosa.
Neste sentido, destacam-se ge¬ne¬ra¬li¬za¬damente os efeitos negativos de políticas de julgamento de adolescentes em tribunais para adultos em todos os países. No estado norte-americano da Flórida, após o incremento de tal prática, elevou-se a taxa de reincidência da ordem de 19% no sistema juvenil para 30% no sistema prisional adulto1.
O mero aprisionamento em condições desfavoráveis que se avoluma com os elevados níveis de encarceramento de adultos praticados pelo sistema de justiça no Brasil, do é exemplo o Estado de SP que aumentou em 121 % o número de presos entre 1996 e 20052, sem qualquer reflexo na melhoria dos níveis de segurança, é o triste futuro que se diagnostica para a juventude do país, segundo a proposta em curso.
2. A elevação do tempo de cumprimento de medidas sócio-educativas é, igualmente, medida inconstitucional, pois inspirada em critérios penais estritamente retributivos e criminalizantes recusados pela sistemática constitucional que estabelece a solução sócio-educativa, conforme os termos dos arts. 227 e 228 da CF.
Nenhuma das propostas em curso justifica a necessidade da elevação dos prazos conforme a lógica constitucional da proteção integral e da solução sócio-educativa, o que revela o caráter puramente criminalizador da medida.
É, ainda, de manifesta ineficiência para o enfrentamento da delinqüência juvenil, pois é sabido que a manutenção de pessoas em privação de liberdade não gera qualquer efeito positivo, nem mesmo e especialmente para a segurança pública.
Neste sentido, merece destaque substancioso estudo segundo o qual o encarceramento de jovens é fator de reincidência (13,5 vezes) em níveis muito mais elevados que a desestruturação familiar (0,6 vezes), a participação em gangues (2,0 vezes) ou a posse de armas (3,3 vezes)3.
Destacam-se, também, os seguintes dados divulgados pela Fundação CASA (ex-FEBEM), que revelam preocupantes efeitos da privação de liberdade, e que se agravarão com a adoção das propostas em curso: 27% dos adolescentes internados se sentem infelizes, 23% deprimidos, e 14% deles sentem ódio.
Destaca-se, ainda, que no período entre 2002-2006 o crescimento do número de internações no país foi da ordem de 28%, e alcançou elevações críticas e alarmantes em alguns estados da federação, até da ordem de 165% para adolescentes do sexo masculino no Espírito Santo4, o que revela de um lado que já está em prática a política do encarceramento puro e simples, e de outro que tal política criminalizante nada resolve.
3. A redução da inimputabilidade penal, bem como a elevação do tempo de medidas sócio-educativas, são medidas que gerarão elevados custos sociais, aumentando o contingente de pessoas e famílias em contato com o ambiente prisional, o que implica em disseminação da cultura de ilicitude e violência, com agravamento dos fatores criminógenos.
Tais medidas ainda gerarão impacto fiscal e orçamentário, decorrente da construção de unidades adequadas para a privação da liberdade e gastos com pessoal, inexistindo previsão e disponibilidade financeira para tanto, o que implicará em baixa qualidade de atendimento às pessoas a elas sujeitas, com o risco de agravamento dos fatores criminógenos, e elevação da pressão sobre os orçamentos públicos.
Cumpre verificar que segundo dados do governo federal, há um déficit nacional de 2.815 vagas para adolescentes infratores em regime de internação ou se¬mi¬liberdade5, de modo que não tem o menor cabimento elevar ainda mais a de¬man¬da.
Por estas razões, entendemos que as propostas existentes são inconvenientes para o enfrentamento da delinqüência juvenil, e manifestamos:
Que a responsabilização dos adolescentes autores de atos infracionais seja conforme os parâmetros constitucionais e legais hoje existentes, porém efetiva, agregando-se ganhos individuais e sociais que permitam a diminuição da violência e do sofrimento de todos.
Para que a responsabilização seja efetiva, é fundamental a estruturação do sistema de justiça em condições razoáveis de atendimento, que permitam a um só tempo a rapidez e a segurança na solução dos processos.
Para que a responsabilização seja efetiva, é fundamental a estruturação do sistema de atendimento sócio-educativo em condições razoáveis de operatividade, e que permitam o cumprimento de medidas sócio-educativas de modo eficaz e conforme critérios técnicos.
Para que ganhos individuais e sociais sejam agregados à responsabilização dos adolescentes, é fundamental a formulação e execução de políticas públicas específicas de atendimento e de conteúdo sócio-educativo.
Neste sentido, devem ser destacadas experiências positivas e reveladoras dos efeitos positivos de investimentos adequados em propostas de conteúdo sócio-educativo e com uso mínimo da privação da liberdade, do que é exemplo o NAI (Núcleo de Atendimento Integral), cuja experiência em São Carlos diminuiu a reincidência para 4%, contra a média de 30% no sistema juvenil tradicional6.
Necessário que as autoridades mantenham os alicerces fundantes da República, não escolham a opção fácil , demagógica de aplacar a opinião pública, que não possui eficácia alguma, que rompe os alicerces do Direito e traz como conseqüência um alto custo social, já que não soluciona a questão.
1 - Paolo G. Annino, Children in Florida Adult Prisons: a Call for a Moratorium, Florida State University Law Review, vol. 28:471.
2 - Fonte: SAP
3 - A Study of Recidivism of Serious and Persistent Offenders Among Adolescents, Journal of Criminal Justice, Vol. 27, n.º 2/111-126.
4 - www.presidencia.gov.br/estrutura/sedh/.arquivos/.spdca/mapa2006
5 - www.presidencia.gov.br/estrutura/sedh/.arquivos/.spdca/mapa2006
6 - Folha de São Paulo, 27/02/2007.
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ENTIDADES SUBSCRITORAS
Associação Juízes para a Democracia,
CONDEPE/SP,
Comissão Justiça e Paz de SP,
Comissão Teotônio Vilela
Defensoria Pública do Estado de São Paulo,
IBCCRIM- Instituto Brasileiro de Ciências Criminais,
IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa
ABONG - Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais
CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DA 6ª. REGIÃO
Comissão de Direitos Humanos e Acesso à Justiça da OAB/RJ –
CECRIA- Centro de Referência, estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes- Brasilia
Justiça Global – RJ
Pastoral Carcerária Nacional/ CNBB
Pastoral das Favelas da Arquidiocese do Rio de Janeiro
IAJ Instituto de Acesso a Justiça - Rio Grande do Sul
Grupo de Apoio às Comunidades Carentes do Maranhão - MA
Conectas Direitos Humanos
ILANUD - Instituto Brasileiro das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente
CEDECA Com Luciano Mendes de Almeida Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente-RJ
Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião-RJ
Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia-4ª Região-MG
Diretório Acadêmico 21 de Abril - Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia -MG
Centro de Direitos Humano de Sapopemba - CDHS
Manifesto pelos Direitos da Infância e Adolescência
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