Solicitação aos deputados federais

Solicitação encaminhada aos deputados federais


Ref: REMIÇÃO
Projeto de Lei 4230/2004 - Dep. Pompeo de Mattos
Projeto de Lei 6354/2005 - Dep. João Campos


O projeto de lei tem a perspectiva de concreção do artigo primeiro da Lei de Execução Penal que dispõe que a execução penal tem por objetivo proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado ou internado.

A educação, não poderia deixar de ser , neste panorama , um direito a ser assegurado pelo Estado.

A universalidade do direito à educação ainda não é real, existem sérias limitações nas ações educativas estatais, notadamente para a população carcerária, que não é socialmente incorporada como sujeito do direito à educação.

O projeto tem a magnitude de resgatar a educação como valor universal na medida que a transporta com eficácia para dentro das prisões.

Na perspectiva da sociedade civil que milita nesta área, apresentamos sugestões com o intuito de agregar soluções norteadas pelos princípios regentes da educação e expressar perspectivas no contexto do moderno direito penal .

A educação, além de seu fim intrínseco, também é utilizada para a aplicação do instituto da remição, previsto na LEP. Neste tanto, o projeto de lei apenas agrega, o que é já é pacífico nos Tribunais Superiores, como se pode verificar das decisões da Quinta e Sexta Turma, do Superior Tribunal de Justiça, que são as duas únicas turmas que têm competência para julgamento da matéria de direito penal.

Dentre as decisões destas turmas, indicamos:

a) Quinta Turma- Recurso especial, Resp 596114/RS, relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, data do julgamento 21.10.2004. Votação unânime. Ministros Felix Fisher, Gilson Dipp, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima

Ementa: Penal. Recurso Especial. Remição. Freqüência em aulas de Alfabetização. Inteligência do art. 126 da LEP. Recurso Provido.. O conceito de trabalho na Lei de Execução Penal não deve ser restrito tão somente àquelas atividades que demandam esforço físico, mas deve ser ampliado àquelas que demandam esforço intelectual, tal como o estudo desenvolvido em curso de alfabetização. A atividade intelectual, enquanto integrante do conceito de trabalho trazido pela lei 7210/84, conforma-se perfeitamente com o instituto da remição.

b) Quinta Turma- HC 30.623/SP- relator, Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, data julgamento 15.4.2004, Votação unânime. Ministros Jorge Scartezzini, Laurita Vaz, José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer.

Ementa: Criminal. HC. Remição. Frequência em aulas de Curso oficial. Telecurso. Possiblidade. Interpretação extensiva do art. 126 da Lei de Execução Penal. Ordem Concedida. A Lei de Execuções Penais previu a remição como maneira de abreviar pelo trabalho, parte do temo da condenação. A Interpretação extensiva ou analógica do vocábulo “trabalho”, para abarcar também o estudo, longe de afrontar o caput do art. 126 da Lei de Execução Penal, lhe deu, antes, correta aplicação, considerando-se a necessidade de ampliar, no presente caso, o sentido ou alcance da lei, uma vez que a atividade estudantil, tanto ou mais que a própria atividade laborativa, se adequa perfeitamente a finalidade do instituto. Sendo um dos objetivos da lei, ao instituir a remição, incentivar o bom comportamento do sentenciado e a sua readaptação ao convívio social, a interpretação extensiva se impõe ‘in casu’, se considerarmos que a educação formal é a mais eficaz forma de integração do indivíduo à sociedade. Ordem concedida, para restabelecer a decisão do primeiro grau de jurisdição.

c) Sexta Turma - HC 43.668/SP- relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, data do julgamento 8.11.2005. Votação unânime. Ministros Nilson Naves, Paulo Gallotti, Paulo Medina .

Ementa: Hábeas Corpus. Freqüência a curso oficial de Alfabetização. Remição pelo estudo. Possibilidade. Ordem Concedida. Sendo um dos objetivos da lei, ao instituir a remição, incentivar o bom comportamento do sentenciado e a sua readaptação ao convívio social, a interpretação extensiva se impõe no presente caso, considerando-se que a educação formal é a mais eficaz forma de integração do individuo à sociedade . Precedentes. Ordem concedida.

d) Sexta Turma – Resp 595858/SP- relator Hamilton Carvalhido- data do julgamento 21.10.2004- votação unânime. Ministros Paulo Gallotti, Paulo Medina, Hélio Quagia Barbosa e Nilson Naves.

Ementa: Recuso Especial. Execução Penal. Artigo 126 da lei 7210/84. Remição pelo estudo formal. Interpretação extensiva. Possibilidade. Improvimento. A remição, dentro de sua finalidade, visa abreviar, pelo trabalho, o tempo da condenação.O termo trabalho compreende o estudo formal pelo sentenciado, servindo à remição o tempo de freqüência às aulas, como resultado da interpretação extensiva da norma do artigo à luz do artigo 126 da lei de Execução Penal, inspirada em valores da política criminal própria do Estado Democrático de Direito. Recurso especial improvido.

Como se vê dos julgamentos mencionados, todos os ministros do Superior Tribunal de Justiça, são unânimes em afirmar que à educação deve ser aplicado o instituto da remição, previsto no artigo 126 da LEP, portanto é matéria pacificada nos tribunais superiores.

A vantagem da normatização, pela sua natureza de caráter geral, é acolher o que a comunidade jurídica, em sua grande maioria vem aplicando, colocando termo final às lides desnecessárias e dando passos no rumo indicado pelo moderno direito penal.

Mas é necessário dar passos maiores e efetivos, pois o natural da nossa história normativa, é que , de regra, o Judiciário caminha atrás da realidade e o Poder Legislativo, de regra, pode captar esta realidade de forma mais ágil, interferindo de forma mais eficaz para o aprimoramento do sistema .

Neste tanto devemos ressaltar que o trabalho e a educação são direitos consagrados na Carta Maior elaborada pelo Constituinte de 88. Vejamos o que dispõe no artigo 6º da CF:

“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados , na forma desta Constituição”.

A Lei de Execução Penal estabelece no artigo 39, um quadro de deveres ao condenado e dentre eles temos o trabalho: ”Constituem deveres do condenado- V- execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas”.

A mesma lei determina em seu artigo 41 que constituem direitos do preso a atribuição de trabalho e a assistência educacional e exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena (incisos II, VII e VI).

É norma de hermenêutica que a todo dever corresponde um direito e no tema em questão, o dever de trabalhar corresponde o direito de ter a atribuição de um trabalho. Da mesma forma que possui o preso o direito à educação.

Porém, não é esta a realidade.

O Estado mais se preocupa em segregar. A ação necessária para a volta deste preso para a comunidade, não esta sendo executada; as normas estabelecidas na Lei Maior e na LEP estão sendo desconsideradas pela Administração.

Urge destacar a falta de dados estatísticos sobre o tema, em termos nacionais. O sistema é absolutamente precário e insuficiente.

No Estado de São Paulo, parcela da população carcerária cumpre pena em delegacias e cadeias, sob a égide da Secretaria da Segurança Pública, principalmente as mulheres, o que significa que não têm atividade laboral e educacional.

Segundo dados da Funap, relativas ao Estado de São Paulo, em novembro de 2005, 47,53% da população carcerária estava trabalhando .

Na atividade educacional há uma grande redução do percentual. São 17,02% que estavam estudando, em dezembro de 2005. O perfil da população carcerária está a indicar que cerca de 78% da população carcerária masculina é analfabeta ou possui ensino fundamental incompleto, enquanto este percentual é de 69% para as mulheres. Em relação a cursos profissionalizantes, 89% dos homens e 79% das mulheres não fizeram cursos profissionalizantes durante o encarceramento.

O reconhecimento da educação para o fim da remição tem por escopo incentivar o condenado a participar das atividades de estudo, impedindo que estas atividades concorram com o tempo utilizado pelo trabalho.

Há que se buscar incentivos significativos para a presença dos sentenciados nos cursos regulamentares, como os de alfabetização, ensino fundamental, médio, universitário, de profissionalização, supletivo, de formação geral, como também de cursos esporádicos, inclusive com previsão de metodologia de educação à distância, a fim de que a reintegração possa efetivamente ocorrer.

Se com o trabalho, o preso é agraciado com o que lhe é mais caro, será natural que não queira estudar, já que não poderá se beneficiar com a remição. Os incentivos reais são absolutamente necessários e é indispensável que não se dê prevalência ao trabalho. Fundamental é que se possibilite a participação nas duas ações (educacional e laboral); que possam ser realizadas de forma concomitante pelo preso e que simultaneamente possam ser usadas para efeito do instituto da remição.

A cada direito incumbe um dever e pela incúria do Estado o apenado não pode ser responsabilizado , de forma que é necessário que a lei imponha conseqüência ao descumprimento do Estado, para que este se veja impelido a cumprir a sua obrigação.

O argumento de falta de trabalho não pode ser aceito, pois o menor Estado Brasileiro necessita de trabalhos que poderiam ser executados pelos presos e esta é uma cobrança social, pois a sociedade não aceita que os presos vivam de forma inútil, jogados dentro dos muros, sem nada fazer o dia inteiro, querem que eles sejam preparados para quando tiverem que retornar ao convívio social pleno .

Outrossim, a educação é vital no estágio do cumprimento da pena, no presente, na medida em que possibilita o pensar, mas tem também a sua razão de ser na reintegração social, que se dá de forma paulatina, no dia a dia do cumprimento da pena.

Desta forma, há que contemplar a norma, a hipótese do apenado não ter garantido o direito ao trabalho e à educação, ou seja, a hipótese de não cumprimento do dever por parte do Estado.

Trata-se de responsabilidade objetiva do Estado em ofertar trabalho e estudo. Propõe-se para estes casos a remição ficta, pela qual todos os impedidos de trabalharem ou estudarem, sejam beneficiados igualmente com a remição.

O projeto menciona a necessidade de certidão de freqüência e tal documento é mesmo necessário, como já previsto no artigo 129 da LEP, porém desnecessária a avaliação de aproveitamento para os fins de remição, o que também simplifica as comunicações a serem realizadas.


No tocante a aplicação do instituto, desnecessária lei regulamentadora, de forma que a vigência da norma ocorre dentro dos parâmetros constitucionais das normas penais e o projeto deve ter todos os requisitos para sua imediata aplicação.

Seria de boa cautela fixar na lei o tempo de estudo necessário para efeito de remição, inclusive com previsão de cursos de capacitação e profissionalização de curta duração, que também são muito úteis para a formação do preso. Indica-se que a equivalência não seja feita em termos de “dias de estudo”, a exemplo do que ocorre com o trabalho, mas tão só em razão da carga horária, inclusive do tempo de qualquer atividade educacional desenvolvida no sistema prisional.


No que diz respeito ao cômputo do tempo remido, o projeto poderia vir a aclarar de uma vez e assim evitar os transtornos que o tema tem causado nos estabelecimentos penais. Mais uma vez, os Tribunais Superiores são indicativos para a solução apontada abaixo, porém , a contenda continua.

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária manifestou-se no ano passado, no processo 08001.008223/2004-59, aprovando o parecer do conselheiro César Oliveira de Barros Leal.

O conselheiro discorre longamente sobre o tema, as conseqüências, menciona diversos doutrinadores. Cita a lição de Julio Fabbrini Mirabete que diz “ o tempo remido é contado como de execução da pena privativa de liberdade”. Lembra Mauricio Kuene , na obra Anteprojeto de Lei de Execução Penal. Aponta o artigo de João José Leal em “Remição: Cômputo do Tempo Remido e Âmbito de Incidência”, publicado no Boletim do Ibccrim, número 131, de 2003; ainda Paganella Boshi, em seus Comentários a Lei de Execução Penal. Aponta que “A jurisprudência predominante, que agora parece consolidar-se, entende na mesma direção da hermenêutica doutrinária: ‘A remição é matéria de execução da pena, somando-se o tempo à pena cumprida.... Por sua vez, no Superior Tribunal de Justiça, tal como assinala João José Leal, a jurisprudência tem sido unânime em sinalizar que o tempo remido deve ser visualizado como de pena efetivamente cumprida.”

A sugestão indicada pelo ilustre promotor de Justiça para a redação do artigo 128 é a seguinte: “A contagem do tempo remido far-se-á mediante o seu acréscimo à pena cumprida”.

O conselheiro ainda relembra que esta foi a conclusão da Comissão de Juristas, composta por Miguel Reale Jr, Eduardo Reale Ferrari, Mardem Costa Pinho, Maria Thereza Rocha Assis Moura, Mauricio A.R. Lopes, Sérgio Marcos Moraes Pitombo e Janaína Paschoal, sob a coordenação do primeiro, que propuseram a seguinte redação para o artigo 128: O tempo remido será somado ao tempo de pena cumprida para a concessão de livramento condicional, progressão de regime e indulto”.

Em síntese, sugere-se que seja revogado o artigo 127 e que o artigo 128 passe a ter a seguinte redação: “O tempo remido será computado como pena cumprida para todos os efeitos”.

Necessário que a questão prisional, que se encontra em crise em todo o país, tenha a atenção devida dos Poderes Públicos, pois se trata de questão nevrálgica para a sociedade. Desta forma, os recursos processuais que tramitam sobre a matéria deveriam ter prioridade.

Em vários Tribunais, já há determinação de prioridade, estabelecida nos regimentos internos.

O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal dispõe que no julgamento do Plenário e nas sessões das Turmas, terão prioridade as causas criminais e, dentre estas, as de ré preso ( artigos 145, inciso III e 149, II).

No Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça há a mesma espécie de disposição nos artigos 173, 177 e 180 que determina que terão prioridade no julgamento da Corte Especial, da Seção e das Turmas as causas criminais, havendo réu preso.

No Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo, consta a determinação de preferência na distribuição de processos de réus presos e de forma mais específica, nos agravos em execução penal (artigo 405, incisos II e VIII).

Esta diretriz deveria ocorrer em todos os Órgãos do Poder Judiciário e com a força de uma lei, todos os Tribunais tomariam medidas concretas para que os recursos desta natureza, efetivamente, não se perdessem no grande volume de processos que existem nos Tribunais.

Finalizando, sugere-se acréscimo ao artigo 197 da LEP, para que conste que: Das decisões proferidas pelo juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo, que terão prioridade no julgamento, se o condenado estiver preso.

Desde já, colocamo-nos à disposição de Vossa Excelência , na certeza que esta Casa dará um passo significativo diante dos Direitos Fundamentais e contribuirá para o aprimoramento do Sistema Carcerário.


Atenciosamente,


São Paulo, 06 de março de 2006.



Kenarik Boujikian Felippe

Grupo de Estudos e Trabalho “Mulheres Encarceradas”

Associação Juizes para a Democracia

Pastoral Carcerária

Instituto Terra Trabalho e Cidadania

Instituto de Defesa do Direito de Defesa