Homenagem

Caros amigos,

No último dia 05.04.08, nós magistrados pernambucanos, perdemos muito mais que um colega de trabalho, perdemos muito mais que um amigo, perdemos um referencial. Referenciais são aqueles que se distinguem do comum do ordinário, do trivial, dessarte, é justamente pela diferença que fazem que incorporam um modelo, um paradigma. Figueiroa, Luiz Fernando Lapenda, que foi juiz titular da segunda vara de fazenda pública da comarca do Recife, consubstanciou um referencial de profissionalismo e de cidadania.
Antes da toga, pesava-lhe a responsabilidade do cidadão, do intelectual engajado, do servidor público comprometido com a construção de uma sociedade livre, democrática, justa e igualitária.
Figueiroa exerceu a magistratura com dedicação e dignidade.
Nem o tratamento quimioterápico conseguiu afastá-lo da atividade judicante. Enquanto não se viu impossibilitado de andar, Figueiroa compareceu, cotidianamente, ao trabalho, manteve em dia, o expediente forense, proferindo despachos e sentenças. Tamanha dedicação lhe valeu a fama de exterminador de processos.
Figueiroa sempre tratou as pessoas com muito respeito, fossem servidores de justiça, procuradores, advogados, representantes do Ministério Público, colegas de trabalho ou partes, dispensando especial atenção aos desvalidos.
Figueiroa revelava-se intolerante com preguiçosos e desonestos. Criticava-os, abertamente, sem lhes fazer qualquer concessão, independentemente da posição social ou funcional que ocupassem.
Figueiroa manifestava-se, com muita clareza, acerca da magistratura, notadamente, quando falava da carreira e do desvirtuamento dos processos de promoção e remoção de magistrados, os quais, freqüentemente, resultam em prestígio dos mais cordiais e, em detrimento dos mais produtivos.
Figueiroa não guardou conveniências nem se fez oportunista. Figueiroa pediu providências ao CNJ quando entendeu que os critérios fixados na Constituição Federal não haviam sido corretamente, interpretados, em casos de acesso ao Tribunal de Justiça.
Figueiroa não trocou o direito das partes por prestígio pessoal. Figueiroa não julgava para fazer favores ou mesuras.
Figueiroa não bajulou, não pediu, não mendigou, não cedeu a apelos indecentes e, muito menos, a ameaças ou chantagens.
Mesmo conhecendo as estratégias não dogmáticas para alcançar o 'sucesso', Figueiroa não se deixou seduzir por afagos ou oferendas.
Figueiroa foi independente e ousado, arrojado, não subserviente, no exercício da atividade judicante. Recusou-se a decretar a ilegalidade de greve de servidores públicos contrariando o posicionamento, então vigente, do STF; reconheceu o direito a beneficio previdenciário em decorrência de união homoafetiva; obrigou o Estado a fornecer medicação especial para o tratamento de enfermos; assegurou aos pacientes da rede pública de assistência à saúde o direito a internamento em UTI de hospitais da rede privada, quando não houvesse vaga em UTI da rede pública; controlou a majoração dos preços das passagens de ônibus e declarou a inconstitucionalidade da lei seca que impunha restrições à venda de bebida alcoólica nos bairros habitados pelas pessoas mais pobres; assegurou aos servidores do Poder Judiciário o direito a reajustes e vantagens, contrariando a vontade imperial da elite dirigente.
Figueiroa procurou aproximar a magistratura dos movimentos sociais, promovendo, certa feita, uma visita à Fazenda Normandia, base institucional do MST.
Figueiroa freqüentava o Forum Social Mundial e, de lá, regressava com renovada certeza de que um outro mundo é possível.
Figueiroa estabeleceu nossos primeiros contatos com a AJD – Associação Juízes para a Democracia e, foi fundador do seu núcleo pernambucano.
Figueiroa participou, ativamente, da vida associativa, incorporando-se, decididamente, em suas diversas lutas, notadamente, nas sucessivas batalhas travadas contra a prática do nepotismo.
Figueiroa foi fundador e diretor operacional da JURISCOOPE – Cooperativa de economia e crédito mútuo dos magistrados, membros do ministério público, procuradores e defensores públicos, seus servidores e servidores do judiciário em Pernambuco.
Desprovido de presunção e de preconceito, sincero e leal, Figueiroa desenvolveu a arte de cativar amigos.
Figueiroa conquistou respeito e credibilidade, como cidadão, como magistrado.
Senhores juízes, mirem-se no exemplo de Figueiroa.


Recife, 24 de junho de 2008.

Carlos Magno Cysneiros Sampaio
Juiz de Direito