AJD participa de ato contra a terceirização em Porto Alegre

Por Luís Eduardo Gomes (publicado na Sul 21 http://www.sul21.com.br/jornal/sindicalistas-e-juizes-fazem-ato-contra-a-terceirizacao-e-o-fim-da-relacao-de-emprego-como-conhecemos/)

No dia em que o Supremo Tribunal Federal pode decidir se todas as atividades de uma empresa podem ser terceirizadas ou não, juízes e advogados do trabalho se juntaram a sindicalistas em ato realizado diante da sede do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região, no bairro Praia de Belas, em Porto Alegre. A manifestação, convocada pelas centrais sindicais, busca aumentar a mobilização contra a terceirização, tem que também está em debate no Senado Federal e já teve projeto aprovado na Câmara dos Deputados.

Nesta terça, está na pauta do STF a votação de um recurso de uma empresa do ramo da celulose que questiona uma súmula do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), que considera ilegal a contratação por meio de uma empresa terceirizada de funcionários que exerçam uma atividade fim, isto é, a atividade principal de uma empresa. Por exemplo, atualmente, uma escola pode contratar uma empresa terceirizada para a prestação de serviços de limpeza e de segurança. Caso a terceirização seja aprovada, também poderá contratar professores por esse caminho.

“A terceirização é a forma mais perversa de precarização. O trabalhador é diferenciado no ambiente de trabalho, tem uma remuneração menor, é discriminado, sofre mais acidentes de trabalho, tudo isso é comprovado estatisticamente. Abrir as portas à terceirização é um grande retrocesso social e praticamente o fim da relação de emprego como nós conhecemos hoje”, avalia Átila Roesler, juiz do trabalho e integrante da Associação de Juízes pela Democracia (AJD).

09/11/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Forças sindicais e advogados realizam ato em frente ao TRT em razão do julgamento das terceirizações. Foto: Maia Rubim/Sul21

Para Valdete Souto Severo, também juíza do trabalho e integrante da AJD, a terceirização entra na pauta do STF “a pedidos” e com o objetivo de pressionar o Congresso a aprovar o projeto de lei sobre o tema que tramita na casa. Segundo ela, caso seja aprovada, a terceirização seria um passo rumo a destruição da própria Justiça do Trabalho.

“Tem um caráter simbólico, porque aprovar a terceirização, seja pelo PLC ou pelo STF, vai quebrar a espinha dorsal do direito do trabalho. É o capital explorando o trabalho. Tu colocar um terceiro e legitimar isso tem um caráter simbólico de destruição do direito de trabalho”, diz. “A tentativa de normalizar a terceirização em qualquer atividade faz parte de um projeto para acabar com a justiça do trabalho. Assim como a PEC 241 também faz parte disso, porque tu tira o orçamento da justiça do trabalho, tu tira o objeto e acaba com ela de dentro para fora”, complementa.

Átila Roesler avalia que a Justiça do Trabalho passou por um processo semelhante no final da década de 1990. “Ela sofreu ataques muito fortes no final dos anos 1990 e conseguiu sobreviver. No momento atual, a situação está bem mais difícil, por isso é preciso que toda a sociedade se mobilize em prol dos trabalhadores e da justiça do trabalho para haver uma resistência”, diz.

No mesmo sentido dos juízes, Denis Einloft, presidente da Associação Gaúcha de Advogados Trabalhistas (Agetra), pondera que a aprovação da terceirização representaria a vitória do “capital sobre o respeito à dignidade do trabalho e os direitos sociais”. “Quando se terceiriza, tu coloca uma empresa entre o real empregador e o trabalhador. E essa empresa interposta vai fazer uma disputa de mercado pelo menor preço. O que isso representa? Um menor salário. Logo, sem dúvida nenhuma, não é um modelo que cria mais emprego, mas sim enfraquece a classe trabalhadora”, afirma.

Ele ainda avalia que, caso a terceirização passe, é provável que aumente o número de processos na Justiça do Trabalho, uma vez que empresas terceirizadas têm altos índices de reclamações trabalhistas contra si. Por outro lado, a menos que as contratantes assumam responsabilidade subsidiária pelos contratos – isto é, tenham de arcar com todos os direitos trabalhistas caso a terceirizada não consiga cumprir -, os trabalhadores ficarão enfraquecidos também judicialmente, uma vez que a prática mostra que as terceirizadas têm mais facilidade para serem fechadas ou extintas sem arcar com estes pagamentos.

Para o presidente da CUT-RS, Claudir Nespolo, o ato teve o objetivo de chamar a atenção para o tema e também demonstrar solidariedade à Justiça do Trabalho, que ele considerou como “a última trincheira dos trabalhadores” e que também está “sob ataque”. “O Gilmar Mendes (ministro do STF) fala que a Justiça do Trabalho é de quinta categoria e atrapalha o país, mas ele fala pela boca dos empresários e fazendeiros”, diz o sindicalista.

Estudos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontam que trabalhadores terceirizados ganham até 37% a menos que seus pares contratados diretamente pela empresa fim. Claudir avalia que um posicionamento do STF à reclamação da empresa de celulosa abriria as portas para uma terceirização generalizada e representaria uma “verdadeira tragédia” para o trabalhador. “Eu não conheço um trabalhador efetivo que gostaria de ser terceirizado, mas todos terceirizados gostariam de ser efetivos. É a volta à semi-escravidão”, diz.

09/11/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Forças sindicais e advogados realizam ato em frente ao TRT em razão do julgamento das terceirizações. Foto: Maia Rubim/Sul21

[caption id="attachment_1632" align="aligncenter" width="600"] Bernadete Menezes, da Intersindical | Foto: Maia Rubim/Sul21[/caption]

Bernadete Menezes, dirigente da Intersindical e coordenador geral da Assufrgs, a liberação da terceirização também significaria a precarização da prestação do serviço público. “Significaria, por exemplo, professor universitário ser terceirizado. No caso da UFRGS, onde se fiscaliza bastante, hoje a terceirização já é uma excrecência. As empresas são totalmente irresponsáveis, não repassam direitos e não garantem nenhuma condição de dignidade. Não oferecem uniforme completo, as mulheres não tem um espaço para se trocar, os trabalhadores não têm equipamentos adequados de proteção”, exemplifica.

Ela também avalia que isso poderia significar, a médio e curto prazo, o fim da estabilidade no serviço público, uma vez que o Estado não teria mais a obrigatoriedade de realizar serviços públicos e poderia utilizar empresas terceirizadas para a contratação de funcionários. “O serviço público tem que ter estabilidade. Não porque é um direito, é pela defesa do estado. Não pode entrar um governador e trocar todo mundo. É um serviço que necessita de acúmulo de conhecimento, continuidade”, afirma.

A sindicalista avalia ainda que a terceirização está inserida dentro de um conjunto maior de projetos que busca diminuir as funções do Estado. “Esse projeto é parte de um modelo de estado que está sendo aplicado no Brasil. É a terceirização, é a PEC 55, é a reforma da previdência, é a reforma trabalhista, as privatizações, a entrega do patrimônio. Aqui no RS já se fala em entregar o polo petroquímico! Não tem mais discussão, não tem mais vergonha”, diz.

Na mesma linha, a juíza Valdete Souto Severo avalia que são projetos que buscam “desmanchar um projeto de sociedade”. “Não é só a Justiça do Trabalho que está no olho do furacão, é educação, é saúde. Por isso que temos que prestar atenção ao que os estudantes estão fazendo e como o estado está reagindo, de uma forma totalmente repressiva e violenta”, afirma.