A Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem dentre seus objetivos estatutários o respeito aos valores próprios do Estado Democrático de Direito, vem, diante das notícias da ação policial em face de dependentes químicos e pessoas em situação de rua na região conhecida como "Cracolândia”, manifestar-se nos seguintes termos:
1. No último dia 21 de maio, as gestões da Prefeitura de São Paulo e do Governo do Estado de São Paulo, por meio de força-tarefa conjunta, deram início a uma ostensiva operação policial na Cracolândia, região central da cidade. A ação, segundo declarações do prefeito João Doria, é parte integrante do Projeto Redenção, o qual teria por objetivo erradicar o tráfico de drogas na região, além de reurbanizar a área e fornecer tratamento a psicodependentes.
2. Todavia, conforme amplamente veiculado pelos diversos meios de comunicação, a operação tem se revelado verdadeira caçada aos usuários e pessoas em situação de rua que ali se encontram, parcela da população extremamente vulnerável e marginalizada, alvo de bombas de gás lacrimogênio, balas de borracha e cães farejadores, em manifesta afronta à dignidade humana e à liberdade de locomoção. A título de ilustração, três pessoas ficaram feridas após a demolição de um prédio sem aviso prévio de esvaziamento.
3. A fracassada guerra às drogas, responsável pelo genocídio da juventude – em especial a parcela pobre e negra – e pelo aumento exponencial da população carcerária, é agora utilizada como pretexto para a expulsão violenta e midiática de usuários da região, encarados como "caso de polícia”, ignorando-se a urgente necessidade de implementação de programas sociais e de fortalecimento da rede de saúde pública sob um viés antimanicomial. Além disso, o ato de dispersar dependentes reflete inequívoca política higienista, que tem por fim descartar ou manter distantes os chamados "indesejados”, mascarando a trágica realidade social em que estamos inseridos, pautada na exclusão e na invisibilidade dos oprimidos.
4. Preocupam, ainda, os escusos interesses financeiros camuflados pelo Projeto Redenção, já que a ação visa, dentre outros objetivos, a revitalização da área, o que inegavelmente redunda na facilitação de especulação imobiliária. Assim, é inconcebível que interesses econômicos de construtoras e seguradoras, as quais vêm adquirindo terrenos e imóveis na região a preços baixos para, mais tarde, lucrarem com a "limpeza” do local, se sobreponham à dignidade das pessoas que ali habitam, vítimas de um Estado absolutamente apático e omisso, mas extremamente eficiente no desempenho de sua tarefa repressora.
5. Salienta-se que a Cracolândia é território itinerante, sendo certo que a mera expulsão do espaço público que sua população ocupa não faz com que desapareça, mas apenas a dispersa para outros locais. A questão, portanto, envolve drásticas e profundas alterações na estruturas sócio-políticas do Brasil, e não soluções rasas e midiáticas, reconhecidamente ineficazes.
Assim, a Associação Juízes para a Democracia (AJD) manifesta absoluto REPÚDIO a toda e qualquer ação policial em face dos moradores – usuários patológicos de drogas ilícitas ou não – da região conhecida como Cracolândia, eis que manifestamente voltada à criminalização da pobreza, invisibilização de oprimidos e descarte de indesejáveis. Ressaltamos, por fim, a importância da implementação de políticas públicas voltadas à saúde e acolhimento dessa parcela vulnerável da população, sendo certo que o reforço de sua autonomia, em detrimento de um modelo terapêutico e policialesco, é o caminho mais salutar para se lidar com a situação.
NOTA PÚBLICA DE REPÚDIO À POLÍTICA HIGIENISTA E DE EXTERMÍNIO OCORRIDA NA CRACOLÂNDIA
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