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Discurso do Sen. Pedro Simon em 26/04/10 sobre a ADPF 153

ANISTIA versus TORTURASENADOR PEDRO SIMON DESTACA O JULGAMENTO HISTÓRICO DESTA QUARTA-FEIRA, 28,DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A ANISTIA E A TORTURADiscurso de Pedro Simon na tribuna do Senado Federal – segunda-feira, 26/abr/2010Senhor Presidente,Senhoras Senadoras e Senhores Senadores: Em janeiro de 1975, a polícia política do Chile prendeu uma jovem médica pediatra de 24 anos. Eram tempos difíceis. As tropas do general Pinochet tinham derrubado o governo constitucional de Salvador Allende dois anos antes. No ano seguinte, o pai da jovem médica, um brigadeiro leal ao presidente deposto tinha sido preso e, ainda detido, morreu do coração, ao não resistir ao sofrimento de tantos camaradas. A jovem médica sobreviveu ao pai, à prisão e às torturas que lá sofreu, durante um ano, até se exilar na Austrália. Essa mesma jovem médica estudou mais, aperfeiçoou seus conhecimentos, e retornou ao Chile de Pinochet, o homem que levou seu pai à morte, e engajou-se na política, na luta pela democracia. Ela venceu. E tanto convenceu que, 31 anos após sua prisão e as torturas que sofreu, Michelle Bachelet, a jovem médica, tornou-se presidente do Chile por vontade soberana do povo chileno. Apesar de tanto sofrimento, tanta dor, Bachelet nos legou uma frase de profunda sabedoria, de elevado teor humanista: "Só as feridas lavadas cicatrizam". Senhor Presidente,Senhoras Senadoras e Senhores Senadores: Na próxima quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal terá uma oportunidade de reconciliar o país com sua história, de ajustar a memória à verdade, de reafirmar a auto-estima de uma Nação que respeita seu passado sem medo de seu futuro. A Suprema Corte brasileira terá, enfim, a chance de lavar nossas feridas e permitir a cicatrização de uma chaga que ainda sangra, dói e machuca. Após dois anos, o STF julgará, enfim, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) número 153, proposta em outubro de 2008 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O que pede a OAB é simples: que o STF interprete o Artigo 1° da Lei da Anistia, declarando, de forma clara e definitiva, que a Anistia não se aplica aos crimes comuns praticados por agentes da repressão durante o regime militar que manteve o país sob ditadura entre 1964 e 1985. Tortura, assassinato e desaparecimento forçado são crimes de lesa-humanidade, imprescritíveis, conforme tratados internacionais assinados pelo Brasil e nunca colocados em prática aqui dentro. São crimes que não podem, portanto, ser objeto de anistia ou auto-anistia. Não são crimes políticos e nem conexos, e assim não podem se nivelar às punições dadas a tantos brasileiros que, condenados às prisões ou ao exílio, acabaram beneficiados em 1979 pela Lei de Anistia que os abrigava. Lei nenhuma, porém, no Brasil ou no mundo, acolhe a tortura, ou a reconhece. O Brasil é o único país da América Latina que ainda não julgou criminalmente os homens que se excederam na ditadura, torturando e matando. Ao longo de 21 anos de regime autoritário, vicejou aqui um sistema repressivo estimado em 24 mil agentes que, por razões políticas, prendeu cerca de 50 mil brasileiros e torturou algo em torno de 20 mil pessoas – uma média de três torturas a cada dia de ditadura. Que não foi branda, nem curta, nem clemente. "Anistia não é amnésia", disse o presidente da OAB, Cezar Britto, que apresentou a ação ao Supremo. Líderes de várias correntes políticas reconhece que tortura não é crime político. É muito pior do que isso: é um grave atentado à dignidade da pessoa humana, ontem, hoje e sempre. Torturadores e criminosos que atentaram contra a vida e a dignidade não são esquecidos em todos os lugares, em todos os tempos. É por isso que, até hoje, um ou outro criminoso de guerra nazista ainda é caçado e preso, embora tenha 80 ou 90 anos de vida. Não é pelo prazer da caça, mas pelo dever moral que a civilização tem de lembrar a todos que os seus crimes não se apagam, não se perdoam. O Tribunal de Nuremberg, no julgamento de criminosos da Segunda Guerra, ouviu 240 testemunhas em 285 dias de julgamento, gerando um sumário de 4 bilhões de palavras para uma acusação final de 25 mil páginas contra os 18 principais chefes do Reich nazista. Os juízes negaram o argumento da defesa que eles apenas "cumpriam ordens". O juiz americano Francis Biddle fulminou esta tese com uma frase imortal: "Os indivíduos têm deveres internacionais a cumprir, acima dos deveres nacionais que um Estado particular possa impor". Ficou assim encravado na consciência moral do mundo que todos nós somos responsáveis pelos atos que praticamos. Ninguém é inocente para "cumprir ordens" contra a lei, a moral, a ética e a verdade. Ninguém, neste país, tinha ordens para torturar. Nem mesmo o AI-5, a lei mais dura do período mais sangrento do regime de 64, mencionava ou liberava o uso da tortura. Os torturadores têm algo em comum: eles têm vergonha do que fizeram. É um crime, portanto, sem pai nem mãe. Anistia não é esquecimento, é perdão, ensinam os juristas que não escamoteiam as palavras. Não se pode esquecer o que não se conhece. Também não se pode perdoar o que não foi punido – privilégio imaculado de todos os torturadores que ainda existem no país. O nazismo não merecia a amnésia, muito menos a anistia. A tortura, também. Nossos vizinhos de Cone Sul, que padeceram ditaduras tão violentas como a nossa, acertam suas contas com o passado. A justiça argentina neste momento processa 263 militares e policiais por crimes contra direitos humanos. Na Argentina, os generais Jorge Rafael Videla e Reynaldo Bignone cumprem longas penas de prisão pelo regime de tortura que comandaram. No Uruguai, está preso o civil que deu o golpe em 1973, Juan Maria Bordaberry, e o presidente da ditadura, o general Gregório Alvarez, condenado, em 2009, a 25 anos de prisão pela morte de 37 opositores. São três mortes a menos do que os 40 presos políticos mortos durante os 40 meses que o DOI-CODI da rua Tutóia foi comandado pelo major Carlos Alberto Brilhante Ustra, no Governo Médici. Hoje coronel, na reserva, Brilhante Ustra não teve os percalços de vida de seus colegas argentinos e uruguaios. Vive bem, tranqüilo, aposentado, aqui mesmo em Brasília. O historiador americano Edward Peters, professor da Universidade da Pensilvânia, advertiu: "O futuro da tortura está indissoluvelmente ligado ao futuro dos torturadores". No berço da tortura não punida nasceu a impunidade da violência não resolvido do Brasil, antes na ditadura, agora na democracia. Ou seja, a impunidade do torturador acaba garantindo a perenidade da tortura e de sua filha dileta, a violência. O Brasil que evita punir ou sequer apontar seus torturadores acaba banalizando a violência que transborda a ditadura e vitimiza o cidadão comum em plena democracia, principalmente nas duas maiores capitais, São Paulo e Rio. O esquecimento da história é o berço da impunidade. E a impunidade é ancestral da violência. Pais cuidadosos dos delinqüentes que puxam gatilhos, ou que arrastam inocentes pelas ruas, esfolados até a morte. O João Hélio, menino inocente, preso por um cinto que se diz de segurança, é, igualmente, vítima da impunidade de quem prendeu outros tantos nomes nos paus-de-araras, também em nome da segurança. Um, torturador, outro, torturado. Ambos, porém, inesquecíveis. A política silenciosa é cúmplice, portanto, da impunidade e de seus filhos diletos: a violência, a corrupção e a barbárie. É a construção de uma cultura, que vem de longe, desde quando se torturavam escravos e se dizimavam índios, e que chega aos nossos dias, contra quem ainda não conseguiu desbravar o “novo-oeste” da globalização e do mercado. Quem esquece a história é cúmplice nos mais de cinqüenta mil assassinatos, por ano, no Brasil. Quinhentos mil numa única década! É como se uma Niterói sumisse do nosso mapa, a cada dez anos. Vítimas dos descendentes da impunidade. E dos cúmplices, que se escondem sob o manto do silêncio. Nos 24 anos seguintes à anistia (1979-2003), armas de fogo mataram no Brasil 550 mil pessoas – 44% delas jovens entre 15 e 24 anos. Este Brasil varonil, pacífico e cordial, viu morrer quase tanta gente quanto os Estados Unidos durante os cinco anos que lutou na Segunda Guerra Mundial (625 mil soldados). Num único ano, 2003, segundo dados do Ministério da Saúde, assassinaram no Brasil uma população civil (51 mil pessoas) quase tão grande quanto as perdas dos Estados Unidos (58 mil) ao longo dos 16 anos da Guerra do Vietnã. Esta mesma impunidade, que nasce nos quartéis, sobrevive hoje, portanto, nas ruas. A tortura é verdade. A verdade sob tortura é mentira. Esconder da história a verdade é a maior de todas as mentiras. Ou cumplicidade, se repetida a mesma história. A história é, normalmente, contada pelos vencedores. Neste caso, pelos torturadores. Quem teima em esquecer essa história, é cúmplice dela. É protagonista, do mesmo lado. O esquecimento é uma forma de perdão. Mas, existem fatos que são imperdoáveis. Portanto inesquecíveis. Como perdoar, por exemplo, os autores do holocausto? Esquecendo o próprio holocausto? Negando-o, como querem alguns? Como negar as fileiras e os amontoados de corpos esquálidos nos campos de concentração nazista? Ou do genocídio de Sabra e Chatila? Como haver misericórdia em tiros? Ou em gás? É o esquecimento, artéria principal da impunidade, a razão principal da repetição. Punir os torturadores, de hoje e de ontem, não é revanchismo. É uma obrigação moral e ética de um país que deve olhar sem medo, para trás, para encarar sem receios o caminho que tem pela frente. Vamos lavar nossas feridas. Que isso comece nesta quarta-feira, pela histórica decisão que será dada pelo STF, acatando o pedido da OAB e os clamores de um país consciente de seu passado e confiante em seu futuro. Senador PEDRO SIMON - 26abril2010

Manifesto dos Juristas

ANISTIA, TORTURA, REPÚBLICA E DEMOCRACIAMarlon Alberto WeichertEugênia Augusta Gonzaga Fávero I - ContextualizaçãoDesde 20081 a sociedade brasileira discute o alcance e a validade jurídica da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, conhecida como Lei de Anistia. Esse diploma jurídico concedeu anistia aos autores de crimes políticos e conexos cometidos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Não pairam dúvidas de que foram abrangidos pelo benefício penal os autores de crimes praticados contra o Estado, por motivação política, tais como os dissidentes políticos e resistentes ao regime ditatorial instaurado em 1964. Entretanto, vigora acirrada polêmica sobre o perdão aos agentes estatais (militares e civis) que, no bojo das atividades de repressão à dissidência política, cometeram graves violações aos direitos humanos, notadamente torturas2, abusos sexuais, sequestros, homicídios e desaparecimentos forçados. Até aquele ano prevaleceu no imaginário brasileiro – de modo quase absoluto – o dogma da anistia bilateral. Os poucos julgados sobre o tema simplesmente afirmaram, sem qualquer apreciação técnica do1 Nesse ano, a divisão de tutela coletiva cível da Procuradoria da República em São Paulo propôs ação civil pública contra os ex-comandantes do DOI/CODI de São Paulo requerendo a responsabilização pessoal por terem coordenado as torturas, os homicídios e os desaparecimentos forçados nesse Estado. Também apresentou representações criminais contra autores de torturas e homicídios. O tema ganhou projeção política a partir de audiência pública realizada no Ministério da Justiça, oportunidade em que os Ministros da Justiça e da Secretaria Especial de Direitos Humanos e o presidente do Conselho Federal da OAB manifestaram concordância com a tese da Procuradoria da República em São Paulo de inaplicabilidade da lei de anistia aos crimes dos agentes da repressão e imprescritibilidade desses delitos (crimes contra a humanidade). Nesse mesmo ano o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil propôs Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no Supremo Tribunal Federal com o objetivo de ser conferida “uma interpretação conforme à Constituição, de modo a declarar, à luz dos seus preceitos fundamentais, que a anistia concedida pela citada lei aos crimes políticos ou conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos, durante o regime militar (1964/1985)”.2 Eram práticas comuns: o uso do pau de arara e da cadeira do dragão, a aplicação de choques elétricos, inclusive no pênis, nos seios e na vagina, os espancamentos e as sevícias, perpetradas nos suspeitos de militância política ou seus familiares, inclusive crianças e adolescentes. Estima-se em 30.000 o número de pessoas presas ilegalmente e torturadas pelos órgãos da repressão no Brasil.conteúdo da norma, que a anistia impedia a persecução penal dos suspeitos, numa repetição da interpretação oficial fixada durante a própria ditadura. Retomado o caminho da democracia em nosso País e o compromisso constitucional com os direitos humanos, é dever dos operadores jurídicos – agora livres da (re)pressão política – avaliar o conteúdo técnico da Lei de Anistia e, acima de tudo, sua compatibilida de com o direito constitucional material, seja o vigente antes do golpe de Estado de 1964, como o atual. Esse artigo pretende demonstrar que não só os comandos legais veiculados na Lei de Anistia foram insuficientes para beneficiar os crimes da repressão, como também as Constituições republicanas brasileiras de 1946 e 1988 impediam (e impedem) que o legislador (poder constituído subordinado à Lei Maior) concedesse anistia a crimes tão graves.Ou seja, a interpretação de que a Lei nº 6.683/79 instituiu anistia aos agentes repressivos é incompatível com preceitos constitucionais que vigoravam à época de sua edição. Logo, se a Lei de Anistia pretendeu estender o perdão criminal aos perpetradores estatais de violações aos direitos humanos, não teve nenhum valor jurídico, pois a norma estará fulminada por inconstitucionalidade material originária.3II – Terrorismo de Estado não é crime políticoO Supremo Tribunal Federal já se pronunciou pela impossibilidade de caracterização dos crimes de terrorismo, inclusive terrorismo de Estado, como crimes políticos. Ao apreciar o pedido de Extradição nº 855, da República do Chile (Rel. Min. Celso de Mello, j.3 Dispõe a lei: “Art. 1º. É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, (...)§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.26/8/04, unânime), a Corte fixou que o “estatuto da criminalidade política” não se aplica “às práticas terroristas, sejam aquelas cometidas por particulares, sejam aquelas perpetradas com o apoio oficial do próprio aparato governamental, à semelhança do que se registrou, no Cone Sul, com a adoção, pelos regimes militares sul-americanos, do modelo desprezível do terrorismo de Estado”4. Diz ainda a ementa do acórdão:“- Os atos delituosos de natureza terrorista, considerados os parâmetros consagrados pela vigente Constituição da República, não se subsumem à noção de criminalidade política, pois a Lei Fundamental proclamou o repúdio ao terrorismo como um dos princípios essenciais que devem reger o Estado brasileiro em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII), além de haver qualificado o terrorismo, para efeito de repressão interna, como crime equiparável aos delitos hediondos, o que o expõe, sob tal perspectiva, a tratamento jurídico impregnado de máximo rigor, tornandoo inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado e reduzindo-o, ainda, à dimensão ordinária dos crimes meramente comuns (CF, art. 5º, XLIII).- A Constituição da República, presentes tais vetores interpretativos (CF, art. 4º, VIII, e art. 5º, XLIII), não autoriza que se outorgue, às práticas delituosas de caráter terrorista, o mesmo tratamento benigno dispensado ao autor de crimes políticos ou de opinião, impedindo, desse modo, que se venha a estabelecer, em torno do terrorista, um inadmissível círculo de proteção que o faça imune ao poder extradicional do Estado brasileiro. (...)- O terrorismo - que traduz expressão de uma macrodelinqüência capaz de afetar a segurança, a§ 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.”4 Ementa e p. 25 do voto do Relator; grifos originais.integridade e a paz dos cidadãos e das sociedades organizadas - constitui fenômeno criminoso da mais alta gravidade, a que a comunidade internacional não pode permanecer indiferente, eis que o ato terrorista atenta contra as próprias bases em que se apóia o Estado democrático de direito, além de representar ameaça inaceitável às instituições políticas e às liberdades públicas, o que autoriza excluí-lo da benignidade de tratamento que a Constituição do Brasil (art. 5º, LII) reservou aos atos configuradores de criminalidade política.” (grifos originais) Além da incompatibilidade ontológica entre crime político e terrorismo de Estado, os delitos dos agentes estatais também não se qualificam como crimes políticos em função da ausência dos requisitos objetivos e subjetivos necessários a tanto.Crimes políticos são aqueles praticados com motivação política (elemento subjetivo) e em face de bens jurídicos da ordem política (elemento objetivo). Ou seja, a caracterização do crime político reclama que a motivação e o bem jurídico violado sejam de natureza política. Trata-se da aplicação da teoria mista: crimes políticos puros (também denominados próprios) são crimes praticados contra o Estado, por motivação política.5Os crimes praticados pelos agentes estatais na repressão à dissidência política não visavam atingir o Estado. Ao contrário, objetivavam “protegê-lo” contra os que pretendiam abalar o poder. Assim, suas condutas não preenchem o requisito objetivo qualificador do crime político, ou seja, não provocavam danos a bens jurídicos da organização política do Estado. Esses ilícitos, ademais, também não eram motivados pelo desejo de atingir o Estado e sequer podem ser considerados crimes políticos impróprios.5 STF, RE 160.841-2-SP (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, unânime, j. 3/8/95). Vide, em especial, o votovista do Min. Celso de Mello. Ver também Ext. nº 1.008/Colômbia, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 21/3/2007, Pleno, unânime, com ênfase novamente no voto do Min. Celso de Mello.Os agentes da repressão não agiam de acordo com o elemento subjetivo de “atentar contra a segurança do Estado” (FRAGOSO)6, ou “inspirados por esse resultado” (HUNGRIA)7, mas sim para vitimar os que assim o faziam. Suas condutas eram norteadas à apuração dos atos da dissidência política e à prevenção de ações por eles consideradas subversivas. Em suma, os autores desses delitos não agiam contra o Estado, mas sim em seu nome. Logo, esses delitos tampouco podem ser reputados como crimes políticos impróprios, ou relativos, pois sequer foram praticados com motivação política, ou seja, a intenção de praticar lesão ou dano, direto ou indireto, à ordem política. As condutas violentas perpetradas pelos torturadores, sequestradores e homicidas estatais não trazem, portanto, em o elemento objetivo (dano a bens estatais) nem o subjetivo (vontade de agir contra oEstado) da criminalidade política, tanto na figura dos delitos próprios como na dos impróprios. São meros crimes comuns. De fato, elas não são compatíveis com o tratamento da criminalidade meramente política, como aponta MELLO: “Estuprar, matar, desintegrar física ou moralmente uma pessoa em lugar nenhum da terra pode ser entendido como um crime político. Trata-se evidentemente de um ato abjeto, infra-humano, inconfundível (...) com uma conduta política ou suscetível de ser juridicamente havida como animada por móvel político.”86 FRAGOSO, Heleno. Terrorismo e Criminalidade Política. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 36.7 HUNGRIA, Nelson. Compêndio de direito penal. Rio de Janeiro: Jacinto, 1936, p. 35, apud SILVA, Carlos Augusto Canedo Gonçalves da. Crimes políticos. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 66.8 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Imprescritibilidade dos crimes de tortura. In: SOARES, Inês Virgínia Prado; KISHI, Sandra Akemi Shimada (Coord.). Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009. cap. 6, p. 136.A própria Lei da Anistia seguiu esse mandamento e no parágrafo 2º, artigo 1º, excepcionou de seu alcance os crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. Os dissidentes políticos que cometeram tais crimes não foram anistiados. Aliás, quando editada a Lei nº 6.683/79 eles já haviam sido processados e condenados. Em decorrência, a reafirmação do princípio da incompatibilidade do terrorismo com o crime político não os afeta para submetê-los novamente à persecução penal, sob pena de bis in idem.III - Crimes conexos com crimes políticosAlém dos crimes políticos, anistiados pelo caput do art. 1º da Lei nº 6.683/79, o benefício foi concedido também aos crimes que lhes fossem conexos. Porém, nem todos os delitos conexos foram anistiados. O parágrafo 1º do art. 1º determina que o benefício se aplica apenas aos crimes de qualquer natureza: b.1. “relacionados com crimes políticos”; ou b.2. “praticados com motivação política”. Assim, a Lei usou dois critérios para definir quais crimes conexos receberam o benefício. No primeiro caso, se baseou na natureza da conexão: qualquer crime, desde que materialmente conexo com o político, foi anistiado. Na segunda figura, adotou um critério em razão da natureza do crime conexo: todos os crimes praticados com motivação política, em qualquer modalidade de conexão com o delito político, foram beneficiados. Na primeira figura referida (quaisquer crimes relacionados com crimes políticos), a lei enfatizou a necessidade de um vínculo material entre o crime comum e o crime político. Assim, ao insistir que crime “conexo” é aquele que precisa estar “relacionado” a crime político, a lei contemplou no benefício da anistia somente os casos de conexão material (CPP, art. 76, I e II). De fato, quando há relação entre os crimes se concretiza o instituto da conexão substantiva, também chamada material, pois na 7 conexão meramente probatória (CPP, art. 76, III) o vínculo é apenas entre as provas dos delitos, sem que haja liame entre as condutas. Ocorre que não se identifica possibilidade de xistência de vínculo material entre o crime do dissidente político e o delito do agente repressor, ou seja, de conexão substantiva entre eles. Os crimes da repressão não são relacionados” com os crimes políticos dos opositores do regime.O artigo 76, incisos I e II, do Código de Processo Penal, define a conexão material pela (1) existência da coautoria ou do concurso de agentes, (2) pela prática de crimes por várias essoas, umas contra as outras e, ainda, (3) se os ilícitos ouverem sido praticados para facilitar ou ocultar outros, ou ara conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer deles. No caso de crimes praticados no “combate”, em nome do governo, aos opositores políticos, não se islumbra – obviamente – coautoria ou concurso de agentes entre perseguidores e perseguidos (primeira e segunda figuras do inciso I do art. 76). Tampouco pode se referir a ocorrência de crimes recíprocos (terceira figura do inciso I), pois nesse caso se exige a simultaneidade das condutas. Ademais, os dissidentes políticos – quando praticaram ilícitos penais – não o fizeram em face dos mesmos agentes que posteriormente vieram a vitimá-los. Seus delitos voltaram-se, como regra, contra o Estado, ou terceiros (particulares). Não há, portanto, identidade recíproca de sujeitos ativos e passivos dos crimes.9 Por fim, também não é possível identificar relação circunstancial de acessoriedade entre eles (inciso II). Na segunda figura prevista no parágrafo 1º exsurge a hipótese da anistia a crimes de qualquer natureza praticados com motivação política, conexos a crimes políticos. E esta hipótese, como visto acima, não 9 Igual entendimento é esposado por BICUDO, Helio. Anistia desvirtuada. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, nº 53, p. 88, mar/abr. 2005.acolhe as perpetrações de violações aos direitos humanos praticadas pelos agentes estatais. Logo, não se verifica previsão jurídica que permita considerar os crimes praticados pelos agentes estatais, na repressão aos dissidentes políticos, como crimes comuns conexos materialmente a crimes políticos. A análise da lei sob enfoque positivista ou principiológico revela que a tortura e os outros atos violentos dos representantes do Poder Público não receberam o benefício da anistia, seja como crimes políticos ou conexos a estes. Ademais, conforme se demonstrará a seguir, a interpretação abrangente em favor desses servidores públicos tampouco é conciliável com os princípios fundamentais da Constituição brasileira.IV – A anistia a graves violações a direitos humanos é incompatível com a proteção da dignidade da pessoa humanaIndependentemente da existência ou não de lei fixando a discutida anistia, o elemento mais importante é que diversos princípios constitucionais impediam e impedem que o legislador ordinário concedesse ou conceda esse benefício penal a agentes do próprio Estado, autores de graves crimes atentatórios aos direitos humanos. Toda a pauta axiológica da Constituição aponta para a impossibilidade de serem criados ou mantidos obstáculos normativos ou materiais para a investigação e responsabilização de graves crimes atentatórios aos direitos humanos. A tortura, o tratamento desumano e degradante, o crime hediondo e a ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado democrático mereceram reprovação expressa e extraordinária no plano constitucional (art. 5º, III, XLIII, XLIV), carecendo os poderes constituídos de competência para garantir-lhes impunidade.A reprovação desses delitos é, portanto, um mandamento constitucional, cujo desrespeito atenta contra diversos preceitos fundamentais. Destaque-se que não se trata de princípios constitucionais inaugurados no regime jurídico brasileiro com a Constituição de 1988. Todos eles são corolários do Estado de Direito Republicano e, portanto, materialmente constitucionais desde, ao menos, a proclamação da República. Assim, ainda que formalmente a Constituição estivesse mutilada pelo regime de exceção (lembre-se que a Constituição democrática em vigor ao tempo do golpe de Estado foi substituída pela Carta outorgada em 1967, pela Emenda Constitucional nº 1/69 e pelos Atos Institucionais), a validade constitucional de uma anistia aos agentes da repressão deve ser apreciada à luz dos princípios materiais de um Brasil democrático, especialmente aqueles realçados nas Constituições de 1946 e 1988. O primeiro elemento constitucional a invalidar qualquer pretensão de considerar anistiáveis atos de tortura reside no princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se de um dos fundamentos do Estado brasileiro (CF/88: arts. 1º, III), reafirmado no postulado da repulsa à tortura (art. 5ºIII). O dever do Estado de tratar dignamente a todos os cidadãos não é, por óbvio, criação do constituinte de 1988, podendo esse preceito ser desdobrado do disposto no artigo 141, caput, da Constituição de 1946 (“[a] Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade”), bem como da própria Carta outorgada em 1969: “[i]mpõe-se a tôdas as autoridades o respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário” (EC 1/69: art. 153, § 14).A razão existencial do Estado é, antes de tudo, a promoção dos direitos fundamentais dos seus cidadãos. Ainda que muitas vezes seja discutida a existência de um rol mínimo desses direitos fundamentais ouhumanos (conforme a orientação naturalista ou positivista), está acima de qualquer outra cogitação a certeza de que a proteção da dignidade da pessoa humana paira sobranceira em qualquer Estado de Direito democrático.Conforme aponta MELLO: “2. Será difícil encontrar algo mais agressivo à dignidade da pessoa humana e à cidadania e, pois, mais agressivo a dois dos fundamentos da República, do que a tortura. Igualmente, não se concebe o que possa ser mais contraditório a uma sociedade livre, justa e solidária, do que causar deliberadamente os piores sofrimentos físicos e ou morais a uma pessoa. Também nunca se diria estar pautado pela prevalência dos direitos humanos, uma conduta que colocasse a salvo de punição comportamentos tais como os mencionados. (...) Eis, pois, que não pode padecer a mais remota, a mais insignificante dúvida de que a tortura epresenta a antítese dos valores básicos que a Constituição Brasileira professa enfaticamente. Donde, prestigiar a impunidade de torturadores é uma contradição radical e óbvia aos princípios essenciais do Estado Brasileiro.” O ordenamento jurídico, com efeito, é incompatível com a impunidade dos atos de tratamento cruel e tortura. Mesmo não tendo o Código Penal de 1940 tipificado especificamente esse crime, isso não significava falta de previsão para sua responsabilização, pois a conduta estava indiretamente contemplada na figura do homicídio qualificado e das lesões corporais. Em realidade, o que está em jogo é a adequação10 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Imprescritibilidade dos crimes de tortura. In: SOARES, Inês Virgínia Prado; KISHI, Sandra Akemi Shimada (Coord.). Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009. cap. 6, p. 135-136. constitucional de um perdão criminal que possa ser dado pelo Estado a seus agentes que violaram direitos fundamentais do cidadão, ou seja, o valor jurídico de uma autoanistia, diante do preceito fundamental de preservação da dignidade da essoa humana e de repulsa absoluta à tortura. Diante desses parâmetros constitucionais não há como privilegiar uma interpretação de leis que possam significar impunidade aos crimes aqui tratados, como também afirma MELLO: “Não há como, então, entre duas interpretações possíveis, adotar aquela que ao invés de repelir a proteção aos incursos em crimes hediondos favorece sua blindagem contra a aplicação da justiça. Eis, pois, que da lei de anistia não se pode extrair subtração de torturadores às responsabilidades penais, civis e administrativas, pelos atos bestiais que praticaram.”V - Estado de Direito, Republicano e Democrático, com promoção da verdadeO reconhecimento da anistia aos crimes dos agentes da repressão é incompatível com os princípios republicano e do stado de Direito. Esses preceitos – umbilicalmente imbricados caracterizadores do Estado brasileiro desde 188912 – trazem omo corolários inafastáveis: o compromisso do Estado com o império da Lei, a responsabilidade dos agentes públicos pelos atos que praticam e a impessoalidade na gestão dos interesses públicos. Manter imunes à lei penal os autores dos bárbaros atos referidos neste artigo fere a autoridade do stado de Direito, pois indica à O reconhecimento da anistia aos crimes dos agentes da repressão é incompatível com os princípios republicano e do stado de Direito. Esses preceitos – umbilicalmente imbricados caracterizadores do Estado brasileiro desde 188912 – trazem omo corolários inafastáveis: o compromisso do Estado com o império da Lei, a responsabilidade dos agentes públicos pelos atos que praticam e a impessoalidade na gestão dos interesses públicos. Manter imunes à lei penal os autores dos bárbaros atos referidos neste artigo fere a autoridade do stado de Direito, pois indica à 11 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Imprescritibilidade dos crimes de tortura. In: SOARES, Inês Virgínia Prado; KISHI, Sandra Akemi Shimada (Coord.). Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009. cap. 6, p. 137.sociedade que o Poder Público pode violar a integridade física moral de seus cidadãos, pode persegui-los e pode sequestrá-los ou matá-los, impunemente. Não se trata aqui de mero exercício de enquadramento dos crimes à norma abstrata da lei. Mas sim de admitir a possibilidade do legislador ordinário afrontar o conteúdo material (os valores) do conjunto normativo do País, o qual é vinculado à promoção dos direitos fundamentais e ao respeito do cidadão. Lembre-se que o Estado detém o monopólio do uso da violência, vinculado à promoção da segurança pública. O emprego ilegítimo e desvirtuado desse poder estatal, mormente para atingir a dignidade das pessoas humanas, não recebe acolhida no Estado de Direito. Como aponta CORREIA: “(...) a utilização da Lei de Anistia para os que se encontram fora do poder é ato compreensível, já que se trata de indulgência penal, por parte do Estado, aos que se encontram agindo fora dos limites da legalidade. No entanto, o Estado não pode ser indulgente, com o escopo de promover a paz social, na mesma proporção, com os que detém o poder. A razão é óbvia: fazê-lo implicaria a admissão da violência por aquele que, originariamente, é posto à disposição de seu combate e da manutenção da ordem existente. A única violência admitida ao agente estatal é aquela juridicamente autorizada – já que, ao suprimir parte da vontade privada, o direito em si representa uma limitação ao agir individual. A violência permitida ao Estado é decorrente do Direito.” Nem mesmo a alegação de prática do terrorismo pelos dissidentes do regime poderia dar suporte às condutas de torturar, sequestrar e assassinar esses militantes ou quaisquer outros suspeitos. Os12 CF/88: arts. 1º, caput e parágrafo único, 5º, XXXIII; EC 1/69: art. 1º, caput e parágrafo único; CF/46: art.1º; CF/37, art. 1º; CF/34, art. 1º e CF/1891, art. 1º.13 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Anistia para quem? In: SOARES, Inês Virgínia Prado; KISHI, Sandra Akemi Shimada (Coord.). Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro.Belo Horizonte: Fórum, 2009. cap. 7, p. 144. agentes da segurança pública estão sempre adstritos à lei e esta – nem mesmo durante o regime de exceção da ditadura – previu o uso dessas práticas. O Estado de Direito é quem fornece os instrumentos para o combate à criminalidade. Fora desses limites, é o agente público quem envereda pelo caminho do crime, praticando a violência arbitrária. Por outro lado, admitir uma lei de autoperdão – outorgada pelo Estado autoritário em favor de seus agentes – é desconsiderar a essência do princípio republicano, que repousa sobre a responsabilidade dos administradores públicos pelos seus atos e pelo dever de impessoalidade. As autoanistias são artifícios de impunidade, mediante os quais os perpetradores de violações aos direitos humanos se concedem imunidade penal pelos atos que cometeram. Ora, é evidente que ao próprio regime que pratica – ou praticava – a violação não cabe a iniciativa de se autoperdoar. Essa conduta atenta contra os prefalados princípios da responsabilidade e da impessoalidade, pois implicaria admitir que o Estado pode conferir a seus servidores um regime de proteção e impunidade, em razão da defesa pessoal que fizeram do governo e de seus ideais. Estar-seia adotando parâmetros de um regime absolutista, com a irresponsabilidade dos agentes públicos e a confusão dos interesses estatais com os pessoais. Ainda que o Estado autoritário tenha perdoado alguns delitos dos opositores políticos, isso não o investia de competência para conceder igual benefício aos seus agentes. As situações jurídicas e o desvalor constitucional das condutas de uns e de outros são flagrantemente distintos. O Poder Público não detinha e não detém autorização constitucional para se autoanistiar:“Não haveria como se admitir que crime cometido sob o manto de Estado fosse anistiado. Seria como se admitir que, atuando pelo Estado – que propõe a ordem -, o agente pudesse negar a essência de seu ordenamento e, após, ter14 lhe aplicada hipótese que leva à extinção do próprio crime. Ora se o tipo penal é previsto a partir de atuação do próprio Estado, não é possível, por indulgência e ato próprio, a exclusão da incidência, para seus agentes, de todos os efeitos decorrentes da existência da figura típica que fez inserir no mundo jurídico. Um contra-senso completo à luz da dinâmica jurídica. (...) Apagar deste tipo de criminoso o crime que lhe foi imputado seria como desmanchar a própria razão e lógica de existência do Estado e de todo o seu ordenamento – criando uma impunidade de natureza institucional, que invade mais do que a vida privada, já que passa a habitar a esfera do público. Passa-se, com exemplo da história, a se admitir qualquer violência, não consentida juridicamente, do Estado – o que estende os seus braços nos dias atuais, já que se abre precedente jurídico para situações que convalidariam, por exemplo, casos de violência policial.”Oportuno lembrar que a Lei nº 6.683/79 não é fruto de um Estado democrático. Na data em que editada o país ainda estava sob o regime ditatorial e a plena vigência do Ato Institucional nº 5/68. O Congresso Nacional estava mutilado pelas cassações e vivia sob a ameaça do recesso por ordem presidencial, conforme ocorrera apenas 2 anos antes (“pacote” de abril de 1977 – Ato Complementar nº 102). Outrossim, por força da Emenda Constitucional nº 8, também de 1977, houvera eleição indireta para o Senado Federal, com a introdução da figura popularmente apelidada de “senador biônico”. A Lei nº 6.683/79 foi um ato normativo produzido formalmente pelo Congresso, mas eivado pelo vício materia l do regime autoritário. Não se pode sequer afirmar que foi fruto de um pacto político14 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Anistia para quem? In: SOARES, Inês Virgínia Prado; KISHI,Sandra Akemi Shimada (Coord.). Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro.Belo Horizonte: Fórum, 2009. cap. 7, p. 145. democrático, pois o déficit de legitimidade na representação da sociedade no Congresso impede esse reconhecimento. Tampouco se pode falar em pacto em virtude da ausência de correlação de forças no processo legislativo. A norma acabou sendo uma concessão do governo aos dissidentes políticos15, os quais tiveram apenas a opção de aderir à anistia. É evidente que, em virtude da grave situação das famílias que tinham parentes exilados, banidos ou presos, a sociedade acolheu o benefício sem maiores questionamentos. O movimento social engajou-se, sobretudo, na tentativa de ampliar a anistia aos réus condenados por crimes de sangue, o que não aconteceu, conforme o § 2º do art. 1º da Lei. A aplicação da anistia viola também na atualidade o princípio democrático. São corolários do ideal de democracia o direito à justiça e à verdade. Nesse sentido, consolidou-se a figura da Justiça de Transição, que se assenta em um conjunto de medidas consideradas necessárias para a superação de eríodos de graves violações a direitos humanos ocorridas no bojo de conflitos armados (v.g., guerras civis) ou de regimes autoritários (ditaduras)16, especialmente: esclarecimento da verdade, mediante Comissões de Verdade e processos judiciais; realização da justiça (responsabilização dos violadores de direitos humanos); reparação de danos às vítimas; reforma dos serviços de segurança; e instituição de espaços de memória.A promoção desses valores é indispensável para a consecução do objetivo da não repetição. As medidas de Justiça Transicional são instrumentos de prevenção contra novos regimes autoritários partidários da violação de direitos humanos, especialmente por demonstrar à sociedade que esses atos em hipótese alguma podem ficar15 Nessa época, não havia mais nenhuma organização de militância política dissidente em atuação. Todos os grupos haviam sido desmobilizados ou aniquilados pela repressão.16 Vide Relatório do Secretário-Geral da ONU ao Conselho de Segurança: The rule of law and transitional justice in conflict and post-conflict societies. Agosto de 2004 (S/2004/616).impunes e esquecidos. Como destacam TAVARES e AGRA, a Justiça de Transição “(...) representa uma prestação de contas com o passado, no que evita que fantasmas possam ressurgir e prejudicar o futuro. Pretende impedir a proliferação de uma cultura de impunidade, alicerce de práticas (passadas e futuras) contrárias aos direitos humanos”18. Aliás, é notório que o uso da tortura e da violência como meios de investigação ainda hoje pelos aparatos de segurança brasileiros decorre – em grande medida – dessa cultura da impunidade. A falta de responsabilização dos agentes públicos que realizaram esses atos no passado inspira e dá confiança aos atuais perpetradores. É o que confirmaram empiricamente SIKKINK e WALLING: países da América Latina que promoveram ações de responsabilização dos perpetradores de crimes contra a humanidade cometidos durante as respectivas ditaduras e instituíram Comissões de Verdade possuem, hoje, uma democracia e um respeito aos direitos humanos em patamar mais elevado. E nenhum deles experimentou retrocesso por ter promovido justiça e verdade.19VI - Prevalência dos direitos humanosComo já manifestado, o Estado brasileiro encontra fundamento na cidadania e na dignidade da pessoa humana. Essa proeminência do respeito aos direitos fundamentais do cidadão se estende também ao âmbito das relações internacionais, as quais devem ser desenvolvidas sob o princípio da prevalência dos direitos humanos.17 BLICKFORD, Louis. Transicional Justice (verbete). In The Encyclopedia of Genocide and Crimes Against Humanity, Macmillan Reference USA, 2004. Reproduzido em http://www.ictj.org/static/TJApproaches/WhatisTJ/macmillan.TJ.eng.pdf.18 TAVARES, André Ramos; AGRA Walber de Moura. Justiça Reparadora no Brasil. In: SOARES, InêsVirgínia Prado; KISHI, Sandra Akemi Shimada (Coord.). Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009. cap. 3, p. 71-72.19 SIKKINK, Kathryn; WALLING, Carrie Booth. The impacts of human rights trials in Latin America.Journal of Peace Research, Los Angeles, London, New Delhi and Singapore, v. 44, nº 4, p. 427-445. 2007. Segundo o estudo, “Brazil experienced a greater decline in its human rights practices than any other transitional country in the region.” (p. 437).De fato, o Brasil, ao menos desde a promulgação das Convenções de Haia, em 1907 (ratificadas em 1914), e especialmente com a subscrição da Carta de São Francisco (1945) de constituição das Nações Unidas, assumiu na comunidade internacional o papel de corresponsável pela promoção dos direitos humanos. O País participou, ainda, da promulgação da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ambas de 1948, as quais consagraram os princípios do direito à vida, a ser submetido ao devido processo legal e de não ser submetido a tortura, tratamento ou pena cruel, desumano ou degradante (Declaração Americana, artigos I, XXV e XXVI; Declaração Universal, artigos III e V). E, mais recentemente, ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Brasil está vinculado a essa ordem internacional e proteção aos direitos humanos por força de decisão de sua própria Constituição, que determina que o Estado se regerá em suas relações internacionais com base no princípio da prevalência desses direitos (art. 4º, II). Esse preceito é reforçado pelas normas ampliativas do rol de direitos fundamentais constantes do §§ 2º a 4º do artigo 5º. Nesse contexto de vinculação constitucional ao direito internacional dos direitos humanos, o Estado brasileiro está jungido à norma que lhe impõe a responsabilização de graves violações aos direitos da pessoa humana. A comunidade internacional – com a participação do Brasil – firmou desde o Tribunal de Nüremberg (1945), cujos princípios foram ratificados na primeira sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas (Resolução nº 95, 194620), que em relação a crimes de guerra, contra a paz20 Resolução nº 95 (I), 55ª reunião plenária de 11 de dezembro de 1946. Disponível em: http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/036/55/IMG/NR003655.pdf?OpenElement.e contra a humanidade, a promoção da persecução penal é um imperativo inafastável. Há, portanto, preceito de jus cogens (norma internacional imperativa), geradora de uma obrigação erga omnes internacional, que retira da alçada do Estado o perdão de crimes contra a humanidade, caracterizados pela prática de atos desumanos, como o homicídio, a tortura, as execuções sumárias, extralegais ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados, cometidos em um contexto de ataque generalizado e sistemático contra uma população civil, em tempo de guerra ou de paz.21 Assim, em decorrência das obrigações internacionais do Estado brasileiro, não poderia o direito interno veicular norma garantidora de anistia a esses delitos. Conforme já pronunciou a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Caso Almonacid Arellanos): “107. (...) o Secretário Geral das Nações Unidas assinalou que considerando as normas e os princípios das Nações Unidas, os acordos de paz aprovados por ela nunca podem prometer anistias por crimes de lesa-humanidade22. 108. A adoção e aplicação de leis que outorgam anistia por crimes de lesa-humanidade impede o cumprimento das obrigações assinaladas. O Secretário-Geral das Nações Unidas, em seu informe sobre o estabelecimento do Tribunal Especial para Serra Leoa, afirmou que ‘[a]inda que seja reconhecido que a anistia é um conceito jurídico aceito e uma amostra de paz e reconciliação no fim de uma guerra civil ou de um conflito armado interno, as Nações Unidas mantêm sistematicamente a posição de que a anistia não21 Cf. Caso “Almonacid Arellano y otros Vs. Chile”. “Excepciones Preliminares, Fondo Reparaciones y Costas”. Sentença de 26 de setembro de 2006. Série C, nº 154. Par. 96. Disponível em: .22 Cf. “Informe del Secretario General sobre el Estado de derecho y la justicia de transición en las sociedades que sufren o han sufrido conflictos”, S/2004/616, de 3 de agosto de 2004. Par. 10. Referências contidas no original. pode ser concedida com relação a crimes internacionais como o genocídio, os crimes de lesa-humanidade ou as infrações graves do direito internacional humanitário’.23”24 A matéria também foi tratada no Caso Barrios Altos. No dizer da Corte, há “manifesta incompatibilidade entre as leis de auto-anistia e a Convenção Americana”, carecendo essas leis “de efeitos jurídicos”.25 Nesse julgamento, o juiz brasileiro Cançado Trindade apresentou voto-vista no qual destaca: “5. As denominadas auto-anistias são, em suma, uma afronta inadmissível ao direito à verdade e ao direito à justiça (passando pelo próprio acesso à justiça)26. São elas manifestamente incompatíveis com as obrigações gerais - indissociáveis - dos Estados-Partes na Convenção Americana de respeitar e garantir os direitos humanos por ela protegidos, assegurando o livre e pleno exercício dos mesmos (nos termos do artigo 1(1) da Convenção), assim como de adequar seu direito interno à norma internacional de proteção (nos termos do artigo 2 da Convenção.”27 Mas não é toda e qualquer anistia que pode ser reputada incompatível com a proteção de direitos humanos. Porém, “essas leis se encontram submetidas a limites relativamente claros impostos elo direito penal internacional. Uma amnistia geral, no caso de raves violações de direitos humanos (a violação do direito à vida e à integridade física), e que,23 Cf. “Informe del Secretario General sobre el establecimiento de un Tribunal para Sierra Leona”, S/2000/915, de 4 de octubre de 2000. Par. 22. Referências contidas no original.24 Tradução livre do texto. Cf. Caso “Almonacid Arellano y otros Vs. Chile”. “Excepciones Preliminares, Fondo Reparaciones y Costas”. Sentença de 26 de setembro de 2006. Série C, nº 154. Pars. 107-109. Disponível em:.25 Cf. “Caso Barrios Altos Vs. Perú”. “Fondo”. Sentença de 14 de março de 2001. Série C, nº 75. Par. 43/44. Disponível em: .26 Cf. “Voto Razonado Conjunto de los Jueces A.A. Cançado Trindade y A. Abreu Burelli”, no Caso “Loayza Tamayo” (“Reparaciones”, Sentença de 27 de novembro de 1998), Série C, nº 42, Par. 2-4; e cf. “L.Joinet (rapporteur)”, “La Cuestión de la Impunidad de los Autores de Violaciones de los Derechos Humanos (Derechos Civiles y Políticos) - Informe Final, ONU/Comisión de Derechos Humanos”, doc. E/CN.4/Sub.2/1997/20, de 26 de junho de 1997, p. 1-34. Referências contidas no texto original.27 Tradução livre do texto. Cf. Caso “Barrios Altos Vs. Perú”. “Voto Juez Cançado Trindade”. Disponível em: .além disso, favoreça as forças de segurança do Estado só pode ser qualificada como contrária ao direito internacional.” 28 Assim, quando membros das Forças Armadas e da polícia no Brasil praticavam, nos anos sessenta e setenta, o sequestro, a tortura, o homicídio e a ocultação de cadáveres, dentro de um padrão de perseguição a qualquer suspeita de dissidência política, cometeram delitos reputados – já então – como crimes contra a humanidade, independentemente do contexto de uma guerra. É particularmente importante que não se tenha dúvidas quanto à existência de um regime jurídico específico sobre crimes contra a humanidade, vigente antes da perpetração por agentes do governo brasileiro dos graves crimes aqui tratados. A antijuridicidade da conduta de matar e torturar em larga escala era evidente a qualquer um, mormente após os horrores da Segunda Guerra Mundial e a condenação internacional dos responsáveis29. Ressalte-se que não há a necessidade de consumação de um genocídio. É suficiente que se verifique a prática de apenas um ato ilícito no contexto da perseguição ampla para que consume um crime contra a humanidade: “um só ato cometido por um agente no contexto de um ataque generalizado ou sistemático contra a população civil traz consigo responsabilidade penal e individual, e o agente não necessita cometer numerosas ofensas para ser considerado responsável.”3028 AMBOS, Kai. Impunidade por violação dos direitos humanos e o direito penal internacional. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 12, nº 49, p. 76, jul./ago. 2004. Grafia conforme o original.29 Outros Estatutos recentes confirmaram o conceito do crime contra a humanidade: Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a Iugoslávia, artigo 5, e do Tribunal Penal para Ruanda, artigo 3 e, especialmente, o artigo 7 do Estatuto de Roma (17 de julho de 1998), que criou o TribunalPenal Internacional – ratificado e promulgado pelo Brasil em 2002 (Decreto nº 4388, de 25 de setembro de 2002).30 Tradução livre do texto. Cf. Caso “Prosecutor v. Dusko Tadic”. IT-94-1-T. “Opinion and Judgement”. 7 de maio de 1997. Par. 649. Disponível em: e.pdf>. Acesso em 25 set. 2007. Igual entendimento foi posteriormente firmado pelo Tribunal em “Prosecutor v. Kupreskic”. IT-95-16-T. “Judgement”. 14 de Janeiro de 2000. Pár. 550, Disponível em: ; e “Prosecutor v. Kordic and Cerkez” 9. IT-95-14/2-T. “Judgement”. 26 de fevereiro de 2001. Par. 178. Disponível em: http://www.un.org/icty/kordic/trialc/judgement/kor-tj010226e.pdf. É norma internacional cogente a punição dos autores de crimes contra a humanidade. Trata-se de um princípio de respeito obrigatório por todos os países por força do costume internacional. Esse preceito afasta qualquer possibilidade de, por ato interno, o País conceder anistia aos autores desses delitos. Embora as normas que tratam do conceito e regime jurídico dos crimes contra a humanidade fossem costumeiras nos anos sessenta e setenta, elas devem ser, nos termos constitucionais, aplicadas internamente, em conjunto com o direito legislado brasileiro. O costume é “a mais antiga e original fonte do direito internacional” (STEINER e ALSTON)31. A própria Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, em seu artigo 38, reconhece que regras de um tratado podem obrigar Estados não firmatários da avença quando for “regra consuetudinária de Direito Internacional, reconhecida como tal”32. E mais, que nem mesmo um tratado pode errogar norma consuetudinária imperativa (jus cogens onsuetudinário), conforme seu artigo 53. A Corte de Haia, em Parecer Consultivo de 1951 sobre as Reservas à Convenção de Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, fixou que o conteúdo material das convenções de direitos humanos é obrigatório mesmo àqueles Estados que não firmaram o ato convencional: “os princípios subjacentes à Convenção são princípios reconhecidos pelas nações civilizadas e obrigam aos Estados mesmo sem qualquer obrigação convencional.” 33 Em 1996 esse entendimento foi reafirmado pela Corte: “todos os Estados devem cumprir essas normas fundamentais, tenham ou não ratificado todos os tratados que as estabelecem, porque constituem31 Tradução livre do texto. STEINER, Henry J.; ALSTON, Philip. International Human Rights in Context: Law, politics, morals. New York: Oxford University Press, 2000, p. 69.32 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 26 de maio de 1969. Disponível em: .33 Tradução livre do texto. No original: “the principles underlying the Convention are principles which are recognized by civilized nations as binding on States even without any conventional obligation.” Cfr.CARVALHO RAMOS, André de. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 56 e nota de rodapé nº. 100. princípios invioláveis do Direito Internacional Consuetudinário”, confirma CARVALHO RAMOS.34 Há, destarte, obrigações erga omnes dos Estados de cumprir as normas imperativas reconhecidas pelo direito internacional (jus cogens), sejam elas consuetudinárias ou convencionais.35 É o que ocorre com as normas internacionais relativas aos direitos humanos, as quais são reconhecidas como integrantes do jus cogens e de observância obrigatória por todos os Estados. No dizer da Corte Internacional de Justiça: são valores essenciais para toda a comunidade internacional. Não é necessário considerar a revogação ou derrogação de normas positivas locais, mas sim a aplicação do direito internacional consuetudinário sempre que o fato sub judice tenha repercussão no cumprimento de uma obrigação internacional vinculante do Estado brasileiro, como ocorre nas hipóteses das obrigações erga omnes. Como aponta MAGALHÃES: “Dessa forma, os poderes do Estado, inclusive o Judiciário, não podem ignorar preceitos de Direito Internacional em decisões que repercutem na esfera internacional e que, por isso, podem acarretar a responsabilidade internacional do Estado e da própria pessoa responsável pela decisão. Afinal, o Juiz é o Estado e atua em seu nome, sobretudo quando decide questões que interferem com a ordem internacional de observância compulsória, como as que dizem respeito aos direitos humanos, genocídio, crimes contra a humanidade e outras a que a comunidade internacional confere tal qualidade.”3634 CARVALHO RAMOS, André de. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 57.35 Cfr. BAPTISTA, Eduardo Correia. ‘Ius cogens’ em direito internacional. Lisboa: Lex, 1997, p. 291, citando decisão da Corte Internacional de Justiça. CARVALHO RAMOS, André de. Processo Internacional de Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 50.36 MAGALHÃES, José Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o Direito Internacional: uma análise crítica.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 16-17; grifos são nossos.Esse entendimento tem sido, aliás, adotado sem dificuldades pelo Supremo Tribunal Federal, que em diversas ocasiões utilizou o costume internacional para resolver lides que no direito interno encontrariam solução distinta. A Corte reconhece a força normativa do costume internacional, em conjunto com o direito interno brasileiro. É o que ocorre, por exemplo, com o admissão da imunidade de jurisdição aos Estados estrangeiros. Nem o direito positivo interno do Brasil, e tampouco algum texto de convenção ou tratado, regulamentam sua aplicação. A Suprema Corte brasileira, em 1973, decidiu que essa imunidade valia no Brasil por força do costume internacional e impedia o exercício do direito de ação regulado no direito interno (RE 56.466/DF, Rel. Min. BILAC PINTO, Pleno, RTJ 66/727).37Em outro precedente – decorrente de um litígio entre os Estados da Síria e do Egito relativamente à propriedade de um imóvel situado no Brasil – a Corte afastou a aplicação da Lei de Introdução ao Código Civil (segundo a qual o foro brasileiro seria o único competente para decidir ações relativas a imóveis no Brasil), para determinar a aplicação dodireito internacional público consuetudinário (ACO 298-DF, Pleno, maioria, Rel. para o acórdão Min. Decio Miranda. RTJ 104/889). Em 1989 o Supremo Tribunal Federal voltou a decidir com base no costume internacional. Tratava-se, nesse caso, de ação trabalhista contra representação diplomática da República Democrática da Alemanha e, mais uma vez, foi aplicado o costume relativo à imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros (RTJ 133/159, AC 9.696/SP, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, Pleno, unânime). O diálogo direto entre o ordenamento interno e as categorias normativas internacionais de direitos humanos não onvencionais já foi objeto de outras decisões paradigmáticas do Supremo Tribunal Federal, tais como: ADIn nº 3.741, Rel. Min. Ricardo Lewandowski (Declaração Universal de Direitos do Homem); HC nº 81.158-2, Relatora Min. Ellen Gracie (Declaração Universal dos Direitos da Criança – 1959); HC nº 82.424-RS, Relator para o Acórdão Min. Maurício Corrêa (Declaração Universal dos Direitos Humanos, em especial no parágrafo 47 do voto do Min. Maurício Corrêa); RE nº 86.297, Relator Min. Thompson Flores (Declaração Universal dos Direitos do Homem); e ADIn nº 3.510, Relator Min. Carlos Britto (Declaração Universal sobre Bioética). Portanto, as normas do direito internacional costumeiro relativas ao crime contra a humanidade obrigam o Estado brasileiro e interagem com as normas domésticas de direito penal. O Brasil, por força de seus compromissos internacionais e da admissão constitucional da prevalência dos direitos humanos, não pode anistiar seus agentes públicos que perpetraram crimes de lesa humanidade.VII - ConclusãoEm síntese, a tese da anistia aos agentes públicos que praticaram graves violações aos direitos humanos durante a ditadura militar, não resiste: (a) à interpretação técnica do próprio conteúdo da lei; (b) ao crivo da constitucionalidade material, seja em relação à Constituição de 1946, à Emenda Constitucional de 1969 ou à Constituição de 1988; e (c) ao regime constitucional de aplicação do direito internacional dos direitos humanos, especialmente as normas imperativas relativas aos crimes contra a humanidade e à vedação de autoanistia. Importante ressaltar: não se trata de revogar uma anistia que já teria operado seus efeitos, mas sim de reconhecer que ela nunca teve o condão de produzir o benefício alardeado. Seja porque seu texto jamais contemplou a anistia bilateral, seja em decorrência da incompatibilidade dessa interpretação com preceitos fundamentais das Constituições brasileiras e do direito internacional incorporado ao sistema jurídico pátrio. Antes mesmo da instauração da ditadura militar, m 1964, vigoravam causas jurídicas que impediam o Estado de deixar impunes e esquecidos os bárbaros atentados que seus agentes aplicaram à dignidade humana.37 Em igual sentido, o julgado publicado na RTJ 104/990. Bibliografia:AMBOS, Kai. Impunidade por violação dos direitos humanos e o direito penal internacional. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 12, nº 49, p. 76, jul./ago. 2004.BAPTISTA, Eduardo Correia. ‘Ius cogens’ em direito internacional. Lisboa: Lex, 1997.BICUDO, Helio. Anistia desvirtuada. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, nº 53, p. 88, mar/abr. 2005.BLICKFORD, Louis. Transicional Justice (verbete). In The Encyclopedia of Genocide and Crimes Against Humanity, Macmillan Reference USA, 2004. Reproduzido em.CARVALHO RAMOS, André de. Processo Internacional de Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002._______. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Anistia para quem? In: SOARES, Inês Virgínia Prado; KISHI, Sandra Akemi Shimada (Coord.). Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009. cap. 7.FRAGOSO, Heleno. Terrorismo e Criminalidade Política. Rio de Janeiro: Forense, 1981.HUNGRIA, Nelson. Compêndio de direito penal. Rio de Janeiro: Jacinto, 1936, p. 35, apud SILVA, Carlos Augusto Canedo Gonçalves da. Crimes políticos. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.MAGALHÃES, José Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o Direito Internacional: uma análise crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Imprescritibilidade dos crimes de tortura. In: SOARES, Inês Virgínia Prado; KISHI, Sandra Akemi Shimada (Coord.). Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009. cap. 6.SIKKINK, Kathryn; WALLING, Carrie Booth. The impacts of human rights trials in Latin America. Journal of Peace Research, Los Angeles, London, New Delhi and Singapore, v. 44, nº 4, p. 427-445. 2007.STEINER, Henry J.; ALSTON, Philip. International Human Rights in Context: Law, politics, morals. New York: Oxford University Press, 2000.TAVARES, André Ramos; AGRA Walber de Moura. Justiça Reparadora no Brasil. In: SOARES, Inês Virgínia Prado; KISHI, Sandra Akemi Shimada (Coord.). Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009. cap. 3.

ADPF - Petição OAB

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERALO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – OAB¸ por seu Presidente, vem, à presença de Vossa Excelência, por intermédio de seu advogado infra-assinado, com instrumento procuratório específico incluso e endereço para intimações na SAS Qd. 05, Lote 01, Bloco M, Brasília-DF, com base nos arts. 102, § 1º e 103, inciso VII da Constituição Federal c/c art. 1º, parágrafo único, inciso I e art. 2º, inciso I da Lei nº 9.882/99, e de acordo com a decisão plenária tomada nos autos do protocolo nº 2008.19.06083-01-Conselho Pleno (certidão anexa – doc. 01), proporARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTALnos termos seguintes:1. O DISPOSITIVO LEGAL QUESTIONADOEis o teor do dispositivo legal questionado (§ 1º do Art. 1º da Lei nº 6.683/1979), e que é o ato do poder público objeto da presente argüição:Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares. § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.2. CABIMENTO DA PRESENTE DEMANDA2.1 PRESSUPOSTOS PARA O CABIMENTO DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL "INCIDENTAL"Após apontar que a doutrina, quase que a uma só voz, extrai da Lei nº 9.882/99 a existência de dois tipos de argüição de descumprimento de preceito fundamental (autônoma e incidental), sendo a modalidade incidental percebida no inciso I do parágrafo único do Art. 1º, LUÍS ROBERTO BARROSO expõe os pressupostos do seu cabimento:"Seus outros requisitos, que são mais numerosos que os da argüição autônoma, incluem, além da subsidiariedade e da ameaça ou lesão a preceito fundamental, a necessidade de que (i) seja relevante o fundamento da controvérsia constitucional e (ii) se trate de lei ou ato normativo – e não qualquer ato do Poder Público." (BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 220). 2Pois bem, presentes estão, no caso, os pressupostos acima apontados para o cabimento da argüição "incidental", que passarão a ser demonstrados a seguir.2.2 RELEVÂNCIA DO FUNDAMENTO DA CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL SOBRE LEI FEDERAL ANTERIOR À CONSTITUIÇÃOA sociedade brasileira acompanhou o recente debate público acerca da extensão da Lei nº 6.683/79 ("Lei da Anistia"). É notória a controvérsia constitucional surgida a respeito do âmbito de aplicação desse diploma legal. Trata-se de saber se houve ou não anistia dos agentes públicos responsáveis, entre outros crimes, pela prática de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores políticos ao regime militar, que vigorou entre nós antes do restabelecimento do Estado de Direito com a promulgação da vigente Constituição.A controvérsia pública sobre o âmbito de aplicação da citada lei tem envolvido, notadamente, o Ministério da Justiça e o Ministério da Defesa, o que demonstra, por si só, a relevância política da questão em debate. Tudo aconselha, pois, seja chamado o Poder Judiciário a pôr fim ao debate, dizendo o Direito de forma definitiva.Confira-se:"O presidente da Comissão de Anistia (órgão ligado ao Ministério da Justiça), Paulo Abrão, disse nesta sexta-feira à Folha Online ser favorável ao debate sobre a responsabilização dos crimes de tortura ocorridos no período da ditadura militar. Para Abrão, os crimes de tortura não são políticos e, portanto, não prescreveram, como afirmam alguns contrários à discussão.‘Eu acredito que os crimes de tortura não são políticos, portanto não prescreveram", disse Abrão, ressaltando que sua interpretação é baseada em acordos internacionais e no direito internacional’."(Folha On Line, 08/08/2008, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u431294.shtml);"Convidado a vir ao Brasil pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (Sedh), o juiz espanhol Baltasar Garzón, famoso por ter decretado em 1998 a prisão do ditador chileno Augusto Pinochet, defendeu hoje (18) em São Paulo a punição penal para crimes contra a humanidade cometidos durante o período da ditadura brasileira. ‘Quando se trata de crimes contra a humanidade, entendo que não é possível a anistia e que a prescrição também não é possível. Há a primazia do direito penal internacional sobre o direito local sempre quando o país que estamos falando faz parte do sistema internacional de Justiça, como o caso do Brasil1, disse’."(disponível em http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/08/18/materia.2008-08-18.1734311067/view);"No dia 31 de julho de 2008 foi realizado o seminário "Limites e possibilidades para a responsabilização jurídica dos agentes violadores de direitos humanos durante estado de 3 exceção no Brasil" sob o patrocínio do Ministro da Justiça Tarso Genro, do Ministro dos Direitos Humanos e de Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia.. A platéia estava repleta de ex-subversivos e terroristas, de familiares de mortos e desaparecidos, além de simpatizantes. A finalidade do debate era discutir a revisão da Lei da Anistia e encontrar uma base legal para a punição dos militares.Durante o seminário o advogado criminalista e professor de direito da FGV Thiago Bottino do Amaral declarou que não há base legal para punir militares por tortura. Segundo ele, o Direito Penal segue o princípio da anterioridade, isto é, a lei que prevê o delito não pode retroagir. Ele argumentou que não havia lei tipificando esse tipo de crime na época. O advogado lembrou que os crimes já prescreveram. Segundo ele, a Constituição só considera imprescritíveis os crimes de racismo e de grupos armados que atentem contra o Estado." (disponível em http://brasilacimadetudo.lpchat.com/index.php?option=com_content&task=view&id=5023&Itemid=222); "O ex-presidente do Supremo, o jurista Carlos Velloso, também é contrário a uma revisão da lei. Para ele, este "é um assunto superado". "A Lei de Anistia é peremptória, e estabelece um esquecimento, um perdão para os dois lados. Foi uma pedra colocada sobre o ocorrido. Também houve crimes do lado dos opositores ao regime. Mexer com uma coisa dessas pode gerar uma bola de neve", afirma. O ex-presidente do STF e atual ministro da Defesa Nelson Jobim, e o atual decano do STF, ministro Celso de Mello, corroboram com a opinião de Velloso" (disponível em http://www.jornaldedebates.ig.com.br/debate/lei-anistia-deve-ser-revista);"Cresce movimento para que a corte se manifeste sobre validade da lei para crimes como tortura e assassinatoA Lei de Anistia, 29 anos depois de sancionada, está a caminho de se transformar em um assunto polêmico do Judiciário. Uma série de movimentos do governo e do Ministério Público mostra que mais cedo ou mais tarde o Supremo Tribunal Federal (STF) terá de dizer se a anistia vale para crimes como tortura e assassinato, cometidos durante o regime militar (1964-1985), ou se beneficia exclusivamente acusados de crimes eminentemente políticos, como fechamento do Congresso, censura a jornais por ordem do governo e cassação de parlamentares."Eu tenho dito que em algum momento o Supremo terá de ser provocado e acho que este momento está chegando. É o momento para saber se a lei de 1979 anistia os torturadores, os estupradores, os assassinatos e os responsáveis por desaparecimentos ou não", afirmou ao Estado o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos.A declaração de Vannuchi não é voz isolada no governo. O ministro da Justiça, Tarso Genro, já referendou, em discurso, a opinião de que a lei precisa ser revista ou avaliada pelo Judiciário. "Se um agente público invade uma residência na ditadura cumprindo ordem legal, isso é um crime político de um Estado de fato vigente naquele momento. Agora, se esse mesmo agente público prende uma pessoa e a leva para um porão e a tortura, esse crime não é um crime político porque nem a legalidade da ditadura permitia tortura. Mas isso teria que ser uma interpretação do Poder Judiciário", disse Tarso na semana passada." (disponível em http://www.fessergs.com.br/noticias.php?id=245);"Em primeiro lugar, pondere-se que a anistia é oblívio, esquecimento. Juridicamente ela provoca, na verdade, a criação de uma ficção legal: não apaga propriamente a infração, mas o direito de punir, razão pela qual aparece depois de ter surgido o fato criminoso, não se confundindo com uma novação legislativa, isto é, não transforma o crime em ato lícito. 4 Ou seja, anistiar os torturadores que agiram dentro de um quadro político a ele obviamente conexo não significa violar a Constituição nem os tratados internacionais que proscrevem a tortura como um crime contra a humanidade.Afinal, no direito moderno, a anistia não é medida voltada para uma determinada prática nem significa o seu reconhecimento como legítimo, mas é ato soberano que não pede nenhuma justificação condicional à autoridade que a concede, porque não visa a outro interesse senão o interesse soberano da própria sociedade.Nesse sentido, não está submetida a ponderações entre a dignidade ofendida do torturado e o ato degradante do torturador. Em segundo lugar, excluir o torturador da anistia referente àqueles que cometeram crimes conexos sob o argumento de que se trata de crime contra a humanidade e, portanto, imprescritível provoca um efeito que há de desnaturar o caráter geral e irrestrito da lei, conforme lhe reconheceu o STM (Superior Tribunal Militar).Como o parágrafo 2º do artigo 1º da lei 6.683/79 exclui expressamente dos benefícios da anistia os que haviam praticado crimes de terrorismo, por exemplo, mediante seqüestro, a jurisprudência do STM, diante de um flagrante tratamento desproporcional, estendeu o benefício: a anistia tornou-se geral e irrestrita.Ora, uma reinterpretação da lei, sobretudo com o fito de punir militares por atos de tortura, reverterá o argumento jurisprudencial, pois irá solapar a extensão da anistia aos terroristas, fazendo com que todo o universo de avaliações mutuamente negativas (exclusão/inclusão de terrorista/torturador) tenha de ser rediscutido.Ou seja, em nome da mesma proporcionalidade, haverá de lembrar-se que tratados internacionais consideram, por exemplo, também o seqüestro motivado por razões políticas um crime contra a humanidade, igualmente imprescritível. Com isso, voltaria a necessidade de avaliações de práticas criminosas e suas conseqüências de ambos os lados, prejudicando o correto entendimento de uma anistia geral e irrestrita.Ou seja, de parte a parte, numa reinterpretação da lei, o caráter criminoso dos respectivos atos (tortura/ seqüestro) terá de ser retomado, pois é com base nos mesmos argumentos que o direito de punir (anistia) seria ou não afastado.Isto é, numa reinterpretação da lei que exclua da anistia a prática da tortura, o argumento de justiça, invocado pelo STM em favor dos que, movidos por razões políticas, tenham praticado atos de terror (seqüestro), acabaria por ser, inevitavelmente, utilizado em favor dos torturadores.Se da Lei da Anistia devessem estar excluídos os torturadores, por proporcionalidade, excluídos também estariam os seqüestradores. Interpretação que, em suma, violaria o sentido já reconhecido da lei de conceder uma anistia geral e irrestrita." (Tércio Sampaio Ferraz Júnior, disponível em http://www.averdadesufocada.com/index.php?option=com_content&task=view&id=1310&Itemid=34).O quadro acima apresentado - apenas exemplificativamente, dada a sua notoriedade - revela a existência de séria controvérsia constitucional sobre lei federal anterior à Constituição, que é uma das hipóteses de cabimento da argüição de descumprimento de preceito fundamental (Art. 1º, parágrafo único, inciso I da Lei nº 9.882/99).Caso se admita, como parece pacífico, que a Lei nº 6.683/79 foi recepcionada pela nova ordem constitucional, é imperioso interpretá-la e aplicá-la à luz dos preceitos e princípios fundamentais consagrados na Constituição Federal. 5Essa Suprema Corte já teve a oportunidade de apreciar Argüições de Descumprimento de Preceito Fundamental a fim de restabelecer, em harmonia com a Constituição, interpretações infundadas de atos públicos normativos. Ainda recentemente (06/08/2008), esse Egrégio Tribunal conheceu da ADPF nº 144, por meio da qual a Associação dos Magistrados do Brasil questionou interpretações, inclusive Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral.Nesse sentido, LUÍS ROBERTO BARROSO:"Embora a motivação imediata de quaisquer dos legitimados possa ser a eventual tutela de uma situação específica – agindo, portanto, como substituto processual do verdadeiro interessado – deverá ele demonstrar ser relevante a controvérsia constitucional em discussão. Será relevante a controvérsia quando seu deslinde tiver repercussão geral, que transcenda ao interesse das partes em litígio, seja pela existência de um número expressivo de processos análogos, seja pela gravidade ou fundamentalidade da tese em discussão, por seu alcance político, econômico, social ou ético. Por vezes, a reparação imediata de uma injustiça individual tem uma valia simbólica decisiva para impedir novas violações. Seja como for, na argüição incidental, mesmo que estejam em jogo direitos subjetivos, haverá de estar envolvida uma situação que afete o ordenamento constitucional de maneira objetiva" (grifou-se) (BARROSO, op. cit., p. 229).Como bem se percebe, trata-se de típica situação da cabimento da ADPF como instrumento hábil para a definição rápida e com eficácia geral acerca de norma infraconstitucional, cuja interpretação corrente, nos pretórios ou fora deles, ofende frontalmente diversos preceitos fundamentais da Constituição.É a forma de ressaltar, mais uma vez, o caráter objetivo da atuação dessa Corte, no exercício de sua função precípua de guardiã da Constituição e, em decorrência, guardiã dos princípios ético-jurídicos que devem nortear a sociedade brasileira.2.3 ATO DO PODER PÚBLICO – LEI OU ATO NORMATIVO – O CONTROLE ABSTRATONa argüição "incidental", objeto da demanda é uma lei ou ato normativo. Não há qualquer dificuldade nesse ponto, eis que a presente ADPF tem como fulcro a interpretação do disposto no § 1º do Art. 1º da Lei nº 6.683/1979.Na verdade, o remédio judicial trazido pela Constituição Federal de 1988 e afinal regulamentado pela Lei nº 9.882/99, assemelha-se à Verfassungsbeschwerde regulada no art. 93, 2 da Lei Fundamental alemã. Como salienta a doutrina germânica, trata-se de uma demanda que visa ao controle abstrato de constitucionalidade de uma norma do direito federal ou estadual (KLAUS SCHLAICH, Das Bundesverfassungsgericht, 3ª ed., Munique, Verlag C.H.Beck, nº 122). 62.4 LESÃO A PRECEITO FUNDAMENTALA interpretação, segundo a qual a norma questionada concedeu anistia a vários agentes públicos responsáveis, entre outras violências, pela prática de homicídio, desaparecimento forçado, tortura e abusos sexuais contra opositores políticos viola frontalmente diversos preceitos fundamentais da Constituição, conforme será demonstrado abaixo.2.5 SUBSIDIARIEDADEDispõe o § 1º do Art. 4º da Lei nº 9.882/99:§ 1o Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade. Desse dispositivo, os doutrinadores e a jurisprudência dessa Corte extraem a subsidiariedade como requisito de cabimento da ADPF. Em outras palavras, só será cabível a interposição de ADPF quando inexistir, no ordenamento jurídico, qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade a preceitos fundamentais da Constituição.A jurisprudência mais recente dessa Corte Suprema interpreta a exigência de subsidiariedade da demanda prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal, pela inexistência de qualquer outro meio de controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade, já ajuizado com referência ao objeto da ADPF. Do contrário, restaria sepultado o instituto, eis que dificilmente se encontraria uma situação de inexistência, em tese, de meios aptos a restabelecer a ordem constitucional, concreta ou potencialmente violada (a exemplo de mandado de segurança, habeas corpus, ação popular, ação civil pública, ações judiciais e diversos recursos, cautelares, antecipação de tutela).Observe-se:"O diploma legislativo em questão — tal como tem sido reconhecido por esta Suprema Corte (RTJ 189/395-397, v.g.) — consagra o princípio da subsidiariedade, que rege a instauração do processo objetivo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, condicionando o ajuizamento dessa especial ação de índole constitucional à ausência de qualquer outro meio processual apto a sanar, de modo eficaz, a situação de lesividade indicada pelo autor: (...) O exame do precedente que venho de referir (RTJ 184/373-374, Rel. Min. Celso de Mello) revela que o princípio da subsidiariedade não pode — nem deve — ser invocado para impedir o exercício da ação constitucional de argüição de descumprimento de preceito fundamental, eis que esse instrumento está vocacionado a viabilizar, numa dimensão estritamente objetiva, a realização jurisdicional de direitos básicos, de valores essenciais e de preceitos fundamentais contemplados no texto da Constituição da República. (...) Daí a prudência com que o Supremo Tribunal Federal deve interpretar a regra 7 inscrita no art. 4º, § 1º, da Lei n. 9.882/99, em ordem a permitir que a utilização dessa nova ação constitucional possa efetivamente prevenir ou reparar lesão a preceito fundamental causada por ato do Poder Público. Não é por outra razão que esta Suprema Corte vem entendendo que a invocação do princípio da subsidiariedade, para não conflitar com o caráter objetivo de que se reveste a argüição de descumprimento de preceito fundamental, supõe a impossibilidade de utilização, em cada caso, dos demais instrumentos de controle normativo abstrato: (...) A pretensão ora deduzida nesta sede processual, que tem por objeto normas legais de caráter pré-constitucional, exatamente por se revelar insuscetível de conhecimento em sede de ação direta de inconstitucionalidade (RTJ 145/339, Rel. Min. Celso de Mello — RTJ 169/763, Rel. Min. Paulo Brossard — ADI 129/SP, Rel. p/ o acórdão Min. Celso de Mello, v.g.), não encontra obstáculo na regra inscrita no art. 4º, § 1º, da Lei n. 9.882/99, o que permite — satisfeita a exigência imposta pelo postulado da subsidiariedade — a instauração deste processo objetivo de controle normativo concentrado. Reconheço admissível, pois, sob a perspectiva do postulado da subsidiariedade, a utilização do instrumento processual da argüição de descumprimento de preceito fundamental." (ADPF 126-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 19-12-07, DJE de 1º-2-08)"O desenvolvimento do princípio da subsidiariedade, ou da idéia da inexistência de outro meio eficaz, dependerá da interpretação que o STF venha a dar à lei. (...) À primeira vista, poderia parecer que somente na hipótese de absoluta inexistência de qualquer outro meio eficaz para afastar a eventual lesão poder-se-ia manejar, de forma útil, a argüição de descumprimento de preceito fundamental. É fácil ver que uma leitura excessivamente literal dessa disposição, que tenta introduzir entre nós o princípio da subsidiariedade vigente no direito alemão (recurso constitucional) e no direito espanhol (recurso de amparo), acabaria por retirar desse instituto qualquer significado prático. De uma perspectiva estritamente subjetiva, a ação somente poderia ser proposta se já se tivesse verificado a exaustão de todos os meios eficazes de afastar a lesão no âmbito judicial. Uma leitura mais cuidadosa há de revelar, porém, que na análise sobre a eficácia da proteção de preceito fundamental nesse processo deve predominar um enfoque objetivo ou de proteção da ordem constitucional objetiva. Em outros termos, o princípio da subsidiariedade - inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesão -, contido no § 1º do art. 4º da Lei n. 9.882/1999, há de ser compreendido no contexto da ordem constitucional global. Nesse sentido, caso se considere o caráter enfaticamente objetivo do instituto (o que resulta, inclusive, da legitimação ativa), meio eficaz de sanar a lesão parece ser aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata. (...) Nesse cenário, tendo em vista o caráter acentuadamente objetivo da argüição de descumprimento, o juízo de subsidiariedade há de ter em vista, especialmente, os demais processos objetivos já consolidados no sistema constitucional. Destarte, assumida a plausibilidade da alegada violação ao preceito constitucional, cabível a ação direta de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, não será admissível a argüição de descumprimento. Em sentido contrário, em princípio, não sendo admitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade - isto é, não se verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata -, há de se entender possível a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental. (...) Não se pode admitir que a existência de processos ordinários e recursos extraordinários deva excluir, a priori, a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Até porque o instituto assume, entre nós, feição marcadamente objetiva. Nessas hipóteses, ante a inexistência de processo de índole objetiva, apto a solver, de uma vez por todas, a 8. : (...) A pretensão ora deduzida nesta sede processual, que tem por objeto normas legais de caráter pré-constitucional, exatamente por se revelar insuscetível de conhecimento em sede de ação direta de inconstitucionalidade (controvérsia constitucional, afigurar-se-ia integralmente aplicável a argüição de descumprimento de preceito fundamental. É que as ações originárias e o próprio recurso extraordinário não parecem, as mais das vezes, capazes de resolver a controvérsia constitucional de forma geral, definitiva e imediata. A necessidade de interposição de um sem número de recursos extraordinários idênticos poderá, em verdade, constituir-se em ameaça ao livre funcionamento do STF e das próprias Cortes ordinárias. (...) Desse modo, é possível concluir que a simples existência de ações ou de outros recursos processuais - vias processuais ordinárias - não poderá servir de óbice à formulação da argüição de descumprimento. Ao contrário, tal como explicitado, a multiplicação de processos e decisões sobre um dado tema constitucional reclama, as mais das vezes, a utilização de um instrumento de feição concentrada, que permita a solução definitiva e abrangente da controvérsia. (...) Como o instituto da ADPF assume feição eminentemente objetiva, o juízo de relevância deve ser interpretado como requisito implícito de admissibilidade do pedido. Seria possível admitir, em tese, a propositura de ADPF diretamente contra ato do Poder Público, nas hipóteses em que, em razão da relevância da matéria, a adoção da via ordinária acarrete danos de difícil reparação à ordem jurídica. O caso em apreço, contudo, revela que as medidas ordinárias à disposição da ora requerente - e, não utilizadas - poderiam ter plena eficácia. Ressalte-se que a fórmula da relevância do interesse público, para justificar a admissão da argüição de descumprimento (explícita no modelo alemão), está implícita no sistema criado pelo legislador brasileiro. No presente caso, afigura-se de solar evidência a falta de relevância jurídica para a instauração da ADPF. Assim, tendo em vista a existência, pelo menos em tese, de outras medidas processuais cabíveis e efetivas para questionar os atos em apreço, entendo que o conhecimento do presente pedido de ADPF não é compatível com uma interpretação adequada do princípio da subsidiariedade. (...) Conseqüentemente, nego seguimento ao presente pedido de argüição de descumprimento de preceito fundamental por entender que a postulação é manifestamente incabível, nos termos e do art. 21, § 1º do RISTF. Por conseguinte, declaro o prejuízo do pedido de medida liminar postulado." (grifou-se) (ADPF 76, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, julgamento em 13-2-06, DJ de 20-2-06).É o que ocorre no presente caso. Ainda não se questionou, perante o Poder Judiciário, a compatibilidade com os preceitos fundamentais da Constituição Federal da interpretação da Lei nº 6.683/1979, no sentido de que a anistia estende-se aos crimes comuns, praticados por agentes públicos contra opositores políticos, durante o regime militar.Como é sabido, já se firmou na jurisprudência dessa Corte o entendimento de que não cabe Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei anterior à Constituição. E os outros meios de controle objetivo de constitucionalidade não são aptos a pôr fim à controvérsia constitucional acima apontada, porque: a) destinados a pleitear a constitucionalidade de lei ou ato normativo (ação declaratória de constitucionalidade), quando o que se pretende aqui é justamente o contrário; b) destinados à materialização de intervenção federal ou estadual (representação interventiva), o que não é o caso.. É que as ações originárias e o próprio recurso extraordinário não parecem, as mais das vezes, capazes de resolver a controvérsia constitucional de forma geral, definitiva e imediata. A necessidade de interposição de um sem número de recursos extraordinários idênticos poderá, em verdade, constituir-se em ameaça ao livre funcionamento do STF e das próprias Cortes ordinárias. (...) Desse modo, . O caso em apreço, contudo, revela que as medidas ordinárias à disposição da ora requerente - e, não utilizadas - poderiam ter plena eficácia. Ressalte-se que a fórmula da relevância do interesse público, para justificar a admissão da argüição de descumprimento (explícita no modelo alemão), está implícita no sistema criado pelo legislador brasileiro. No presente caso, afigura-se de solar evidência a falta de relevância jurídica para a instauração da ADPF. Assim, tendo em vista a existência, pelo menos em tese, de outras medidas processuais cabíveis e efetivas para questionar os atos em apreço, entendo que o conhecimento do presente pedido de ADPF não é compatível com uma interpretação adequada do princípio da subsidiariedade. (...) Conseqüentemente, nego seguimento ao presente pedido de argüição de descumprimento de preceito fundamental por entender que a postulação é manifestamente incabível, nos termos e do art. 21, § 1º do RISTF. Por conseguinte, declaro o prejuízo do pedido de medida liminar postulado." (grifou-se) (, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, julgamento em 13-2-06,3. INÉPCIA JURÍDICA DA INTERPRETAÇÃO QUESTIONADA DA LEI nº 6.683/19799O Art. 1º da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, declara que "é concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes".O § 1º desse mesmo artigo esclarece: "Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza, relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política".É sabido que esse último dispositivo legal foi redigido intencionalmente de forma obscura, a fim de incluir sub-repticiamente, no âmbito da anistia criminal, os agentes públicos que comandaram e executaram crimes comuns contra opositores políticos ao regime militar. Em toda a nossa história, foi esta a primeira vez que se procurou fazer essa extensão da anistia criminal de natureza política aos agentes do Estado, encarregados da repressão. Por isso mesmo, ao invés de se declararem anistiados os autores de crimes políticos e crimes comuns a ele conexos, como fez a lei de anistia promulgada pelo ditador Getúlio Vargas em 18 de abril de 1945, redigiu-se uma norma propositalmente obscura. E não só obscura, mas tecnicamente inepta.Se não, vejamos.É de geral conhecimento que a conexão criminal implica uma identidade ou comunhão de propósitos ou objetivos, nos vários crimes praticados. Em conseqüência, quando o agente é um só a lei reconhece a ocorrência de concurso material ou formal de crimes (Código Penal, artigos 69 e 70). É possível, no entanto, que os agentes sejam vários. Nessa hipótese, tendo em vista a comunhão de propósitos ou objetivos, há co-autoria (Código Penal, art. 29).É bem verdade que, no Código de Processo Penal (art. 76, I in fine), reconhece-se também a conexão criminal, quando os atentes criminosos atuaram uns contra os outros. Trata-se, porém, de simples regra de unificação de competência, de modo a evitar julgamentos contraditórios. Não é norma de direito material.Pois bem, sob qualquer ângulo que se examine a questão objeto da presente demanda,é irrefutável que não podia haver e não houve conexão entre os crimes políticos, cometidos pelos opositores do regime militar, e os crimes comuns contra eles praticados pelos agentes da repressão e seus mandantes no governo. A conexão só pode ser reconhecida, nas hipóteses de crimes políticos e crimes comuns perpetrados pela mesma pessoa (concurso material ou formal), ou por várias pessoas em co-autoria. No caso, portanto, a anistia somente abrange os autores de crimes políticos ou contra a segurança nacional e, eventualmente, de crimes comuns a eles ligados pela comunhão de objetivos.É fora de qualquer dúvida que os agentes policiais e militares da repressão política, durante o regime castrense, não cometeram crimes políticos. 10No período abrangido pela anistia concedida por meio da Lei nº 6.683/1979, vigoraram sucessivamente três diplomas legais, definidores de crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social: o Decreto-Lei nº 314, de 13/03/1967; o Decreto-Lei nº 898, de 29/09/1969 e, finalmente, a Lei nº 6.620, de 17/12/1978.Escusado dizer que os agentes públicos, que mataram, torturam e violentaram sexualmente opositores políticos, entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, não praticaram nenhum dos crimes definidos nesses diplomas legais, pela boa razão de que não atentaram contra a ordem política e a segurança nacional. Bem ao contrário, sob pretexto de defender o regime político instaurado pelo golpe militar de 1964, praticaram crimes comuns contra aqueles que, supostamente, punham em perigo a ordem política e a segurança do Estado.Ou seja, não houve comunhão de propósitos e objetivos entre os agentes criminosos, de um e de outro lado.Tampouco se pode dizer que houve conexão criminal pela prática de crimes "por várias pessoas, umas contra as outras". Em primeiro lugar, porque essa regra de conexão é exclusivamente processual. Em segundo lugar, porque os acusados de crimes políticos não agiram contra os que os torturaram e mataram, dentro e fora das prisões do regime militar, mas contra a ordem política vigente no País naquele período.Em conseqüência, a norma constante do art. 1º, § 1º da Lei nº 6.683, de 1979, tem por objeto, exclusivamente, os crimes comuns, cometidos pelos mesmos autores dos crimes políticos. Ela não abrange os agentes públicos que praticaram, durante o regime militar, crimes comuns contra opositores políticos, presos ou não.Na verdade, ainda que se admita estapafurdiamente essa conexão criminal, ela não é válida, porque ofende vários preceitos fundamentais inscritos na Constituição Federal, como se passa a demonstrar.4. PRECEITOS FUNDAMENTAIS VIOLADOS PELA INTERPRETAÇÃO QUESTIONADA DA LEI Nº 6.683/19794.1 ISONOMIA EM MATÉRIA DE SEGURANÇAA Constituição da República Federativa do Brasil declara, logo na abertura do Título consagrado aos Direitos e Garantias Fundamentais, que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade" (Art. 5º, caput). 11Uma das aplicações históricas mais tradicionais do princípio da isonomia, em matéria de segurança, é o preceito fundamental nullum crimen sine lege, inscrito no inciso XXXIX do Art. 5º da Constituição. A partir do "século das luzes", com efeito, a consciência ética universal passou a considerar particularmente odiosa a discriminação pessoal em matéria de crimes e penas. As pessoas não podem ser diversamente apenadas, em razão de diferenças de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º, IV). Qualquer que seja a condição ou o status pessoal do agente, ele é julgado pela prática de delitos definidos em lei, de modo geral e impessoal.Ora, a anistia sobrevém como o exato oposto da definição criminal. Diversamente da graça e do indulto, ela não apenas extingue a punibilidade – como declara imperfeitamente o art. 107, II do Código Penal – mas descriminaliza a conduta criminosa. A lei dispõe, retroativamente, que certos e determinados crimes deixam de ser considerados como tais. Daí por que, ao contrário da graça e do indulto, a anistia não se refere a pessoas, mas a crimes objetivamente definidos em lei.No caso da Lei nº 6.683, todavia, isso não ocorre. O diploma legal, seguindo a longa tradição histórica, declara objeto de anistia os crimes políticos. Mas não só. A lei estende a anistia a classes absolutamente indefinidas de crimes: "crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos".Que significa o adjetivo "relacionados"? A lei não esclarece e a doutrina ignora. Logo, incumbe ao Poder Judiciário decidir, ou seja, definir ou classificar os crimes em lugar do legislador. Pode haver mais afrontoso descumprimento do preceito fundamental de que "não há crime sem LEI anterior que o defina"?E o despropósito não se limita a isso, escandalosamente. Além dos "crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos", a Lei nº 6.683 ainda acrescenta: "ou praticados por motivação política".Ora, a motivação do agente, escusa dizê-lo, é um fenômeno de consciência individual. Em país algum, em momento algum da História, em nenhuma das anteriores leis brasileiras sobre anistia, houve descriminalização de delitos que só podem ser reconhecidos como tais no caso concreto e com referência a pessoa determinada. Ou seja, quem anistia, nessa hipótese legal indefinida, é o próprio juiz. O Código Penal (art. 59), como não poderia deixar de ser, atribui ao juiz a perquirição dos "motivos" do crime. Mas somente no momento da fixação da pena, ou seja, após o reconhecimento da prática de um ato criminoso, segundo o tipo legal.Em suma, a admitir-se a interpretação questionada da Lei nº 6.683, de 1979, nem todos são iguais perante a lei em matéria de anistia criminal. Há os que praticaram crimes políticos, necessariamente definidos em lei, e foram processados e condenados. Mas há, também, os que cometeram 12delitos, cuja classificação e reconhecimento não foram feitos pelo legislador, e sim deixados à discrição do Poder Judiciário, conforme a orientação política de cada magistrado. Esses últimos criminosos não foram jamais condenados nem processados. Elas já contavam com a imunidade penal durante todo o regime de exceção. O que se quer, agora, é perpetuar essa imunidade, sem que se saiba ao certo quem são os beneficiados.Mas o desconchavo não se limita a isso. A lei nº 6.683 excetua da anistia "os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal" (art. 1º, § 2º).Ressalte-se, em primeiro lugar, que até hoje desconhece-se o que seja o crime de "terrorismo". Mas supondo-se que ele designe, de modo geral, a prática de violência generalizada, é de se perguntar: Por acaso, a prática sistemática e organizada, durante anos a fio, de homicídios, seqüestros, tortura e estupro contra opositores políticos não configura um terrorismo de Estado?Digamos, no entanto, que essa exceção legal só se aplica àqueles que cometeram crimes políticos, não aos agentes da repressão. Nesse caso, é flagrante a desigualdade perante a lei em matéria de segurança. Pois, de um lado, temos delitos de opinião, excluídos os crimes de violência, enquanto de outro lado, beneficiando-se da mesma anistia, tornam-se impuníveis os crimes violentos contra a vida, a liberdade e a integridade pessoal. Pode-se configurar mais aberrante desigualdade?Com isto, entramos na análise de mais um descumprimento de preceito fundamental.4.2 DESCUMPRIMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DO PRECEITO FUNDAMENTAL DE NÃO OCULTAR A VERDADE"Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará"Evangelho de Jesus Cristo segundo João 8, 12A Constituição da República declara, enfaticamente, que "todos têm direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral" (art. 5º, XXXIII).O preceito representa clara aplicação do princípio democrático, segundo o qual "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente" (art. 1º, parágrafo único); bem como do princípio republicano, segundo o qual são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil "construir uma sociedade livre, justa e solidária" e "promover o bem de todos" (art. 3º, I e IV). 13Escusa lembrar que, sendo os governantes meros servidores do povo e não donos do poder, seria intolerável que eles pudessem, impunemente, sobretudo em matéria de crimes já cometidos, ocultar a verdade perante o soberano, que lhes delegou poderes de governo. Despiciendo, também, frisar que se o objetivo maior da organização estatal é de manter o bem comum do povo (res publica) acima de qualquer interesse pessoal ou grupal, sobretudo dos que exercem funções públicas, é inadmissível que os órgãos estatais sejam autorizados a ocultar, coram populo, a identidade dos agentes públicos que praticaram crimes contra os governados.A única exceção que se abre a esse mandamento fundamental é a necessidade de se preservar a "segurança da sociedade e do Estado" (mesmo inciso XXXIII do art. 5º, in fine). Mas, a rigor, não se trata de uma exceção ao princípio republicano, e sim do reconhecimento, também aí, da supremacia do bem comum sobre os interesses particulares.Ora, seria um escárnio sustentar, na vigência do Estado de Direito instituído pela Constituição de 1988, que os responsáveis por atos de repressão criminosa de opositores políticos agiram para preservar a segurança da sociedade e do Estado.No entanto, todos os governos militares anteriores à reconstitucionalização do País timbraram em manter o sigilo sobre ordens, ações e comportamentos de agentes públicos, que atuaram fora da lei e que, muita vez, violentaram criminosamente a pessoa de opositores, reais ou presumidos, do regime de exceção então vigente.A Lei nº 6.683, promulgada pelo último governo militar, inseriu-se nesse contexto de lôbrega ocultação da verdade. Ao conceder anistia a pessoas indeterminadas, ocultas sob a expressão indefinida "crimes conexos com crimes políticos", como acabamos de ver, ela impediu que as vítimas de torturas, praticadas nas masmorras policiais ou militares, ou os familiares de pessoas assassinadas por agentes das forças policiais e militares, pudessem identificar os algozes, os quais, em regra, operavam nas prisões sob codinomes.Enfim, a lei assim interpretada impediu que o povo brasileiro, restabelecido em sua soberania (pelo menos nominal) com a Constituição de 1988, tomasse conhecimento da identidade dos responsáveis pelos horrores perpetrados, durante dois decênios, pelos que haviam empalmado o poder.Ora, entre a Justiça e a Verdade não há separação concebível.4.3 DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICO E REPUBLICANOA Constituição Federal abre-se com a declaração solene de que "a República Federativa do Brasil [...] constitui-se em Estado Democrático de Direito". 14Como se acaba de lembrar, o cerne do regime democrático é a soberania popular, pois do povo emanam todos os poderes, cujo exercício (apenas o exercício) pode ser feito por seus representantes eleitos. Lembramos, também, que república é o regime em que o bem comum do povo está sempre acima de qualquer interesse particular.Pois bem, os que cometeram crimes comuns contra opositores políticos, durante o regime militar, exerciam funções públicas e eram, por conseguinte, remunerados com recursos também públicos, isto é, dinheiro do povo.Nessas condições, a interpretação questionada da Lei nº 6.683 representa clara e direta ofensa ao princípio democrático e ao princípio republicano, que embasam toda a nossa organização política.Ressalte-se, em primeiro lugar, que a citada lei foi votada pelo Congresso Nacional, na época em que os seus membros eram eleitos sob o placet dos comandantes militares. Sua carência de legitimidade democrática é acentuada quando se recorda que, por força da Emenda "Constitucional" nº 08, de 14 de abril de 1977, que ficou conhecida como "Pacote de Abril", 1/3 dos Senadores passaram a ser escolhidos por via de eleição indireta ("Senadores biônicos"), tendo participado do processo legislativo do qual redundou a aprovação congressual, em 1979, da lei em referência.1 Ela foi sancionada por um Chefe de Estado que era General do Exército e fora guindado a essa posição, não pelo povo, mas pelos seus companheiros de farda.Em conseqüência, o mencionado diploma legal, para produzir o efeito de anistia de agentes públicos que cometeram crimes contra o povo, deveria ser legitimado, após a entrada em vigor da atual Constituição, pelo órgão legislativo oriundo de eleições livres, ou então diretamente pelo povo soberano, mediante referendo (Constituição Federal, art. 14). O que não ocorreu.Assinale-se, em segundo lugar, que num regime autenticamente republicano e não autocrático os governantes não têm poder para anistiar criminalmente, quer eles próprios, quer os funcionários que, ao delinqüirem, executaram suas ordens. Tal seria, obviamente, agir não a serviço do bem comum do povo, mas em seu próprio interesse e benefício.1 Só uma leva de senadores foi indicada dessa forma, pois a EC n. 15, de 19 de novembro de 1980, restabeleceu o voto popular direto. Os senadores indicados indiretamente, por colégio eleitoral, só cumpriram um mandato de oito anos, a partir da renovação que se deu em 1977. Nesse período, um em cada três senadores não tinha nenhuma legitimidade democrática. 15* Caso Loayza Tamayo v. Peru, sentença de 27 de novembro de 1998, disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/votos/vsc_cancadoabreu_42-esp.doc; Caso Barrios Altos v. Peru, Fondo, sentença de 14 de março de 2001, disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Serie_75_esp.doc; Caso Barrios Altos, Interpretación de la Sentença de Fondo (art. 67 Convención Americana sobre Derechos Humanos, sentença de 3 de setembro de 2001, disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_124_esp.doc; Caso de la Comunidad Moiwana, sentença de 15 de setembro de 2005, disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_124_esp.doc; Caso Almonacid Areliano y otros v. Chile. Excepciones Preliminares. Fondo. Reparaciones y Costas, sentença de 26 de setembro de 2006, disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.docVale registrar que a Corte Americana de Direitos Humanos, cuja jurisdição foi reconhecida pelo Brasil no Decreto Legislativo nº 89, de dezembro de 1998, já decidiu, em pelo menos 5 (cinco) casos,* que é nula e de nenhum efeito a auto-anistia criminal decretada por governantes.A Constituição Federal dispõe que o Brasil rege-se, nas suas relações internacionais, entre outros, pelo princípio da "prevalência dos direitos humanos" (art. 4º, II). Porventura temos o direito de exigir de outros países o respeito aos direitos humanos, quando nos recusamos a respeitá-los em nosso próprio território?4.4 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO POVO BRASILEIRO NÃO PODE SER NEGOCIADAO derradeiro argumento dos que justificam, a todo custo, a encoberta inclusão na Lei nº 6.683 dos crimes cometidos por funcionários do Estado contra presos políticos é o de que houve, no caso, um acordo para permitir a transição do regime militar ao Estado de Direito.A primeira indagação que não pode deixar de ser feita, a esse respeito, é bem esta: Quem foram as partes nesse alegado acordo?Uma resposta imediata pode ser dada a essa pergunta. As vítimas sobreviventes ou os familiares dos mortos não participaram do acordo. A maior parte deles, aliás, nunca soube a identidade dos assassinos e torturadores, e bom número dos familiares dos mortos ignora onde estão os seus cadáveres.O acordo foi, então, negociado por quem? Os parlamentares? Mas eles não tinham, como nunca tiveram, procuração das vítimas para tanto, nem consultaram o povo brasileiro para saber se 16aprovava ou não o acordo negociado, que dizia respeito à abertura do regime militar, em troca da impunidade dos funcionários do Estado que atuaram na repressão política.E a outra parte, quem seria? Os militares aboletados no comando do País? Ora, até hoje a corporação militar não confirma o acordo, pela excelente razão de que ela nunca admitiu o cometimento de crimes pelos seus agentes da repressão.Admitamos, porém, como mero exercício de argumentação, que tal acordo existiu e que dele extraímos o benefício da reconstitucionalização do País.Se assim foi, força é reconhecer que o Estado instituído com a liquidação do regime militar nasceu em condições de grave desrespeito à pessoa humana, contrariamente ao texto expresso da nova Constituição Federal: "A República Federativa do Brasil [...] constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] a dignidade da pessoa humana". (art. 1º, III).Kant afirmou, no século XVIII, que a pessoa humana não pode servir de meio para a obtenção de qualquer finalidade; pois ela é um fim em si mesma. Portanto, tem dignidade, não um preço. Hoje, o sistema universal de direitos humanos declara inadmissível e reprovável usar a dignidade das pessoas e dos povos como moeda de troca em um acordo político.Na verdade crua dos fatos, em 1979 quase todos os que se haviam revoltado contra o regime militar com armas na mão já haviam sido mortos. Restavam, portanto, nas prisões militares e policiais, unicamente pessoas acusadas de delitos de opinião. Tal significa que, no suposto acordo político, jamais revelado à opinião pública, a anistia aos responsáveis por delitos de opinião serviu de biombo para encobrir a concessão de impunidade aos criminosos oficiais, que agiam em nome do Estado, ou seja, por conta de todo o povo brasileiro.E há mais. A Constituição promulgada em 1988, seguindo na esteira do sistema internacional de direitos humanos, considerou inafiançável e insuscetível de graça ou anistia a prática de tortura (art. 5º, XLIII). É ridículo argumentar que, quando editada a Lei nº 6.683, a tortura não era definida como crime no Brasil. Não se trata absolutamente disso. Trata-se de assinalar a incompatibilidade ético-jurídica radical da tortura com o princípio supremo de respeito à dignidade humana, fundamento de todo o sistema universal de direitos humanos e do sistema constitucional brasileiro instaurado em 1988.A Assembléia Geral das Nações Unidas, após a revelação dos crimes cometidos pelos regimes totalitários, vencidos na Segunda Guerra Mundial, fixou na Declaração Universal dos Direitos Humanos o supremo mandamento de que todo homem tem direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei (Artigo VI). Como direta conseqüência, o Artigo V da mesma Declaração estatui que "ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante". 17A mesma Assembléia Geral das Nações Unidas julgou tão importante e fundamental essa declaração, que a desenvolveu na Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984, aprovada e ratificada em nosso País.Se a tortura é, assim, universalmente qualificada como prática aviltante, que não dispensa punição, é inadmissível dar à Lei nº 6.683 a interpretação ora questionada, pois ela implicaria, fatalmente, a não-recepção desse diploma legal pela nova Constituição.Dir-se-á que as vítimas sobreviventes do regime militar já obtiveram ressarcimento dos gravames sofridos, por força da anistia decretada pelo art. 8º do Ato das Disposições Transitórias da Constituição de 1988, regulamentado pela Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002. E quanto aos familiares dos mortos e desaparecidos, eles obtiveram igual satisfação reparatória, graças à Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995.Ora, em primeiro lugar, assinale-se o desconchavo de se declararem anistiadas as vítimas da repressão política, como se elas fossem culpadas pelas violências que sofreram! Mas, sobretudo, deve-se frisar, com todas as forças, que atos de violação da dignidade humana não se legitimam com uma reparação pecuniária concedida às vítimas, ficando os responsáveis pela prática de tais atos, bem como os que os comandaram, imunes a toda punição e até mesmo encobertos pelo anonimato.Em suma, Egrégio Tribunal, o que se pede e espera com a presente demanda, em última análise, é que a Justiça Brasileira confirme definitivamente, perante a História, a dignidade transcendental e, portanto, inegociável da pessoa humana, fundamento de toda a nossa ordem constitucional (Constituição Federal, art. 1º, III).5. DO PEDIDOPelo exposto, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil pede:a) a notificação do Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, para que emita o seu parecer, nos termos do art. 103, § 1º da Constituição Federal;b) a procedência do pedido de mérito, para que esse Colendo Tribunal dê à Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, uma interpretação conforme à Constituição, de modo a declarar, à luz dos seus preceitos fundamentais, que a anistia concedida pela citada lei aos crimes políticos ou conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos, durante o regime militar (1964/1985).Deixa-se de atribuir valor à causa, diante da impossibilidade de aferi-lo.Nesses termos, pede deferimento. 18Brasília/DF, de de 2008. Fábio Konder ComparatoOAB/SP nº 11118Maurício Gentil MonteiroOAB/SE nº 2.435

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Palavras do Dr. Antonio Fernando de Souza

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Manifesto Anistia e Justiça

NOTA PÚBLICA ANISTIA E JUSTIÇA O povo brasileiro tem o direito de conhecer a sua história, obrigação da qual os Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, não podem lavar as mãos. É imperativa a abertura dos arquivos, que devem fazer parte do acervo nacional, para preencher a lacuna existente no período da ditadura militar. O Legislativo aprovou a lei de reparações, mas retrocedeu com a lei do sigilo de documentos. O Judiciário, há trinta anos atrás, compareceu no paradigmático caso de Vladimir Herzog; determinou a abertura do arquivo do caso do Araguaia (decisão ainda não cumprida); tem ações em curso na esfera civil; há pedidos de extradições referentes ao desaparecimento de pessoas, na “Operação Condor”; o Ministério Público inicia neste ano as requisições de instauração de inquéritos criminais. Em breve o Judiciário deverá dizer o direito no tocante à Lei de Anistia, nos crimes contra a humanidade perpetrados pelos agentes do Estado. O Brasil tem uma dívida com o seu povo e com a ordem internacional. Está submetido à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cujos precedentes consideram inadmissíveis as excludentes de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e sanção dos responsáveis pelas violações de direitos humanos (como a tortura, execuções sumárias, desaparições forçadas) e que as leis de anistia carecem de efeitos jurídicos e não podem ser obstáculo para a investigação dos fatos violadores de diretos humanos, identificação e punição dos responsáveis. Se o Estado Brasileiro não exercer a jurisdição, certamente a ordem internacional o fará aplicando o princípio do direito universal. Precisamos resgatar a memória e a verdade, sobretudo é necessário que haja Justiça para consolidar a democracia. Dora Aparecida Martins, presidente do conselho executivo da Associação Juizes para a Democracia; e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. document.getElementById('cloakf8e55eaa540014926ff5b74843efe5ad').innerHTML = ''; var prefix = 'ma' + 'il' + 'to'; var path = 'hr' + 'ef' + '='; var addyf8e55eaa540014926ff5b74843efe5ad = 'juizes' + '@'; addyf8e55eaa540014926ff5b74843efe5ad = addyf8e55eaa540014926ff5b74843efe5ad + 'ajd' + '.' + 'org' + '.' + 'br'; var addy_textf8e55eaa540014926ff5b74843efe5ad = 'juizes' + '@' + 'ajd' + '.' + 'org' + '.' + 'br';document.getElementById('cloakf8e55eaa540014926ff5b74843efe5ad').innerHTML += ''+addy_textf8e55eaa540014926ff5b74843efe5ad+''; ; fone: (11) 3105-36-11, cel: (11) 8421-02-03. Associação Juizes para a Democracia é uma organização não governamental, sem fins corporativos, fundada em 1991, em ato público na Universidade de São Paulo, reúne Juizes de todo o Brasil. Tem dentre as suas finalidades o respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito e à defesa dos direitos na perspectiva de emancipação social dos desfavorecidos. www.ajd.org.br Agosto de 2008.

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