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COVID-19

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DECISÃO - Mandado de Segurança em favor da vida, medidas sanitárias - RS

Acórdão - 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS Desembargador Marcelo José Ferlim D Ambrósio O Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região, expede Mandado de Segurança sobre COVID 19, em favor da vida. Leia documento na íntegra no anexo:  decisao_covid.pdf

DECISÃO - Revogação da prisão preventiva - SP

VISTOS     “O Poder Judiciário constitui o instrumento concretizador das liberdades civis, das franquias constitucionais e dos direitos fundamentais assegurados pelos tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil. Essa alta missão, que foi confiada aos juízes e Tribunais, qualifica-se como uma das mais expressivas funções políticas do Poder Judiciário”                  Ministro Celso de Melo, STF                  ADPF n. 54     Os corréus RB, GPS e MFS, por seus defensores constituídos, requereram a revogação da prisão preventiva ou a concessão de liberdade provisória ou a aplicação de medidas cautelares alternativas, alegando um fato novo, ou seja, a pandemia do Covid-19, que seria motivo bastante para o seu desencarceramento (fls. 986/994). O Ministério Público pediu a mantença da prisão preventiva, alegando que ainda há necessidade da medida cautelar aplicada e que os réus não demonstraram fazer parte do grupo de risco para que façam jus ao desencarceramento em razão da pandemia do Covid – 19 (fls. 998/1000). DECIDO. Os corréus estão presos, provisoriamente, desde 04 de janeiro de 2017, ou seja, há mais de três (03) anos. Em 14 de fevereiro de 2017, este juízo RECEBEU a denúncia oferecida contra eles. Vária vez durante a instrução este juízo fez a revisão da decretação da prisão preventiva e julgou necessário mantê-la. Em 19 de dezembro de 2018, os corréus foram PRONUNCIADOS e a sua prisão preventiva foi MANTIDA, em face da persistência de sua necessidade. Mas, agora, passados mais de três anos de segregação provisória, apesar dos esforços deste juízo para conferir celeridade a este processo, não é mais possível manter a prisão preventiva dos corréus, sobretudo em face da atual pandemia do COVID-19. Aliás, diante da atual Pandemia do Covid-19, o CNJ recomenda, expressamente, no artigo 4º da Recomendação n. 62/2020, que os juízos criminais, “com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, realizem a revisão das prisões preventivas decretadas, priorizando a situação das pessoas presas há mais de 90 dias, como ocorre neste processo. E não tem razão o Promotor de Justiça, quando afirma que o desencarceramento dos acusados não seria cabível porque eles não demonstraram fazer parte do grupo de risco. É que, na realidade, todos os encarcerados fazem parte do grupo de risco. O CNJ - CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA editou, no 17 de março de 2020, a RECOMENDAÇÃO n. 62, subscrita por seu Presidente, Ministro Dias Toffoli, recomendando aos Tribunais e magistrado e magistradas a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo, com  as seguintes finalidades: I – a proteção da vida e da saúde das pessoas privadas de liberdade, dos magistrados, e de todos os servidores e agentes públicos que integram o sistema de justiça penal, prisional e socioeducativo, sobretudo daqueles que integram o grupo de risco, tais como idosos, gestantes e pessoas com doenças crônicas, imunossupressoras, respiratórias e outras comorbidades preexistentes que possam conduzir a um agravamento do estado geral de saúde a partir do contágio, com especial atenção para diabetes, tuberculose, doenças renais, HIV e coinfecções; II – redução dos fatores de propagação do vírus, pela adoção de medidas sanitárias, redução de aglomerações nas unidades judiciárias, prisionais e socioeducativas, e restrição às interações físicas na realização de atos processuais; e III – garantia da continuidade da prestação jurisdicional, observando-se os direitos e garantias individuais e o devido processo legal (RESOLUÇÃO CNJ, n. 62/2020, art. 1º, parágrafo único). Para editar esse ato normativo, o CNJ considerou que a ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS, em 11 de março de 2020, declarou pandêmica a proliferação do novo coronavírus (v. também Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional da Organização Mundial da Saúde, em 30 de janeiro de 2020, a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional – ESPIN, veiculada pela Portaria no 188/GM/MS, em 4 de fevereiro de 2020, e o previsto na Lei no 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus). Reconheceu, também, o CNJ, nessa Recomendação, que “a manutenção da saúde das pessoas privadas de liberdade é essencial à garantia da saúde coletiva e que um cenário de contaminação em grande escala nos sistemas prisional e socioeducativo produz impactos significativos para a segurança e a saúde pública de toda a população, extrapolando os limites internos dos estabelecimentos”. Além disso, o CNJ também afirmou “a necessidade de estabelecer procedimentos e regras para fins de prevenção à infecção e à propagação do novo coronavírus particularmente em espaços de confinamento, de modo a reduzir os riscos epidemiológicos de transmissão do vírus e preservar a saúde de agentes públicos, pessoas privadas de liberdade e visitantes, evitando-se contaminações de grande escala que possam sobrecarregar o sistema público de saúde”. E, segundo o CNJ, também não se pode olvidar “o alto índice de transmissibilidade do novo coronavírus e o agravamento significativo do risco de contágio em estabelecimentos prisionais e socioeducativos, tendo em vista fatores como a aglomeração de pessoas, a insalubridade dessas unidades, as dificuldades para garantia da observância dos procedimentos mínimos de higiene e isolamento rápido dos indivíduos sintomáticos, insuficiência de equipes de saúde, entre outros, características inerentes ao “estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no 347”. Assim, diante da insofismável necessidade de adoção de medidas desencarceradoras para   minimizar   os   impactos   da pandemia   da   COVID-19 e reduzir danos diante da atual situação de calamidade sanitária mundial causada por essa pandemia viral, que está infelicitando o planeta e, em especial, neste momento, nosso país e esta comarca, em particular, é preciso evitar a ampliação da população carcerária, desnecessariamente, observando, nos termos da Recomendação do CNJ, a máxima excepcionalidade de novas ordens de prisão preventiva (v. art. 4º, item III) Ademais, como observou, recentemente, o Ministro Gilmar Mendes, do STF, ao conceder habeas corpus para uma mulher encarcerada preventivamente, “em   um   cenário   de   pandemia   mundial, que   evolui   no Brasil e provavelmente ainda se ampliará muito até o seu pico para então iniciar uma regressão, o Estado deve adotar uma postura proativa para reduzir os danos que certamente assolarão diversas vidas. Portanto, reduzir   o   número   de   mortes   que   certamente ocorrerão nas prisões brasileiras, que, em um estado de “normalidade”, já reconhecemos como   reprodutoras   de   violações   sistemáticas   a   direitos fundamentais a partir da declaração do Estado de Coisas Inconstitucional (ADPF 347). Em   tal   julgado,   o   Plenário   desta   Corte   declarou,   durante   o julgamento   da   medida   cautelar,   a   existência   de   um   “estado   de   coisas inconstitucional”   no   sistema   penitenciário   brasileiro,   tendo   em   vista   o cenário   de   superlotação,   falta   de   estrutura   adequada,   proliferação   de doenças   infectocontagiosas,   violências   físicas   e   psíquicas,   rebeliões, mortes e ausência de serviços de saúde nos presídios brasileiros. Do   exemplo   chinês   podemos   verificar   que   a   população   carcerária será   impactada   diretamente   pela   pandemia.   Noticia-se   que   houve contaminação de inúmeros presos (https://thediplomat.com/2020/03/cracks-in-the-system-covid-19-in-chinese -prisions) e que isso é um fato determinante para a proliferação da contaminação     na     própria     sociedade     externa     aos     presídios (http://theconversation.com/why-releasing-some-prisoners-is-essential-to-stop-the-spread-of-coronavirus-133516)” (HC 183584 / RJ). É por isso que o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação CNJ n. 62, de 17 de março de 2020, estabelecendo medidas para reduzir a superlotação dos presídios e  impedir   a   propagação do Covid-19, com o objetivo de evitar a ocorrência de danos irreparáveis à saúde e à vida de milhares de pessoas que se encontram sob a guarda específica do Estado, bem como das pessoas que trabalham nesses estabelecimentos prisionais, o que certamente ocorrerá, caso haja a propagação em massa desse novo vírus nas condições atualmente existentes. Aliás, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal, ministro Dias Toffoli, ressaltou a importância da medida para atender à urgência e atipicidade da situação, afirmando que “estamos diante de uma pandemia com efeitos ainda desconhecidos. Mas não há dúvidas quanto à urgência de medidas imediatas e de natureza preventiva para os sistemas prisional e socioeducativos, considerando o potencial de contaminação em situação de confinamento de pessoas que se encontram sob a tutela do Estado. É imperativo que o Judiciário não se omita e adote uma resposta rápida e uniforme, evitando danos irremediáveis". Como observaram mais de setenta entidades brasileiras dedicadas à proteção e garantia dos direitos humanos, em documento subscrito em apoio à Recomendação CNJ n. 62/2020, “o sistema prisional brasileiro e de socioeducação padecem há anos com as péssimas condições estruturais, superlotação, mortes de causas não violentas e proliferação de doenças graves, como tubérculos e sarna, retrato da sua atuação seletiva orientada pelo racismo estrutural, encarcerando majoritariamente pessoas negras e pobres. A gravidade das inúmeras violações foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, ao declarar o estado de coisas inconstitucional do sistema prisional na ADPF 347, da mesma forma no Habeas Corpus Coletivo 143.641/SP, protetivo às mulheres e seus filhos, bem como ao reconhecer condições degradantes e medidas de desinternação de adolescentes, no Habeas Corpus 143.988/ES. O acerto da Recomendação 62 do CNJ, editada com a celeridade que o atual momento requer, foi reconhecido por organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, haja vista o alerta da comunidade científica de que o sistema prisional possui condições ideais para a proliferação do coronavírus. Importante que os Tribunais locais busquem maior incidência da Resolução. As medidas sugeridas igualmente visam à proteção de milhares de trabalhadores do sistema prisional, como agentes penitenciários, profissionais de saúde, educação, advogados e funcionários de empresas prestadoras de serviços, cuja essencialidade do trabalho torna imprescindível o deslocamento diário para as unidades prisionais e de socioeducação”.[1] E não se olvide que a CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos - editou a Resolução n. 1/2020, Pandemia y Derechos Humanos en Las Américas, em 10 de abril de 2020, afirmando que, neste momento de necessidade de adoção de medidas de emergência e contenção diante da pandemia do COVID-19,  os  Estados  devem dar prioridade às pessoas historicamente excluídas ou em risco especial, entre as quais estão as pessoas privadas de liberdade. Aliás, a CIDH, nessa Resolução normativa, reconhecendo que as prisões preventivas devem ser reservadas para casos excepcionais e aplicadas somente diante de absoluta imprescindibilidade, determinou que devem ser reavaliados os casos de prisão preventiva para serem identificados aqueles que comportam a substituição da privação de liberdade por outras medidas alternativas à prisão. E não se olvide que a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948, em seu artigo XI, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica - 1969) garantem a todas as pessoas o direito à preservação de sua saúde por medidas sanitárias. Além disso, o Protocolo Adicional à Convenção Americana Sobre Direitos Humanos em Matéria de  Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo De San Salvador - 1988) assegura a todas as pessoas o direito ao mais alto nível de assistência à saúde e afirma a obrigação dos Estados de reconhecer a saúde como um bem público, adotar uma série de medidas para garantir esse direito, entre as quais está a total imunização, a prevenção e o tratamento das enfermidades endêmicas, a educação da população sobre a prevenção e tratamento dos problemas de saúde e a satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco, o que é impossível garantir para as pessoas presas, máxime em tempos de pandemia. A CIDH, por isso, determinou que os Estados adotem medidas especiais visando ao desencarceramento, com apego ao princípio «pro persona», para que prevaleça o devido e oportuno cuidado com a população sobre qualquer outra pauta ou interesse de natureza pública ou privada (“La CIDH y su REDESCA instan a asegurar las perspectivas de protección integral de los derechos humanos y de la salud pública frente a la pandemia del COVID-19.” Disponible en: http://www.oas.org/es/cidh/prensa/ comunicados/2020/060.asp.). A CARTA SOCIAL DAS AMÉRICAS E SEU PLANO DE AÇÃO, por sua vez, dispõe sobre a garantia do gozo no grau máximo de saúde que se puder alcançar é um dos direitos humanos fundamentais, afirmando que os Estados membros da OEA reconhecem que o direito à saúde é uma condição fundamental para a inclusão e coesão social, o desenvolvimento integral, e o crescimento econômico com equidade, por um lado, mas, priorizam a integralidade ao abordar as outras facetas dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, como o direito à alimentação, à moradia, ao emprego e previdência social (https://www.unfpa.org/es/el-enfoque-basado-en-los-derechos-humanos). E a OEA editou o Guia Prático de Respostas Inclusivas e com enfoque de Direitos diante da Pandemia do COVID-19 nas Américas, afirmando que a saúde é um direito e que essa pandemia afeta, diretamente, a todas as pessoas, mas, de modo mais profundo, as pessoas em vulnerabilidade, entre as quais estão as pessoas encarceradas, afirmando o seguinte: “As pessoas privadas de liberdade encontram-se em uma situação de maior vulnerabilidade ao contagio do COVID-19 comparadas com a população em geral dado que vivem em espaços confinados com muitas outras pessoas por períodos de tempo prolongados. O encarceramento propicia a propagação de enfermidades, dificulta o acesso aos serviços básicos de saúde e os cárceres constituem fator de risco para a ocorrência de calamidades. (...) A separação física e o auto-isolamento dessas pessoas é praticamente impossível, assim como manter as condições de higiene e prevenção, como lavar as mãos, (...). As pessoas privadas de liberdade também enfrentam outros fatores que aumentam o risco ante o COVID-19, como o encontrar-se em piores condições de saúde e contar com um sistema imunológico debilitado devido ao estresse, má nutrição ou prevalência ou coexistência de outras enfermidades como tuberculose ou outras doenças virais sanguíneas. Experiencias passadas mostram que as prisões, cárceres e outros centros de detenção, onde as pesoas encontram-se muito próximas, podem atuar como uma fonte de infecção, amplificação e propagação de enfermidades infecciosas tanto dentro como fora dos estabelecimentos, motivo pelo qual o cuidar da saúde das pessoas privadas de liberdade é amplamente considerado como uma maneira de também cuidar da saúde pública”. Assim, a OEA, no aludido documento, faz, em seu Capítulo 8 (La Protección De Las Personas Privadas De Libertad Durante La Pandemia Del Covid-19), entre outras, as seguintes recomendações: adotar medidas que reduzam drasticamente a população prisional e tenham um impacto imediato na situação de superpopulação; considerar a detenção ou privação de liberdade como uma medida de último recurso; e adotar medidas alternativas à privação de liberdade para as pessoas que estão em prisão preventiva. Como se vê, é imprescindível que sejam tomadas providências para realizar o desencarceramento e a redução da população carcerária, observados os estândares internacionais de garantia de direitos, mas, também, para evitar a ampliação do aprisionamento, principalmente preventivo, que deve ser reservado, sobretudo neste momento excepcional, apenas para casos de extrema necessidade e que estejam a exigir o aprisionamento como solução única e insubstituível. Aliás,  o CNJ, como bem observou o STF, ao também recomendar seja observada a máxima excepcionalidade e, também, a reavaliação de prisões provisórias em razão da propagação do Covid-19, na verdade, apenas reforçou   as   normas   que   já   constam   da   legislação federal   e   da   Constituição Federal, relativas aos direitos e garantias fundamentais à   liberdade,   ao   devido   processo   legal, à presunção de inocência e à  saúde,  previstas  no art.  5º, caput e incisos L, LIV e LVII, art. 6º e art. 196 da CF/88. Decididamente, não apenas o STF, mas, todos os juízes e juízas devem exercer o seu papel primacial de guardiões e guardiãs  dos direitos   fundamentais, “mantendo   a proteção do núcleo essencial desses direitos, ou seja, as garantias mínimas que   não   podem   ser   restringidas   sequer   em   situações   de   emergência   e calamidade como a que ora enfrentamos”. Como afirmou o STF, na decisão acima mencionada, “o Covid-19 afeta a vida de todas as pessoas. Contudo, impacta especialmente nas vidas dos mais vulneráveis, dentre   os   quais   se   incluem   as   pessoas   submetidas   a medidas   restritivas   de   liberdade, tendo em vista   as   condições   de encarceramento no país. Sabe-se, até o momento, que a maioria dos casos do Covid-19 geram sintomas leves, semelhantes   a   uma   gripe   ou   resfriado.   No   entanto, os presos   e   presas   possuem   imunidade   muito   baixa   por   conta   das condições   degradantes   existentes   nos   cárceres.  A tuberculose, por exemplo, possui uma incidência 30 vezes maior nas prisões do que na sociedade em geral. É   importante   destacar   que   a   possível   manutenção   de   presos submetidos ao risco de uma grave pandemia em condições inseguras e desumanas   de   detenção   pode   configurar   violação   à   proibição constitucional da imposição de penas cruéis (art. 5º, XLVII, “e”, da CF/88). Situação semelhante foi analisada pela Suprema Corte dos Estados Unidos   no   julgamento   dos   casos.   Coleman   vs.   Brown, Plata   vs. Schwarzenegger   e   Brown   vs.   Plata, em   2011, nos   Estados   Unidos (SALINS, Lauren; SIMPSON, Shepard.   Efforts   to   fix   a   broken   system:Brown v. Plata and the prison overcrowding epidemic. Loyola UniversityChicago Law Journal. V. 44. nº 4. 2013. p. 1169). O pano de fundo desses precedentes foram as violações dos direitos à saúde de presidiários portadores de deficiências mentais e as falhas nos tratamentos médicos desses detentos que, de acordo com o tribunal da Califórnia,   violavam   exatamente   a   oitava   emenda   da   Constituição   dos Estados   Unidos,   que   proíbe   a   aplicação   de   penas   injustas   e   cruéis (ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Brown v. Plata. nº 09-1233)”. E, como também afirmou, recentemente, o Ministro Nefi Cordeiro, do STJ, reconhecendo a situação de vulnerabilidade da população carcerária do país diante da crise de Covid-19, o risco da pandemia é ampliado nas condições de aprisionamento, em razão da concentração excessiva, da dificuldade de higiene e das deficiências de alimentação, comuns no sistema prisional”. Decididamente, devem ser observados, no âmbito jurisdicional, os estândares e marcos jurídicos internacionais estabelecidos no âmbito de proteção dos direitos humanos, especificamente sobre os direitos das pessoas privadas de liberdade, pois, o sistema interamericano de direitos humanos estabelece que os Estados estão em uma posição especial de garante de todos os direitos das pessoas que estão sob a sua custódia (Corte IDH. Caso Vera Vera y otra vs. Ecuador. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 19 de mayo de 2011. Serie C No. 226, párr. 42. Véase también el Informe sobre los derechos humanos de las personas privadas de libertad en las Américas, en particular el capítulo II sobre “la posición de garante del Estado frente a las personas privadas de libertad”). Portanto, a mantença da prisão preventiva dos corréus, neste caso, somente seria possível, em tal situação sanitária pandêmica, de modo absolutamente excepcional, se houvesse motivos concretos a determinar a sua necessidade extrema e a absoluta inaplicabilidade de qualquer outra medida cautelar. Aliás, segundo o artigo 9º, 3 do PIDCP, a prisão preventiva é admitida no sistema internacional de garantias dos direitos humanos, e perfeitamente compatível com a presunção de inocência, mas, dês que existam motivos concretos, devidamente comprovados, hábeis para justificar uma medida cautelar com fundamento na necessidade da segregação provisória, máxime neste momento de emergência e crise pandêmica em que os riscos sociais gerais, concretamente demonstrados, são maiores e mais intensos que os riscos decorrente da liberdade dos corréus. Com efeito, com base nesse fundamento, recentemente, o STJ, com voto condutor do Ministro Rogério Schietti, decidiu o seguinte: “Ante a crise mundial do coronavírus e, especialmente, a iminente gravidade do quadro nacional, intervenções e atitudes mais ousadas são demandadas das autoridades, inclusive do Poder Judiciário. Assim, penso que, na atual situação, salvo necessidade inarredável da segregação preventiva – mormente casos de crimes cometidos com particular violência –, a envolver acusado de especial e evidente periculosidade ou que se comporte de modo a, claramente, denotar risco de fuga ou de destruição de provas e/ou ameaça a testemunhas, o exame da necessidade da manutenção da medida mais gravosa deve ser feito com outro olhar”. “Apoiado nessas premissas, precipuamente em conformidade com os arts. 1º e 4º da Recomendação n. 62/2020 do CNJ, entendo que não são bastantes as ponderações invocadas pelas instâncias ordinárias para manter a ordem de constrição do réu”. “Deferida a liminar, para assegurar ao paciente que aguarde em liberdade o julgamento do mérito deste writ ” (STJ; Habeas Corpus nº 567.457-DF; rel. Rogério Schietti Cruz; Decisão Monocrática; j. 19/03/2020). Decisivamente, como reiterou o STJ em outra decisão, “é preciso dar imediato cumprimento à recomendação do Conselho Nacional de Justiça, como medida de contenção da pandemia mundialmente causada pelo coronavírus (Covid-19), devendo a custódia ser substituída pela prisão cautelar em regime domiciliar.” Liminar deferida. (STJ; Habeas Corpus nº 567.006-SP; rel. Sebastião Reis Júnior; Decisão Monocrática; j. 19/03/2020). No mesmo sentido, assim também julgou o   STJ: “Tráfico de drogas (77,12 gramas de maconha). Pleitos de revogação da prisão preventiva e trancamento da ação penal. Deferida a liminar, apenas para ordenar a soltura do paciente. “Em conformidade com os arts. 1º e 4º da Recomendação nº 62/2020 do CNJ, entendo que não são bastantes as ponderações invocadas pelas instâncias ordinárias para embasar a ordem de constrição do réu, porquanto não contextualizaram, em elementos concretos dos autos, o periculum libertatis e a gravidade concreta da conduta perpetrada.” (STJ; Habeas Corpus nº 567.821-SP; rel. Rogerio Schietti Cruz; Decisão Monocrática; j. 23/03/2020).          E o Tribunal de Justiça de São Paulo também já decidiu que, mesmo nos casos de graves acusações por tráfico de drogas, e embora presentes motivos para a decretação da prisão preventiva, esta não deve ser mantida diante da atual situação excepcional causada pela pandemia do Covid-19 (TJSP; Habeas Corpus nº 2043118-94.2020.8.26.0000, Rel. Xavier de Souza, 11ªC, j. 01/04/2020).          Neste caso, portanto, não é mais possível manter a prisão preventiva, que deve ser substituída por outras medidas cautelares, com fundamento no artigo 319, III, IV e V do CPP, a saber: a) apresentação mensal a este juízo, a partir da cessação da suspensão do expediente forense presencial, para justificar e comprovar as suas atividades; b) proibição de manter qualquer tipo de contato com as testemunhas e vítimas nomeadas neste processo, devendo manter delas distância de pelo menos 500 metros; c) proibição de ausentar-se da Comarca até a realização do julgamento pelo Tribunal do Júri; e d) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga.             Aliás, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em recente decisão, conduzido pelo voto do Desembargador Osni Pereira, afirmou que, mesmo em caso de acusação por tráfico de drogas, associação para o tráfico de drogas e receptação, mesmo diante da apreensão de 511 porções de cocaína, com peso de 378,48 gramas e 484 pedras de crack, pesando 165,45 gramas, a prisão preventiva, posto que bem decretada, deve ser substituída por outras medidas cautelares “previstas no artigo 319, incisos I, IV e V do Processo Penal”(TJSP; Habeas Corpus nº 2011096-80.2020.8.26.0000; rel. Osni Pereira; 16ª C; j. 30/03/2020).          E o STJ já decidiu, também, no mesmo sentido: “Defiro o pedido liminar para, excepcionalmente e em cumprimento à Recomendação CNJ n. 62/2020, substituir a prisão cautelar imposta ao paciente por prisão domiciliar.” (STJ; Habeas Corpus nº 567.961-SC; rel. Sebastião Reis Júnior; Decisão Monocrática; j. 23/03/2020).          Com efeito, diante dos perigos sanitários da pandemia do COVID-19, e conforme recomendação do CNJ, a prisão preventiva, como regra, deve ser substituída por outras medidas cautelares: “Em conformidade com os arts. 1º e  4º da Recomendação n. 62/2020 do CNJ –  inclusive o  conselho de ‘suspensão do dever de apresentação periódica ao juízo  das pessoas em liberdade provisória’ (art. 4º, II, grifei) –, constato ser suficiente e  adequado, para atender às exigências cautelares do art. 282 do CPP, impor ao réu – independentemente de mais acurada avaliação do Juízo monocrático – as providências alternativas positivadas no art. 319, IV e V, do CPP”. (STJ; Habeas Corpus nº 567.782-SP; rel. Rogerio Schietti Cruz; Decisão Monocrática; j. 23/03/2020).          Por derradeiro, é preciso lembrar o que afirmou o ILANUD - Instituto Latino-americano das Nações Unidas para a Prevenção de Delito e Tratamento de Delinquente,  sobre a necessidade de medidas de desencarceramento e, em especial, sobre a imprescindibilidade da adoção de medida alternativas à prisão preventiva, lembrando, inclusive, as exigências das Regras de Tóquio: “As prisões na América Latina e Caribe estão quase sempre superlotadas e isso dificulta o acesso ao saneamento adequado, o que exige que se tomem medidas para reduzir a quantidade de pessoas que se encontram privadas de liberdade; isso contribuirá, induvidosamente, a reduzir o risco de situações extremas nas quais o Covid-19 causa  estragos na população que, por si só, é vulnerável. O que se impõe, diante do atual cenário, é acelerar a implementação de propostas, inclusive, não são novas, mas que, agora, requer uma maior ênfase.  Com efeito, o que agora há que enfatizar é a colocação em marcha de mecanismos como os que podíamos encontrar em instrumentos como as Regras Mínimas Nações Unidas sobre as Medidas não Privativas da Liberdade, as Regras de Tóquio, as quais datam de 1990, mas agora com maior celeridade, diante da pandemia. As Regras de Tóquio estabelecem medidas substitutivas ao encarceramento, e são aplicáveis tanto durante o processo quanto às pessoas sentenciadas, o que é de grande relevância, dado que na América Latina e Caribe temos, além do uso às vezes excessivo da sanção penal privativa de liberdade, populações imensas em prisão preventiva em situações absolutamente inaceitáveis, o que faz com que a quantidade de presos preventivos tenha um peso demasiado no contexto global das pessoas privadas de liberdade” (O sistema prisional em face da encruzilhada produzida pela crise provocada pelo Convid-19, 19 de Abril de 2020).   ISTO POSTO, forte no artigo 319, III, IV e V do CPP, bem como na Recomendação n. 62/2020 do CNJ, no artigo XI da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica - 1969), no Protocolo Adicional à Convenção Americana Sobre Direitos Humanos em Matéria de  Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo De San Salvador - 1988), na decisão da CIDH, que determinou que os Estados adotem medidas especiais visando ao desencarceramento, com apego ao princípio “pro persona”, para que prevaleça o devido e oportuno cuidado com a população sobre qualquer outra pauta ou interesse de natureza pública ou privada, na CARTA SOCIAL DAS AMÉRICAS E SEU PLANO DE AÇÃO, no Guia Prático de Respostas Inclusivas e com enfoque de Direitos diante da Pandemia do COVID-19 nas Américas, editado pela OEA, especialmente em seu Capitulo 8, na Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional da Organização Mundial da Saúde, em 30 de janeiro de 2020, na Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional – ESPIN, veiculada pela Portaria no 88/GM/MS, em 4 de fevereiro de 2020, e o previsto na Lei no 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, na Resolução n. 1/2020, Pandemia y Derechos Humanos en Las Américas, de 10 de abril de 2020, editada pela Comissão Americana de Direitos Humanos, nas recomendações do ILANUD, em “O sistema prisional em face da encruzilhada produzida pela crise provocada pelo Convid-19, 19 de Abril de 2020”, no art.  5º, caput e incisos L, LIV e LVII, art. 6º e art. 196 da CF/88, SUBSTITUO a prisão preventiva dos corréus RB, GPS e MFS, pelas seguintes medidas cautelares: a) apresentação mensal a este juízo, a partir da cessação da suspensão do expediente forense presencial, para justificar e comprovar as suas atividades; b) proibição de manter qualquer tipo de contato com as testemunhas e vítimas nomeadas neste processo, devendo manter delas distância de pelo menos 500 metros; c) proibição de ausentar-se da Comarca até a realização do julgamento pelo Tribunal do Júri; e d) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga. Expeçam-se os alvarás de soltura. Int. Campinas, 1º de junho de 2020, ano do 72º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. JOSÉ HENRIQUE RODRIGUES TORRES            JUIZ DE DIREITO   [1] Conselho Federal da OAB - ABJD-Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - ABRACRIM-Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas - AJD-Associação Juízes para a Democracia - Andhep - Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação ASBRAD Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude - Assessoria Popular Maria Felipa Associação Brasileira de Juristas pela Democracia ABJD/ES - Associação de Apoio aos Presos, Egressos e Familiares- APEF(DF) - Associação Elas Existem -- Associação Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade-GOLD/ESCEDP- Comissão de Estudos de Direito Penal da OAB/RJ. Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação (CEDD/UnB) Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade Federal Rural Do Semiárido–CRDH/UFERSA - Centro de Referência em Direitos Humanos Marcos Dionísio da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – CRDH/UFRNCFNTX-Centro de Formação do(a) Negro(a) da Transamazonica e Xingu Círculo Palmarino – ES - Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais-CONDEGE Coletivo Amazônico - LesBiTrans Coletivo por um Ministério Público Transformador-Transforma MP Coletivo Rosas no deserto-Familiares, Amigos/as e egressos/as do sistema prisional DF. Comissão de Defesa do Estado Democrático de Direito da OABRJ. Comissão de Direito Penal da OAB/SP Comissão de Direitos Humanos OAB/SP Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/SP Comissão de Segurança – pública da OAB/RJ COMITÊ ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA DO RIO GRANDE DO NORTE – CEPCT/RNCOMUNEMA- Coletivo de Mulheres Negras Maria-Maria Conectas Direitos Humanos Conselho Estadual de Direitos Humanos e Cidadania do Rio Grande do Norte–COEDHUCI/RN Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo-DPES Todas Unidas Vicariato para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória-ES - Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro Eu Sou Eu-Reflexos de uma vida na prisão Fórum de Saúde Penitenciária do RJ Frente pelo Desencarceramento do DF Frente Estadual pelo Desencarceramento-RJ Frente pelo Desencarceramento de Minas Gerais Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade de Minas Gerais Grupo Prerrogativas Grupo Tortura Munca Mais IDDD-Instituto de Defesa do Direto de DefesaIGP- Instituto de Garantias Processuais Il e Ase OpoIya Olodoide Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial – Baixada Fluminense-RJ Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas-INNPD Innocence Project Brasil Instituto Brasileiro de Ciências Criminais-IBCCRIM Instituto Carioca de Criminologia Instituto de Cultura e Consciência Negra Nelson Mandela Instituto de Pesquisa e Estudos em Justiça e Cidadania–IPEJUC Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB Instituto Terra Trabalho e Cidadania-ITTCISER-Instituto de Estudos da Religião Laboratório de Direitos Humanos LADIH/UFRJ LibertaElas/PE Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT/RJ) Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura (MNPCT) Movimento Moleque Movimento Negro Unificado-MNU/ESNEV-Núcleo de Estudos da Violência da Usp Coletivode Advocacia em Direitos Humanos-CADHu Observatório da Justiça de Cidadania do RN–OJC/RN Pastoral Carcerária Nacional-CNBB - Plataforma Brasileira de Política de Drogas-PBPD Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência Rede Justiça Criminal Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares no Rio Grande do Norte-RENAP/RN Sacerj-Sociedade dos Advogados Criminais do Estado do Rio de Janeiro Sindicato dos Advogados e Advogadas-SP (SASP)

DECISÃO - Expedição de alvará para liberação do FGTS - RS

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO 4ª VARA DO TRABALHO DE PORTO ALEGRE AlvJud 0020310-81.2020.5.04.0004 REQUERENTE: LUIZ CARLOS JARDOSIM DA ROSA INTERESSADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL MFM - AJ   Visto em gabinete.   LUIZ CARLOS JARDOSIM DA ROSA ajuíza pedido de expedição de alvará para liberação dos valores depositados em sua conta do FGTS em face da Caixa Econômica Federal, em requerimento de antecipação de tutela, com base no Estado de Calamidade Pública reconhecida pelo Governo Federal (Decreto Legislativo nº 06/2020), pelo Governo Estadual (Decreto Estado RS nº 55.154/2020) e pelo Governo Municipal, em face da gravidade e do alcance da situação pandêmica perpetuada pela Covid-19. Destaca que devido ao cenário econômico vigente, permeado de grande instabilidade e dificuldade, a medida de urgência faz-se necessária para garantir o sustento da sua família. Vêm os autos conclusos. Passo a examinar a pretensão no estado em que o feito se encontra, pois a hipótese é de tutela de evidência, na forma do artigo 311, II, do CPC, estando o julgamento imediato autorizado pelo parágrafo único do mesmo dispositivo. Além disso, embora  o reclamante coloque a CEF como demandada, trata-se de procedimento de jurisdição voluntária, cuja tutela, se deferida, não atingirá direito da instituição financeira, pois implicará liberação de valores que já pertencem ao patrimônio jurídico do demandante. 1-  Da competência da Justiça do Trabalho   Quanto à competência para apreciar o pedido de expedição de alvará para liberação da conta vinculada do requerente junto Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, o TST revisou o entendimento consubstanciado na Súmula nº 176 no qual compreendia que esta Justiça Especializada só tinha competência para autorizar o levantamento do depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na ocorrência de dissídio entre empregado e empregador, por meio do julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência RR-619.872/00, assim, ementado: "INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. FGTS. ALVARÁ. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. SÚMULA 176. CANCELAMENTO. 1. Inscreve-se na competência material da Justiça do Trabalho, no exercício de jurisdição voluntária, apreciar pretensão de ex-empregado de expedição de alvará judicial para fins de saque dos depósitos do FGTS junto à CAIXAECONÔMICA FEDERAL CEF, tendo em vista a vinculação do pleito a uma relação de emprego, espécie da relação de trabalho de que cogita o novel art. 114, inciso I, da Constituição Federal de 1988, com a redação da Emenda Constitucional nº 45/04. 2. O aspecto central para a determinação da nova competência material da Justiça do Trabalho, desde o advento da EC nº 45/04, repousa na circunstância de o pedido e a causa de pedir dimanarem de uma relação de trabalho, ainda que não entre os respectivos sujeitos. Superada a estreita e arraigada vinculação de tal competência meramente aos dissídios entre empregado e empregador. 3. Cancelamento da Súmula 176 do TST (IUJ-RR-619.872/00, Relator Ministro João Oreste  Dalazen,  DJ-26/08/2005)."  (GRIFOS  MEUS).  Desde  então,  a  jurisprudência  do  TST passou a admitir a competência da Justiça do Trabalho para a apreciação do pedido de alvará para saque do FGTS, conforme julgamento que colaciono: "RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. APELO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. FGTS. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ PARA LEVANTAMENTO DO FGTS. SUCESSORES DO TRABALHADOR FALECIDO. REQUISITOS DO ART. 896, § 1º-A, DA CLT, ATENDIDOS. Com o cancelamento da Súmula 176 desta Corte, em razão da superveniência da Emenda Constitucional 45/2004, a discussão quanto à competência material acerca da expedição de alvará para saque do FGTS, quando estabelecida a relação processual diretamente entre o trabalhador titular da conta vinculada e a CEF, na qualidade de órgão gestor do FGTS, sem que haja demanda entre empregado e empregador, encontra-se superada nesta Corte. Observa-se a competência material da Justiça do Trabalho para apreciar pretensão de ex- empregado de expedição de alvará judicial para fins de saque dos depósitos do FGTS junto à Caixa Econômica Federal - CEF, porquanto o pleito decorre de uma relação emprego, o que enseja a aplicação do art. 114, I, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional 45/04.Ressalte-se que o fato da presente ação ter sido proposta pelos sucessores do de cujus, trabalhador que deixou conta vinculada do FGTS em seu nome, não tem o condão de afastar a competência material da Justiça do Trabalho para analisar o pedido de expedição de alvará para levantamento do FGTS. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-170- 30.2016.5.23.0071, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho, DEJT 27/03/2020). A Justiça do Trabalho é, pois, competente para apreciar o presente pedido de alvará submetido ao procedimento de jurisdição voluntária. Expedição de Alvará. A gravidade do surto do novo Coronavírus (COV-19) obrigou os governos mundiais a introduzirem excepcionais mudanças na organização social e econômica de seus países. Neste sentido, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a existência de uma situação de emergência internacional, prontamente seguida pelo Brasil por meio do reconhecimento do estado de calamidade pública. Atualmente, o país é epicentro mundial de letalidade e propagação do Coronavírus. Diante disso, é dever do Estado e da sociedade, em cumprimento aos termos da Constituição, resguardar a garantia do direito fundamental à vida, à saúde, de forma conciliada com o direito ao trabalho, ambos direitos fundamentais, à luz dos artigos 5 º, 6 º e 7 º da Constituição. É fato notório o conjunto de dificuldades econômicas advindas dos efeitos da pandemia e seus reflexos na vida e organização de empresas e trabalhadores. O acesso aos valores da conta vinculada ao Fundo de Garantia do Tempo de   Serviço (FGTS), que já pertencem ao patrimônio jurídico do reclamante, impõe-se como medida de garantia das possibilidades de sobrevivência física e pagamento das contas ordinárias, especialmente se considerarmos o expressivo número de pessoas desempregadas ou impedidas de obter renda, em razão do isolamento físico necessário. O fundamento jurídico da pretensão está no inciso XVI do artigo 20 da Lei nº 8.036/90, que prevê a possibilidade de movimentação da conta do FGTS, em caso de: “XVI - necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural”. O Decreto nº 5.113, de 22 de junho de 2004, que regulamentou o artigo 20 da Lei nº 8.036/90, traz rol que evidentemente não é taxativo. Aliás, sequer seria possível ao legislador em 2004 presumir a existência de pandemias que bloqueassem, de uma hora para a outra, as possibilidades de produção e consumo, como hoje está ocorrendo, com todas as consequência daí advindas. Mesmo assim, o artigo 3º do Decreto nº 5.113 refere que a comprovação da área em situação de emergência ou estado de calamidade pública deverá ser feita mediante uma declaração com uma série de dados, além da identificação do desastre natural na Codificação de Desastre, Ameaças e Riscos - CODAR. A classificação da CODAR, que não estava adequada à classificação utilizada pelo Banco de Dados Internacional de Desastres (EM-DAT), do Centro para Pesquisa sobre Epidemiologia de Desastres (Cred) da Organização Mundial de Saúde (OMS/ONU), foi adequada pelo Ministério  da Integração Nacional, através da edição da CLASSIFICAÇÃO E CODIFICAÇÃO BRASILEIRA DE DESASTRES (COBRADE), em substituição ao CODAR, por meio de ato normativo. A Instrução Normativa nº 1, de 24 de agosto de 2012, editada pelo Ministério da Integração Nacional, publicada no DOU de 30/08/2012 (nº 169, Seção 1, pág. 30), estabeleceu procedimentos e critérios para a decretação de situação de emergência ou estado de calamidade pública pelos Municípios, Estados e pelo Distrito Federal, e para o reconhecimento federal das situações de anormalidade decretadas pelos entes federativos. No Anexo I da mencionada Portaria, foi estabelecida a “CLASSIFICAÇÃO E CODIFICAÇÃO BRASILEIRA DE DESASTRES (COBRADE)”, contendo uma tabela com os fenômenos que podem causar “Desastres Naturais”, entre eles o grupo biológico, conforme segue: “A categoria   Desastres Naturais   divide-se em cinco Grupos, treze Subgrupos, vinte e quatro Tipos e vinte e três Subtipos: (…) 5. Biológicos 1. 5.1. Epidemias 1.5.1.1.0. Doenças infecciosas virais”. Não há, pois, como afastar a epidemia da COV-19 da condição de desastre natural. Há, pois, direito à movimentação da conta vinculada junto ao Fundo, uma vez que estão preenchimento os requisitos constantes no inciso XVI do artigo 20 da Lei nº 8.036/90. A urgência do provimento decorre do risco evidente à sobrevivência material do reclamante   e de sua família, em um momento como o que estamos enfrentando.   CONCLUSÃO: DEFIRO a tutela jurisdicional pleiteada, para o efeito de DETERMINAR que a presente decisão VALE COMO ALVARÁ para saque de todos os valores existentes na conta vinculada  ao FGTS, pertencentes a LUIZ CARLOS JARDOSIM DA ROSA. Para cumprimento do procedimento administrativo necessário ao saque, a CEF deverá obter os dados necessários diretamente na CTPS do reclamante. Dispenso o recolhimento de custas (fixadas em R$ 20,00), em razão do benefício da gratuidade da justiça que ora defiro à parte autora, cuja necessidade material que justifica a demanda é já   suficiente para revelar o preenchimento das condições legais para tanto.   Intime-se   a Caixa   Econômica Federal acerca da presente decisão, na condição de interessada. requerente. PORTO ALEGRE/RS, 02 de junho de 2020. VALDETE SOUTO SEVERO Juíza do Trabalho Titular

DECISÃO - Habeas Corpus Coletivo Preventivo - BA

Número: 8054177-56.2020.8.05.0001   Classe: HABEAS CORPUS Órgão julgador: PLANTÃO JUDICIÁRIO Última distribuição : 28/05/2020 Valor da causa: R$ 100,00 Assuntos: COVID-19 Segredo de justiça? NÃO Justiça gratuita? SIM Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM Processo: HABEAS CORPUS n. 8054177-56.2020.8.05.0001 Órgão Julgador: PLANTÃO JUDICIÁRIO IMPETRANTE: ACEBA - ASSOCIACAO DE DEFESA DOS DIREITOS DOS CONSUMIDORES DO ESTADO DA BAHIA e outros Advogado(s): HENRIQUE LUIZ LOPES QUINTANILHA (OAB:0060163/BA) IMPETRADO: PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SALVADOR Advogado(s): SENTENÇA  Vistos, etc. Cuida-se de Habeas Corpus Coletivo Preventivo ajuizado por Henrique Quintanilha e Associação dos Consumidores do Estado da Bahia – ACEBA em favor dos cidadãos soteropolitanos em face do Prefeito do Município do Salvador, Antonio Carlos Peixoto de Magalhães Neto. Os impetrantes apresentam breve histórico sobre a situação da pandemia do novo coronavírus, causador da doença conhecida como COVID-19, ressaltando que em 04 de fevereiro de 2020 foi declarado pelo Governo Federal Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional , nos termos do Decreto nº 10.211\2020 , convertido na Lei 13.979\2020 e que, em 11 de março de 2020 a Organização Mundial de Saúde classificou da doença como “pandemia”. Destacam que, mesmo neste contexto, foram mantidos os festejos do carnaval em Salvador com abertura oficial em 20 de fevereiro de 2020. Afirma que após o carnaval, a autoridade coatora passou a implementar política pública de isolamento, como o fechamento da orla da Pituba e que passou a baixar “decretos inconstitucionais” e atos administrativos determinando o fechamento de estabelecimentos comerciais. Ressalta, por fim, que a autoridade coatora tem proferido “ameaças” constantes via imprensa no sentido de obrigar a realização de testes de saúde e fechamento de ruas em desconformidade com a ordem democrática. Afirma que há risco iminente de realização de prisões de cidadãos no exercício do direito de ir e vir, razão pela qual requer: PEDIDO DE LIMINAR, para DETERMINAR à Autoridade Coatora, quem seja, o Sr. PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SALVADOR, que se ABSTENHA de praticar qualquer ato, administrativo em sentido estrito ou ato concreto da Administração, ainda que em exercício de “poder de polícia”, direta ou indiretamente, pessoalmente ou por interpostos agentes públicos, que POSSAM VIR A LIMITAR, EM QUALQUER ÂMBITO, SENTIDO, ALCANCE OU ESPECTRO, (I) A LIBERDADE DE IR E VIR, E FICAR, DE QUALQUER CIDADÃO SOTEROPOLITANO OU ESTRANGEIRO RESIDENTE EM SALVADOR, COM OS SEUS BENS, EM LOCOMOÇÃO MECÂNICA PESSOAL OU POR MEIO DE AUTOMÓVEIS, INDIVIDUALMENTE OU EM “CARREATAS”, NOS TERMOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 5º, SEJA POR QUAL MOTIVO FOR, A EXEMPLO DE MOTIVO DE CRENÇA RELIGIOSA, FILOSÓFOCA OU POLÍTICA, (CF/88, ART. 5º, VIII E XV), BEM COMO (II) OS CORRELATOS DIREITO DE REUNIÃO, MANIFESTAÇÃO OU PROTESTO, AINDA QUE VENHAM JUSTFICADOS POR DECRETOS MUNICIPAIS REGULAMENTARES OU INDIVIDUAIS, OU COM QUALQUER OUTRO NOME OU RÓTULO, E AINDA, POSSÍVEIS AUTOS DE INFRAÇÃO (MULTA) CONTRA CIDADÃOS PESSOAS FÍSICAS, BEM COMO (III) POSSÍVEL APLICAÇÃO DE “TOQUE DE RECOLHER”, COMO JÁ VEM SENDO ADOTADO EM OUTROS MUNICÍPIOS DO ESTADO DA BAHIA, MOTIVADOS OU NÃO POR PREVENÇÃO DE COVID-19, QUE ESTEJAM SENDO OU VENHAM A SER PRATICADOS PELA PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SALVADOR OU PELOS ÓRGAOS OU ENTIDADES A SI SUBORDINADOS OU VINCULADOS, RESPECTIVAMENTE a partir desta data. Posteriormente, apresentam os impetrantes aditamento da inicial destacando que a autoridade coatora interpreta de forma equivocada o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 6341, assim como desrespeita os Decretos Presidenciais nº 10.282\2020 e 10.344\2020 que versa sobre atividades essenciais. Requerem, de forma complementar: expedição de salvo-conduto coletivo no sentido de PROIBIR que a Administração Municipal, por meio de seu Prefeito (Autoridade Coatora) ou subordinados seus, em órgãos municipais, ou entidades municipais que lhe sejam vinculadas, edite qualquer medida que ATENTE CONTRA aquelas previstas exclusivamente na Lei 13.979/20 e nos termos em que regulamentadas pelos decretos presidenciais, da União, inclusive quanto às suas “atividades essenciais”, nos termos da Medida Cautelar confirmada por maioria em Plenário do STF na ADI 6341, e normas do Ministério da Saúde (MS) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA); expedição de salvo-conduto no sentido de PERMITIR E GARANTIR, SOB PENA DE MULTA DE R$ 100.000 (CEM MIL REAIS) POR CADA VIOLAÇÃO, sem prejuízo de outras sanções processuais mais gravosas, que TODO CIDADÃO MORADOR OU RESIDENTE DO MUNICÍPIO DE SALVADOR possa andar, ficar ou locomover-se livremente a pé, de bicicleta, de motocicleta ou de automóvel, bem como praticar a mercancia das atividades autorizadas pelos decretos presidenciais regulamentares da Lei 13.979/20 de número 10.282, de 20 de março de 2020, e de número 10.344, de 11 de maio de 2020 (CF/88, Art. 170, parágrafo único e ADI 6342 do STF), É o relatório. Inicialmente, verifica-se , conforme noticiado nos autos, a competência para o julgamento na primeira instância, face a ausência de previsão “atrativa de competência originária da Seção Criminal para o processamento de habeas corpus preventivo coletivo de natureza constitucional–administrativa, contra ato de Prefeito Municipal”, conforme decisão monocrática, id. 7344152 - Pág. 8. Da Legitimidade Ativa e Cabimento.   No presente caso, o HC coletivo preventivo foi ajuizado por Henrique Quintanilha e Associação dos Consumidores do Estado da Bahia – ACEBA em favor dos cidadãos soteropolitanos, requerendo que o Prefeito de Salvador se abstenha da tomada de medidas administrativas de restrição da liberdade. Cumpre, ab initio, reconhecer que ambos os impetrantes não possuem legitimidade para a representação do interesse coletivo em nome dos “cidadãos soteropolitanos”. Com efeito, as hipóteses de substituição processual possuem previsão legal e não se aplicam a ambos os impetrantes, que não são legitimados para agir em nome próprio no interesse da referida coletividade. Destaque-se ainda a ausência de cabimento, haja vista que o Habeas Corpus, ainda que coletivo e preventivo, não é medida processual cabível para discutir medida de caráter geral e abstrato, tal como as medidas questionadas nestes autos. Com efeito, o HC não pode ser utilizado como sucedâneo de eventual representação de inconstitucionalidade ou ação de descumprimento de preceito fundamental. Assim que, em especial quanto ao pedido referente de que o Prefeito se abstenha de expedir atos de caráter geral e abstrato referentes ao isolamento da população de Salvador, o remédio não é cabível. De igual forma, não se admite a utilização para garantia de salvo conduto a pessoa indeterminada, como querem os requerentes nos pedidos acrescidos no aditamento da exordial. O paciente do HC coletivo, ainda que plúrimo, deve ser uma coletividade determinada e identificável, o que difere da determinação genérica dos “cidadãos soteropolitanos”. Ainda que reconhecida a ilegitimidade e não cabimento do presente HC, cumpre fazer as seguintes considerações sobre o pedido formulado subsidiariamente. Do Contexto Fático. O presente habeas corpus coletivo preventivo dá-se, conforme narrado na exordial, no contexto da pandemia do vírus COVID-19, reconhecida pela Organização Mundial de Saúde. Dispensa-se narrar o histórico, constante da inicial, sendo todavia relevante para análise das medidas requeridas apresentar a situação atual da pandêmia no Brasil e, mais especificamente na cidade de Salvador, local das medidas preventivas requeridas. No Brasil, conforme dados adquiridos através do sítio virtual Johns Hopkins ( https://coronavirus.jhu.edu/map.html ), nesta data tem-se o total de 438.238 casos de COVID- 19 registrados e 26.754 óbitos ocorridos em razão da doença. Na Bahia, conforme dados apresentados pela Secretaria de Saúde até a data de 28. 05.2020, foram registrados 15.963 casos de Coronavírus e 39 óbitos em razão da doença. Em Salvador, consta em dados fornecidos pelo Ministério da Saúde que foram notificados 10.006 casos de COVID-19 com 390 óbitos em razão da doença. Não é demasiado pontuar que, conforme informa a autoridade coatora, Prefeito de Salvador, em reiterados pronunciamentos na imprensa ( https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/05/04/acm-neto-preve-colapso-do-sistema-d ; https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/05/15/acm-neto-diz-que-salvador-conseguiu-adiar-colapso-no-s ; http://coronavirus.atarde.com.br/sistema-de-saude-em-salvador-ainda-pode-entrar-em-colapso-diz-prefeito/ ), a preocupação do Poder Público municipal concentra-se na tentativa de evitar o colapso do sistema de saúde, caracterizado pela situação de falta de leitos e, em especial, leitos de Unidade de Tratamento Intensivo – UTI, seja para pacientes com o Corona vírus ou para pacientes acometidos de outras enfermidades, de forma a aumentar o número de óbitos. A fim de garantir o acompanhamento, baseado em dados e evidências científicas, do andamento da doença e medidas de enfretamento a serem tomadas, foi criado o Comitê Científico de Combate ao Coronavírus, que no dia 21 de maio de 2020 (https://drive.google.com/file/d/1vIMq3jqRzxmzyYgi9FTJRWsIpkTDe5-n/view ) expediu as seguintes recomendações: “Em razão da continuidade de curvas crescentes de casos e óbitos em toda a região Nordeste, o Comitê Científico de Combate ao Coronavírus continua apoiando, de forma unânime, a manutenção e ampliação das medidas de isolamento social como única forma eficiente de reduzir o número de contágios e evitar a sobrecarga e o colapso dos sistemas de saúde. A manutenção e ampliação desta medida se faz ainda mais urgente com a constatação do aumento de casos de dengue e chikungunya em toda a região Nordeste e no resto do país (ver item 4, abaixo). Além desta recomendação genérica, o Comitê Científico se sente na obrigação profissional de alertar que em vários estados, capitais e municípios específicos da região Nordeste, todos os critérios (curva ascendente de casos e óbitos e ocupação de leitos de UTIs e/ou enfermarias superior a 80%) para adoção do isolamento mais restritivo (conhecido pelo termo em inglês lockdown), aprovados e publicados por este Comitê, já foram preenchidos. Portanto, a partir de hoje estas localidades podem ter que utilizar esta medida para diminuir as curvas de expansão da pandemia e evitar uma velocidade ainda maior no número de óbitos. Neste primeiro momento, o Comitê julga que as condições para o lockdown, já utilizado em diferentes formatos em São Luiz, Fortaleza e na área metropolitana do Recife, também já se fazem presentes na área metropolitana de João Pessoa (83-88% de ocupação de leitos de UTI nas últimas 48h) e em Campina Grande (83% de ocupação de leitos de UTI), no estado da Paraíba, nas cidades de Mossoró e Natal, no estado do Rio Grande do Norte e nas cidades de Arapiraca (85-92% dos leitos de enfermaria ocupadas nas últimas 48h) e São Miguel dos Campos (91% dos leitos de enfermaria ocupados) no estado de Alagoas. Salvador, na Bahia, chegou no limite ao atingir 80%dos leitos de UTI ocupados no dia 20 de maio. Esta é uma recomendação científica para os governadores e prefeitos dos estados e cidades supracitados, cabendo a esses gestores decidir pela sua implementação ou não. Para oferecer subsídios para o planejamento de eventuais lockdowns acrescidos de barreiras sanitárias nas principais rodovias do Nordeste, o Comitê disponibiliza neste Boletim a análise dos principais entroncamentos rodoviários de cada Estado, níveis de isolamento social em todo Nordeste, bem como distribuição geográfica de casos e óbitos na região (Figura 1). O mapa e a análise de fluxos pelos principais entrocamentos rodoviário também podem ser usados para selecionar os alvos de ações localizadas, por parte de cada governo estadual, para impedir o contínuo fluxo de casos para localidades do interior que ainda possuem um número reduzido de pacientes infectados.” (grifo nosso) Ressalte-se que o referido informativo, conforme grifo, trata especificamente da situação da capital soteropolitana indicando o alto índice de ocupação dos leitos na cidade. Neste cenário, amplo tem sido o debate sobre a colizão de direitos fundamentais verificadas entre as medidas para prevenção do contágio do COVID-19 e os direitos e liberdades individuais , conforme apontado no presente HC. Da atribuição para implementação de políticas públicas de proteção à saúde.   Cumpre destacar que a questão sobre a atribuição de governadores e prefeitos para a tomada de medidas para a proteção da saúde já foi devidamente analisada e decidida no âmbito do Supremo Tribunal Federal, nos termos da decisão proferida na ADI nº 6341, cuja ata de julgamento reproduzo a seguir: Decisão: O Tribunal, por maioria, referendou a medida cautelar deferida pelo Ministro Marco Aurélio (Relator), acrescida de interpretação conforme à Constituição ao § 9º do art. 3º da Lei nº 13.979, a fim de explicitar que, preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do inciso I do art. 198 da Constituição, o Presidente da República poderá dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais, vencidos, neste ponto, o Ministro Relator e o Ministro Dias Toffoli (Presidente), e, em parte, quanto à interpretação conforme à letra b do inciso VI do art. 3º, os Ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux. Redigirá o acórdão o Ministro Edson Fachin. Falaram: pelo requerente, o Dr. Lucas de Castro Rivas; pelo amicus curiae Federação Brasileira de Telecomunicações – FEBRATEL, o Dr. Felipe Monnerat Solon de Pontes Rodrigues; pelo interessado, o Ministro André Luiz de Almeida Mendonça, Advogado-Geral da União; e, pela Procuradoria-Geral da República, o Dr. Antônio Augusto Brandão de Aras, Procurador-Geral da República. Afirmou suspeição o Ministro Roberto Barroso. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Plenário, 15.04.2020 (Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução 672/2020/STF). Sobre a decisão, consta do Informativo disponibilizado no sítio virtual do Supremo Tribunal Federal (http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo973.htm ): O Plenário, por maioria, referendou medida cautelar em ação direta, deferida pelo ministro Marco Aurélio (Relator), acrescida de interpretação conforme à Constituição ao § 9º do art. 3º da Lei 13.979/2020, a fim de explicitar que, preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do inciso I do art. 198 da Constituição Federal (CF) (1), o Presidente da República poderá dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais. A ação foi ajuizada em face da Medida Provisória 926/2020, que alterou o art. 3º, caput, incisos I, II e VI, e parágrafos 8º, 9º, 10 e 11, da Lei federal 13.979/2020 (2). O relator deferiu, em parte, a medida acauteladora, para tornar explícita, no campo pedagógico, a competência concorrente. Afirmou que o caput do art. 3º sinaliza a quadra vivenciada, ao referir-se ao enfrentamento da emergência de saúde pública, de importância internacional, decorrente do coronavírus. Mais do que isso, revela o endosso a atos de autoridades, no âmbito das respectivas competências, visando o isolamento, a quarentena, a restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por rodovias, portos ou aeroportos de entrada e saída do País, bem como locomoção interestadual e intermunicipal. Sobre os dispositivos impugnados, frisou que o § 8º versa a preservação do exercício e funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais; o § 9º atribui ao Presidente da República, mediante decreto, a definição dos serviços e atividades enquadráveis, o § 10 prevê que somente poderão ser adotadas as medidas em ato específico, em articulação prévia com o órgão regulador ou o poder concedente ou autorizador; e, por último, o § 11 veda restrição à circulação de trabalhadores que possa afetar o funcionamento de serviços púbicos e atividades essenciais. Assinalou que, ante o quadro revelador de urgência e necessidade de disciplina, foi editada medida provisória com a finalidade de mitigar-se a crise internacional que chegou ao Brasil. O art. 3º, caput, remete às atribuições, das autoridades, quanto às medidas a serem implementadas. Não vislumbrou transgressão a preceito da Constituição. Ressaltou que as providências não afastam atos a serem praticados por estados, o Distrito Federal e municípios considerada a competência concorrente na forma do art. 23, inciso II, da CF (3). E, por fim, rejeitou a alegação de necessidade de reserva de lei complementar. O Tribunal conferiu interpretação conforme à Constituição ao § 9º do art. 3º da Lei 13.979/2020, vencidos, quanto ao ponto, o ministro relator e o ministro Dias Toffoli. A Corte enfatizou que a emergência internacional, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), não implica, nem menos autoriza, a outorga de discricionariedade sem controle ou sem contrapesos típicos do estado de direito democrático. As regras constitucionais não servem apenas para proteger a liberdade individual e, sim, também, para  o exercício da racionalidade coletiva, isto é, da capacidade de coordenar as ações de forma eficiente. O estado de direito democrático garante também o direito de examinar as razões governamentais e o direito da cidadania de criticá-las. Os agentes públicos agem melhor, mesmo durante as emergências, quando são obrigados a justificar suas ações. O exercício da competência constitucional para as ações na área da saúde deve seguir parâmetros materiais a serem observados pelas autoridades políticas. Esses agentes públicos devem sempre justificar as suas ações, e é à luz dessas ações que o controle dessas próprias ações pode ser exercido pelos demais Poderes e, evidentemente, por toda sociedade. Sublinhou que o pior erro na formulação das políticas públicas é a omissão, sobretudo a omissão em relação às ações essenciais exigidas pelo art. 23 da CF. É grave do ponto de vista constitucional, quer sob o manto de competência exclusiva ou privativa, que sejam premiadas as inações do Governo Federal, impedindo que estados e municípios, no âmbito de suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais. O Estado garantidor dos direitos fundamentais não é apenas a União, mas também os estados-membros e os municípios. Asseverou que o Congresso Nacional pode regular, de forma harmonizada e nacional, determinado tema ou política pública. No entanto, no seu silêncio, na ausência de manifestação legislativa, quer por iniciativa do Congresso Nacional, quer da chefia do Poder Executivo federal, não se pode tolher o exercício da competência dos demais entes federativos na promoção dos direitos fundamentais. Assentou que o caminho mais seguro para identificação do fundamento constitucional, no exercício da competência dos entes federados, é o que se depreende da própria legislação. A Lei 8.080/1990, a chamada Lei do SUS - Sistema Único de Saúde, dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde e assegura esse direito por meio da municipalização dos serviços. A diretriz constitucional da hierarquização, que está no caput do art. 198 da CF, não significou e nem significa hierarquia entre os entes federados, mas comando único dentro de cada uma dessas esferas respectivas de governo. Entendeu ser necessário ler as normas da Lei 13.979/2020 como decorrendo da competência própria da União para legislar sobre vigilância epidemiológica. Nos termos da Lei do SUS, o exercício dessa competência da União não diminui a competência própria dos demais entes  da Federação na realização dos serviços de saúde; afinal de contas a diretriz constitucional é a municipalização desse serviço. O colegiado rejeitou a atribuição de interpretação conforme à Constituição ao art. 3º, VI, "b", da Lei 13.979/2020, vencidos, no ponto, os ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux. Para eles, desde que a restrição excepcional e temporária de rodovia intermunicipal seja de interesse nacional, a competência é da autoridade federal. Porém, isso não impede, eventualmente, que o governo estadual possa determinar restrição excepcional entre rodovias estaduais e intermunicipais quando não afetar o interesse nacional, mas sim o interesse local. Da análise da decisão proferida pela corte constitucional, extrai-se que em razão da competência concorrente para legislar sobre a saúde, nos termos do artigo 23, XII da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal reputou constitucionais as medidas tomadas por Governadores e Prefeitos para prevenção do contágio pelo novo coronavírus, inclusive as medidas de determinação de isolamento, fechamento de comércio ou de vias públicas, desde que devidamente respaldadas por dados, evidências e informações de natureza científica. Conquanto esteja certo o impetrante em ressaltar que a referida decisão não confere “carta branca” aos governadores e prefeitos para tomar medidas que restrinjam as liberdades individuais de forma arbitrária, tal arbitrariedade não restou evidenciada no caso dos autos , na medida em que, no âmbito da cidade de Salvador, conforme dados acima apresentados, as medidas já tomadas, assim como aquelas anunciadas, encontram-se dentro do patamar de razoabilidade, dado o contexto apresentado por dados e evidências científicas que apontam as medidas de isolamento como as mais indicadas para prevenir o contágio e evitar o colapso do sistema de saúde. Em verdade, diante dos fatos apresentados, a inércia e a inação da autoridade coatora, diante de contexto de tamanha gravidade, é que ensejaria a intervenção do Poder Judiciário, seja para suprir eventual omissão, seja para, posteriormente, responsabilizar pelos danos causados. Ressalte-se que, nos termos da inicial, os impetrantes apresentam questionamento quanto ao descumprimento pelo prefeito de Salvador quanto aos Decretos Presidenciais nº 10.282\2020 e 10.344\2020 que versa sobre atividades essenciais. Tal alegação encontra resposta no âmbito do mesmo julgado acima relatado, haja vista que ,reconhecida a competência concorrente para implementação da política pública de saúde, evidente que compete à autoridade local compatibilizar as determinações do Decreto presidencial com a realidade local do município. Em verdade, os referidos decretos, conforme informação de conhecimento público, sequer passaram pela análise e escrutínio do Ministro da Saúde à época em que foram editados, de forma que, estes sim, encontram-se em desconformidade com a decisão do Supremo Tribunal Federal, por desconsiderarem as evidências de estudos científicos reiteradamente apresentados. Dessa forma, ainda que indiquem a posição do governo federal quanto à reabertura das referidas atividades tidas como essenciais, os referidos decretos não têm o condão de retirar dos Governadores e dos Prefeitos a atribuição para seguir atuando dentro da competência concorrente existente, em especial quando o fazem com fundamento nas informações e evidências científicas e em sentido de maior proteção aos direitos fundamentais à vida e à saúde.   Da Colisão de Direitos Fundamentais e existência de ameaça ao direito de liberdade dos cidadãos soteropolitanos. Verificado o contexto fático e a existência de atribuição da autoridade coatora para a edição de atos administrativos para contenção da pandemia do vírus COVID-19, cumpre analisar a existência de efetiva ameaça à liberdade dos cidadãos soteropolitanos que justifique a concessão da medida liminar em sede de Habeas Corpus Coletivo. Embora o peticionante afirme não se tratar esta hipótese de colisão de direitos fundamentais, mas apenas de grave risco de violação à liberdade, o contexto fático assinalado evidencia de forma flagrante que, conforme todos os dados e informações produzidas pela comunidade acadêmica, o isolamento de pessoas foi a única medida que se mostrou, até o presente momento, eficaz para conter o contágio do Coronavírus e, desta forma, evitar o colapso do sistema de saúde. Diante deste cenário, não restam dúvidas de que há uma colisão entre o direito de liberdade individual, defendido no âmbito deste HC coletivo preventivo, e o direito à vida e saúde, ambos de natureza fundamental. Neste sentido, as restrições impostas ao direito de liberdade individual, em sua integralidade, até o presente momento, foram devidamente fundamentadas na necessidade de proteção da vida e saúde coletiva, de forma que, ainda que não se possa jamais falar em uma supremacia de um direito fundamental sobre outro, é plenamente lícita e constitucional a restrição de um direito fundamental para a garantia de outro, como no caso em tela. As medidas tomadas e mesmo as anunciadas, longe de ferir a ordem democrática, como indica o peticionante, encontram-se em plena concordância com o texto constitucional, na medida que visam garantir a vida e saúde da população soteropolitana, sendo devidamente motivadas pelos dados científicos apresentados. Note-se que o discurso de que a liberdade é bem maior que não pode ser restringido não tem eco na ordem constitucional que determina a concordância e convivência dos direitos fundamentais. Ademais, diante do cenário de pandemia da COVID-19, é de se questionar que liberdade defende o peticionate. Acaso trata da liberdade de contaminar outros concidadãos expondo ao risco suas vidas? Ou da liberdade de abertura de estabelecimentos comerciais, obrigando trabalhadores ao retorno de suas atividades e expondo ao risco do contágio estes e seus familiares ? Afirma o peticionante que tem como principais tutelados por este HC coletivo preventivo os trabalhadores informais, que necessitam sair de suas casas para garantia do sustento diário. Não se pode deixar de verificar que, muitas das medidas de restrição tomadas pelo Prefeito de Salvador, têm sido tomadas no âmbito de bairros de menor capacidade econômica, onde o indíce de contágio da doença tem sido mais alto. Com efeito, em casas com maior número de pessoas, com dificuldade de acesso à itens básicos de higiene, até mesmo água, verifica-se que o Coronavírus tem apresentado maior índice de contágio nestas localidades, assim como um maior índice de mortalidade na população negra. Não por coincidência, são estas as áreas em que se encontra também os maiores índices do trabalho informal, defendido pelo peticionante. Todavia, ao contrário do defendido, a política do município, estado ou do governo federal em relação a esta população deve andar no sentido de garantir-lhe o mínimo existencial previsto na Constituição Federal, inclusive mediante o pagamento de auxílios pecuniários que possam garantir a permanência segura em suas residências, e não de flexibilizar medidas que as exponham ainda mais sua vida e sua segurança. Não há exagero em dizer que a omissão das autoridades, sejam municipais, estaduais ou federais, no âmbito de uma pandemia de escala mundial representa verdadeira materialização da necropolítica em relação à população econômica e socialmente vulnerável (conforme bem referido em recente decisão do Ministro Rogério Schietti Cruz, do STJ, no HC 580.653/PE). A pretensão do presente HC coletivo preventivo, acaso acolhida, não teria outro efeito senão levar adiante tão nefasto projeto, em especial na cidade de Salvador, em desfavor população negra e periférica (https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/afp/2020/05/07/no-brasil-negros-sao-fortemente-atingido de forma que o deferimento da liminar tornaria ainda mais precária a situação dessas pessoas em meio à emergência de saúde pública ora vivenciada. A defesa da liberdade, tal como realizada pelos impetrantes, afasta-se do conceito positivo de liberdade, entendido como aquele que autoriza o cidadão a fazer o que está na sua esfera de disponibilidade e passa ao conceito negativo de liberdade, no qual o cidadão pretende agir , atingindo a esfera de direito de terceiros. Esta última, com efeito, não encontra respaldo e guarida na ordem constitucional brasileira. Feitas as considerações em razão da relavância da matéria cumpre reiterar a ausência de legitimidade e cabimento da presente ação, já analisadas de ofício. À vista do exposto, JULGO, por sentença, o Habeas Corpus coletivo preventivo para determinar sua extinção sem julgamento do mérito, face ao reconhecimento da ilegitimidade dos impetrantes e ausência de cabimento da medida, aplicando subsidiariamente as normas do código de processo civil. Confiro a esta sentença força de mandado de intimação.   Intime-se os impetrantes e a autoridade coatora apontada. Publique-se. Registre-se. Intime-se. SALVADOR - REGIÃO METROPOLITANA/BA, 29 de maio de 2020. Emília Gondim Teixeira Juíza Plantonista

DECISÃO - Liberação do grupo de risco de COVID 19 - RJ

Vistos. Trata-se de ação civil pública interposta por SINDICATO DOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO em face de 1) ORGANIZAÇÃO SOCIAL INSTITUTO GNOSIS; 2) SPDM- ASSOCIACAO PAULISTA PARA O DESENVOLVIMENTO DA MEDICINA, CENTRO DE EXCELENCIA EM POLITICAS PUBLICAS – CEPP; 3) IDEAS - INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL E AÇÃO SOCIAL E 4) FIOTEC - FUNDACAO PARA O DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLOGICO EM SAUDE na qual requer, em sede de antecipação de tutela, a liberação de todos os substituídos, enquadráveis no grupo de risco para a COVID 19, de comparecer ao trabalho. A legitimidade ativa e o cabimento da medida encontram-se amparados pelos textos legais vigentes no ordenamento pátrio (Lei 7.347/85  c/c Lei 8078/90) que apontam a presente medida (ação civil pública) como o meio adequado para buscar provimento jurisdicional diante de lesão a direitos individuais homogêneos, coletivos e/ou difusos e, ainda, apontam as associações sindicais como uma das legitimadas para  seu ajuizamento. A partir da narrativa trazida pela parte autora depreende-se ser esse o objeto da pretensão, na medida em que pretende a concessão de provimento jurisdicional, que retire, dos substituídos que se encontrem no grupo de risco para a COVID 19, a obrigatoriedade de comparecer ao trabalhado. Desvela-se, pois, pretensão que abarca direitos coletivos e difusos dos substituídos. Assim, satisfeitos os pressupostos processuais, passo à análise do pedido liminar formulado. Em 11/03/2020, a OMS (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE) reconheceu que está em curso pandemia mundial causada pela COVID-19.[1] Diante desse cenário, protocolos mundiais foram sugeridos pela OMS no combate à pandemia, dentre as quais a necessidade de isolamento social e de proteção aos profissionais de saúde que atuem na linha de frente ao combate à pandemia. No mesmo sentido, as orientações advindas do Ministério da Saúde, da Nota Técnica Conjunta nº 2/2020 da Procuradoria Geral do Trabalho – CONAP - Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública e do Decreto do Governo do Estado do Rio de Janeiro de nº 46.973 de 16/03/2020 orientam quanto à necessidade de adoção do isolamento social e de proteção ao trabalhador que atua em atividades ditas essenciais (ou seja, aquelas que não podem curvar-se ao isolamento social). Registre-se, ainda, que, em 20 de março de 2020, ficou reconhecido, pela República Federativa do Brasil, o estado de calamidade pública, nos termos do Decreto Legislativo de nº 06/2020, com efeitos até 31 de dezembro de 2020. Por sua vez, o estado de calamidade pública, para fins trabalhistas, foi reconhecido como hipótese de força maior, nos termos do disposto no artigo 501 da Consolidação das Leis do Trabalho, como se depreende dos termos da Medida Provisória n.º 927/2020, em seu artigo 1º, parágrafo único, e do Decreto Legislativo n.º 06/2020. Na data de hoje (25/05/20), o Brasil conta com 367.906 casos de COVID-19, com 22.965 mortes, ocupando, tragicamente, o segundo lugar no mundo em termos de contágio.[2] Pois bem, diante dos esforços mundiais que estão sendo implementados para o combate à pandemia, foram constatadas condições clínicas de risco para o desenvolvimento de infecção grave causada pela COVID-19 em pessoas com algumas dessas características: 1) idade igual ou superior a 60 anos; 2) cardiopatias graves ou descompensadas: insuficiência cardíaca; cardiopatia isquêmica e arritmias; 3) pneumopatias graves ou descompensadas: em uso de oxigênio domiciliar; asma moderada/grave; DPOC; 4) imunodepressão; 5)doenças renais crônicas; 6) doenças hepáticas em estágio avançado; 7) diabetes mellitus, conforme juízo clínico; 8) obesidade com IMC ≥ 40; 9) doenças cromossômicas com estado de fragilidade imunológica e 10) gestação.[3] No mesmo sentido, consta no boletim epidemiológico emitido pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, publicado em 06 de abril de 2020, disponível em www.saude.gov.br , acessada em 25/05/2020, que estão no grupo de risco: pessoas com mais de sessenta anos, cardiopatas, portadores de asma moderada e grave, imunodeprimidos (aqui incluídos os que estão submetidos a tratamento quimioterápico), doentes renais crônicos, diabéticos e gestantes. Além dos grupos de risco descritos acima, o Ministério da Saúde orienta que lactantes sem comorbidades, que atuem como profissionais de saúde no combate à COVID-19, sejam realocadas de função, para atividades de gestão ou apoio, de forma a minimizar a chance de contato com pessoas ou ambientes contaminados, preferencialmente em trabalho remoto, diante dos riscos decorrentes do estado de lactantes.[4] Assim, dentro da cena inaugurada pela pandemia decorrente do COVID-19, o Ministério da Saúde recomenda o afastamento laboral de profissionais que apresentem condições clínicas de risco para infecção grave por COVID-19.[5] A pretensão autoral deve ser analisada a luz do cenário gerado pela COVID-19 e ainda a luz do paradigma inaugurado pela Constituição Federal de 1988 (em especial o contido nos artigos 5º e 196, que garantem a todos o direito à saúde e, ainda, o artigo 225, que garante a todos trabalhadores meio de ambiente de trabalho salubre). Entram em cena as significações passíveis de serem realizadas pelas agências judiciais para a construção da norma jurídica, norma aí compreendida como produto da interpretação dos textos legais. Nesse sentido, o processo de compreensão (e, portanto, de produção de sentidos) não opera fora da história. No Brasil, a situação hermenêutica do intérprete é fixada pelo Estado Democrático de Direito, consubstanciado pela Constituição Federal de 1988. Democracias constitucionais presentificam o direito dos cidadãos serem julgados a partir do campo semântico intersubjetivamente construído pelo processo democrático. Dito de outra forma: o processo democrático exige que as agências judiciais, no momento da atribuição de sentidos ao texto, observem os limites semânticos intersubjetivamente estabelecidos. Interpretações que não permitam o acontecer do texto constitucional, quando promovidas pelo Judiciário, instituem um problema de cunho democrático, na medida em que afastam os consensos construídos democraticamente por atitude de um membro destituído de qualquer legitimidade democrática.  Assim, no paradigma democrático, as agências judiciais devem concretizar o projeto constitucional, buscando sentidos dentro dos limites constitucionalmente fixados. Ultrapassar tais limites e permitir que os sentidos atribuídos à constituição sejam elaborados à revelia do processo democrático é contrário os marcos de um Estado Democrático de Direito. Dessa forma, para fins de produção de sentido, em sede de decisão judicial, entram em cena os constrangimentos linguísticos-epistemológicos que interpelam ao intérprete a aceitar sua posição enquanto ente que compartilha sentidos.[6] No paradigma democrático,  a linguagem não está a disposição das agências judiciais quando da produção de sentidos.[7] Uma vez desvelados os limites para as significações promovidas pelas agências judiciais dentro do paradigma democrático, vejamos a pretensão autoral: O risco à saúde de todos, diante do cenário de pandemia causada pela COVID-19, é incontroverso. A ciência médica desvela, ainda, que a COVID-19 se manifesta de forma extremamente grave, com risco de evoluir para óbito, para pessoas do grupo de risco, o que evidencia que, para um grupo de pessoas, a COVID-19 implica riscos maiores (quando comparado aos riscos vivenciados pelas pessoas que não estão nos grupos de risco). Justamente por essa razão, o Ministério da Saúde, conforme visto acima, recomendou o afastamento laboral de profissionais que apresentassem condições clínicas de risco para infecção grave por COVID-19.[8] Diante de tal quadro, pergunta-se: qual o fundamento constitucional (lembremo-nos que o intérprete, no paradigma democrático, não produz sentidos de forma incondicionada, mas balizado pelo paradigma constitucional) para retirar os substituídos de tal proteção? Será que o fato de atuarem em atividades essenciais exsurge como elemento que impeça que façam jus ao mesmo tratamento deferido aos demais trabalhadores? Dito de outro modo: há no caso, elemento que permita tratamento diferenciado a esses profissionais? É evidente que a isonomia não se restringe a um aspecto meramente formal. A isonomia, em sua dimensão material, evidencia que, em casos nos quais os sujeitos não estejam em  condições similares (como, por exemplo, na política de cotas), há justificativa para que recebam tratamento diferenciado por parte do Estado. Nesses casos, o tratamento diferenciado é justamente aquele que vai permitir (mais uma vez o exemplo da política de cotas mostra-se didático) que a isonomia (material) seja alcançada. Pois bem, no caso dos autos, pergunta-se: qual o fundamento constitucional – diante do princípio da isonomia – que justifique que os substituídos, que se encontrem nas situações de risco para a COVID-19, não tenham a saúde tutelada da mesma forma dos demais trabalhadores brasileiros? O fato de tais profissionais atuarem em atividades essenciais exsurge, por si só, como impeditivo da concretização da isonomia? Há aqui a mesma situação base (como na política de cotas, por exemplo) que justifique tratamento diferenciado para esses profissionais? A resposta é dada pela norma emanada do texto constitucional: o direito à saúde é direito fundamental de TODOS OS BRASILEIROS. O direito ao meio ambiente de trabalho salubre é direito de TODOS OS TRABALHADORES BRASILEIROS. Não há fundamento constitucional que permita excluir os profissionais que exerçam atividades essenciais para o combate a COVID-19 de tais garantias. E isso se justifica na medida em que há condições de possibilidade de que as atividades essenciais para o combate a COVID-19 (ora prestadas pelos substituídos que estejam no grupo de risco) continuem sendo prestadas (apenas o serão de forma diversa). O que está em jogo, portanto, é apenas a forma mediante a qual as atividades dos réus serão prestadas. O que se busca é um meio de conferir aos trabalhadores inseridos no grupo de risco a mesma proteção conferida aos demais trabalhadores. Pergunta-se, pois: é possível que as atividades prestadas pelos réus continuem a ser prestadas sem que isso implique em risco para os agentes comunitários de saúde que se encontrem no grupo de risco? A resposta é positiva, seja por meio de contratações emergenciais de pessoas que não estejam no grupo de risco (algo que é previsto em lei); seja por meio do trabalho exclusivamente remoto/virtual dos  agentes comunitários de saúde que se encontrem no grupo de risco ou  por qualquer outro meio compatível com o quadro constitucional acima desenhado. Assim, a tutela a saúde ora vindicada não implica em risco de de lesão a saúde da população em geral, na medida em que os serviços essenciais prestados pelos réus continuarão a ser prestados. O que se tutela, por meio dessa decisão, é a forma mediante a qual as atividades dos réus serão realizadas: através da violação da saúde dos profissionais enquadrados no grupo de risco (o que viola o princípio da isonomia, já que os demais profissionais que experimentam a mesma situação – estar no grupo de risco – têm a saúde tutelada por meio do Estado ante aos riscos de morte, se expostos à COVID-19) ou mediante a proteção da saúde dos profissionais enquadrados no grupo de risco (da mesma forma deferida aos demais trabalhadores)? Essa é a pergunta que se deve responder ao analisar o requerimento do autor. E, como dito acima, para a construção da resposta, as significações promovidas pelas agências judiciais devem observar os parâmetros constitucionais. Assim, a atuação em atividade essencial não é algo que justifique a violação do direito à isonomia, à saúde e ao meio de ambiente de trabalho dos trabalhadores que estejam em grupo de risco, na medida em que há meios, amparados pelo ordenamento jurídico, para que os serviços essenciais, até então prestados por esses profissionais (inseridos no grupo de risco), continuem a ser prestados. Registre-se, ainda, que o valor social do trabalho (o que inclui a proteção a saúde dos trabalhadores e ao meio ambiente de trabalho em que inseridos) é o limite de atuação da ordem econômica, nos termos do artigo 170 da CF/88, o que evidencia que questões monetárias não podem exsurgir como óbice para que os trabalhadores dos réus tenham flexibilizados os direitos à isonomia, à saúde e ao meio ambiente. Assim, se há condições de possibilidade dos réus continuarem a prestar as atividades sem que isso implique em violação a preceitos constitucionais (tais como, a contratação emergencial de pessoas não inseridas no grupo de risco ou a realização de trabalho remoto pelos trabalhadores inseridos no grupo de risco, por exemplo) não há fundamento constitucional para retirar as proteções constitucionais dos substituídos incluídos no grupo de risco. Vejamos, agora, os contratos de trabalho dos trabalhadores que, em razão da pandemia causada pela COVID-19, encontram-se no grupo de risco. Nos casos em que o trabalho remoto não seja viável, a hipótese é de interrupção do contrato de trabalho, com a suspensão da prestação de serviços e manutenção da complexo salarial, vejamos: O artigo 61 da CLT prevê hipóteses de interrupção do contrato de trabalho; em tais hipóteses, as atividades do trabalhador serão suspensas com a manutenção de sua remuneração. Dentre as hipóteses, estão presentes causas acidentais e causas de força maior que impossibilitarem a realização do trabalho. Pois bem, o artigo 161 da CLT prevê a possibilidade de interdição, por determinação estatal, de setor da empresa em caso de grave e iminente risco para o trabalhador. A Portaria 3.214/78, item 3.1.1, por sua vez, define como grave e iminente risco toda a condição ambiental de trabalho que possa causar acidente ou doença profissional com lesão grave à integridade física ao trabalhador. Assim, considerando o direito fundamental à saúde; considerando o direito ao meio ambiente de trabalho salubre, preconizados pelos artigos 196 e 225 da Constituição Federal, e considerando os dispositivos infraconstitucionais acima indicados (artigos 61 e 161 da CLT c/c Portaria 3.214/78, item 3.1.1), há amparo para a pretensão autoral, na medida em que tais dispositivos garantem, aos trabalhadores que estejam em situação de riscos diante do cenário pandêmico causado pela COVID-19, o direito de terem os contratos interrompidos diante do iminente risco à saúde. Assim, com fulcro nos artigos 294 e 300, § 2º ambos do CPC; com fulcro na probabilidade do direito autoral e no perigo  de dano ou risco ao resultado útil do processo, considerando que a demora na prestação jurisdicional poderá comprometer a vida dos trabalhadores, defiro parcialmente a tutela pretendida, nos seguintes termos: 1. determino que os réus se abstenham de exigir trabalho presencial, no prazo de 3 dias, a partir da ciência desta decisão, dos trabalhadores substituídos pelo Sindicato Autor que pertencem ao grupo de risco, assim sendo: 1) idade igual ou superior a 60 anos; 2) portadores de cardiopatas; 3) portadores de pneumopatias graves; 4) portadores de imunodepressão; 5) portadores de doenças renais crônicas; 6) portadores de  doenças hepáticas em estágio avançado; 7) portadores de  diabetes mellitus, conforme juízo clínico; 8) portadores de obesidade com IMC ≥ 40; 9) portadores de doenças cromossômicas com estado de fragilidade imunológica e 10) gestantes e lactantes, mantido o salário base, acrescido do adicional de insalubridade, bem como as demais vantagens fixadas em norma coletiva,  enquanto perdurar o risco à saúde no período crítico de enfrentamento da emergência decorrente da COVID-19; 2. fica facultado aos réus a concessão de teletrabalho a esses trabalhadores; 3. os trabalhadores substituídos que não tiverem interesse em se afastar, deverão manifestar-se por escrito e com assistência do Sindicato Autor; 4. fica fixada a multa de 2.000,00 por dia e por trabalhador, caso descumpridas as determinações acima pelos réus. Rio de Janeiro, 25/05/2020 Luciana Muniz Vanoni Juíza do Trabalho substituta 

DECISÃO - Medidas de proteção e abstenção de atividades extraordinárias - RS

DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                       Fl. 1   DESEMBARGADOR MARCELO JOSÉ FERLIN D AMBROSO Polo Ativo:                      MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO Polo Passivo:       MAGISTRADO(A) DA VARA DO TRABALHO DE TRÊS PASSOS Terceiro:                MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO Terceiro:                SEARA ALIMENTOS LTDA Distribuição PJe:    15/05/2020 (2° Grau) Vistos etc.   Trata-se de mandado de segurança impetrado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO contra decisão proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de Três Passos, Dr. Ivanildo Vian, que, nos autos da Ação Civil Pública - ACP número 0020175- 98.2020.5.04.0641, indeferiu o pedido liminar para que a empresa SEARA ALIMENTOS LTDA, ora litisconsorte, adotasse as medidas de proteção previstas na Recomendação do MPT, bem como se abstivesse de praticar atividades extraordinárias enquanto perdurar a pandemia de COVID-19. Ressalta estarem presentes as condições para a concessão da tutela de urgência antecipatória na ação civil pública subjacente, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou a relevância do fundamento da demanda e o receio de ineficácia do provimento final. Refere que a probabilidade do direito está embasada no pedido de cumprimento das medidas protetivas de segurança à saúde dos trabalhadores contra a pandemia de coronavírus preconizadas pelas autoridades sanitárias. Sustenta que o perigo de dano está caracterizado pela gravidade dos fatos relatados, além daqueles que   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                         Fl. 2   são públicos e notórios, mormente quanto ao agravamento dos casos de contágio, considerando o prazo exíguo e a exigência que se impõe decorrente da situação atípica vivenciada. Por fim, a relevância dos fundamentos, evidenciada na pretensão de que seja assegurada a saúde e a vida dos trabalhadores que laboram ou venham a laborar para a empresa litisconsorte, bem como toda a população com a qual o universo de cerca de mil trabalhadores diariamente convivem no Município de Três Passos, especialmente seus familiares. Pugna, liminarmente, seja concedida a antecipação de tutela requerida no aditamento à inicial da ação subjacente, não deferida pela autoridade judicial, determinando-se à ora litisconsorte, ré na ação civil pública, que a empresa se abstenha de praticar atividades extraordinárias, enquanto perdurar a pandemia de COVID-19, e, mesmo nas hipóteses justificáveis, implemente as medidas protetivas,  algumas das quais previstas na Recomendação do MPT - Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho - CODEMAT, elencadas nos itens 1 a 35 da petição inicial do presente mandamus, tudo sob pena de multa diária de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), por trabalhador prejudicado e devida a cada constatação. Pois bem. A decisão atacada encontra-se assim fundamentada (Id. 39501f8): Vistos.   O Ministério Público do Trabalho postula a reconsideração da decisão de ID 4d51a8a, consoante razões de ID bbdb67c, juntando documentos. Refere  a  existência  de  fatos  novos  e o agravamento do quadro de pessoas infectadas pelo COVID-19, inclusive havendo dois casos confirmados dentre   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                       Fl. 3   os empregados da requerida.   Na esteira do que aduz o MPT, efetivamente a situação mudou desde a decisão anterior (ID4d51a8a), porquanto  é fato público e notório a existência de mais de três dezenas       de casos confirmados no município de Três Passos de contágio com o COVID-19. Esta nova realidade exige, tal como diligentemente descreve     e requer o MPT, a adoção de cuidados ainda maiores das autoridades públicas e de todos  quanto  à  adoção  de medidas protetivas, tudo para que se evite um descontrole que possa levar ao colapso do já frágil sistema de saúde. Esse cuidado  deve  primar  pela  ponderação  entre  o interesse social atinente ao controle local e regional da pandemia e, ainda, os interesses econômicos envolvidos. Saliento que o interesse econômico  aqui  mencionado  não  se restringe àquele atinente à requerida, mas de toda uma cadeia produtiva, que envolve produtores rurais fornecedores dos animais, terceiros que atuam nos mais diversos serviços que envolvem a atuação da requerida nesta comunidade e, ainda, os interesses dos próprios trabalhadores da demandada. Esta ponderação exige, além de aplicação do ordenamento jurídico, como sói ocorrer na atividade judicante, cuidados e responsabilidades extras, tudo a se evitar  perigoso  menosprezo desde ou daqueles interesses, cujas consequências, em qualquer caso, podem ser graves.   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                         Fl. 4   É este senso de responsabilidade que tinge estas letras, assim como, por certo, também norteia a atuação das partes aqui diretamente envolvidas. Assim, ciente da gravidade dos fatos novos relatados pelo MPT, além daqueles que são públicos e notórios, mormente quanto ao agravamento dos casos de contágio, previamente à apreciação dos pedidos formulados na petição de ID bbdb67c, por necessário prestígio,  ainda,  aos princípios  da  ampla  defesa  e do contraditório, concedo vista à requerida do pedido de reconsideração acima mencionado e dos documento com ele juntados, pelo prazo de dois dias. No mencionado prazo a reclamada deverá informar e comprovar, de forma detalhada e específica, quais são as medidas por  ela  adotadas  para  enfrentar  o  risco  de  contágio pelo COVID-19, bem como falar sobre as irregularidades apontadas pelos documentos juntados pelo MPT, uma a uma, com comprovações de  eventuais providências adotadas. O prazo é exíguo porque assim exige a situação atípica por todos vivenciada. OFÍCIO AO MUNICÍPIO DE TRÊS PASSOS: Tendo em vista  o amplo interesse social envolvido, e sem prejuízo da determinação supra e de eventual apreciação dos pedidos formulados na petição de ID bbdb67c, determino, , a expedição de  ofício  ao  Município  de  Três  Passos,  ex  officio  para  que   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                       Fl. 5   apresente, no prazo de 5 dias, o plano de contingência municipal ao enfrentamento do Coronavírus, o número de leitos hospitalares disponíveis para o tratamento de pacientes infectados no município e, especialmente, em relação à demandada Seara Alimentos Ltda, se há acompanhamento ou diligência já produzida com a finalidade de identificação de infectados e/ou controle para evitar a contaminação junto à unidade de produção local da requerida. Caso tenha ocorrido diligência fiscalizatória, apresente relatório das condições encontradas na oportunidade. Havendo outros elementos que a municipalidade julgar pertinentes de serem apresentados a este Juízo e dizentes às ações relacionadas ao combate da pandemia de Covid-19 que se relacionem à Seara Alimentos, deverá apresentá-los no mesmo prazo. Intimem-se.   Cumpra-se, com urgência quanto à expedição do ofício ao Município de Três Passos, que pode ser cumprido por Oficial de Justiça, preferencialmente por métodos eletrônicos (e-mail, whatsapp etc). TRES PASSOS/RS, 13 de maio de 2020. IVANILDO VIAN Juiz do Trabalho Titular É de conhecimento público a situação de calamidade decretada pelo Estado do Rio Grande do Sul, por meio do Decreto nº 55.128/2020, reiterado pelo Decreto nº 55.154, de 01 de abril de 2020, em razão da epidemia causada pelo vírus COVID-19 que, sem   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                         Fl. 6   sombra de dúvidas, está causando prejuízos nas diversas esferas da sociedade. Transcrevo parte do referido Decreto Estadual, nos pontos mais relevantes para o caso em exame: Art. 1º Fica reiterado o estado de calamidade pública em todo o território do Estado do Rio Grande do Sul para fins de prevenção e de enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19 (novo Coronavírus) declarado por meio do Decreto nº 55.128, de 19 de março de 2020, e reconhecido pela Assembleia Legislativa por meio do Decreto Legislativo nº 11.220, de 19 de março de 2020. Art. 2º As autoridades públicas, os servidores e os cidadãos deverão adotar todas as medidas e providências necessárias para fins de prevenção e de enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19 (novo Coronavírus), observado o disposto neste Decreto. Parágrafo único. São medidas sanitárias, de adoção obrigatória por todos, para fins de prevenção e de enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19 (novo Coronavírus), dentre outras: - a observância do distanciamento social, restringindo a circulação, as visitas e as reuniões presenciais de qualquer tipo ao estritamente necessário; - a observância de cuidados pessoais, sobretudo da lavagem das mãos, antes e após a realização de quaisquer tarefas, com a   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                       Fl. 7   utilização de produtos assépticos, como sabão ou álcool em gel setenta por cento, bem como da higienização, com produtos adequados, dos instrumentos domésticos e de trabalho; - a observância de etiqueta respiratória, cobrindo a boca com o antebraço ou lenço descartável ao tossir ou CAPÍTULO I   DAS MEDIDAS EMERGENCIAIS   Art. 3º Ficam determinadas, diante das evidências científicas e análises sobre as informações estratégicas em saúde, limitadamente ao indispensável à promoção e à preservação da saúde pública, com fundamento no art. 3º da Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para fins de prevenção e de enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19 (novo Coronavírus), em todo o território do Estado do Rio Grande do Sul, as medidas de que trata este Decreto. Seção I - Das medidas de prevenção ao COVID-19 nos estabelecimentos comerciais e industriais Art. 4º São de cumprimento obrigatório por estabelecimentos comerciais e industriais, restaurantes, bares e lanchonetes, quando permitido o seu funcionamento, para fins de prevenção à epidemia causada pelo COVID-19 (novo Coronavírus), as seguintes medidas: I - higienizar, após cada uso, durante o período de funcionamento e sempre quando do início das atividades, as   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                         Fl. 8   superfícies de toque (mesas, equipamentos, cardápios, teclados, etc.), preferencialmente com álcool em gel setenta por cento ou outro produto adequado; - higienizar, preferencialmente após cada utilização ou, no mínimo, a cada três horas, durante o período de funcionamento e sempre quando do início das atividades, os pisos, as paredes, os forro e o banheiro, preferencialmente com água sanitária ou outro produto adequado; - manter à disposição, na entrada no estabelecimento e em local de fácil acesso, álcool em gel setenta por cento, para a utilização dos clientes e dos funcionários do local; - manter locais de circulação e áreas comuns com os sistemas de ar condicionados limpos (filtros e dutos) e, obrigatoriamente, manter pelo menos uma janela externa aberta ou qualquer outra abertura, contribuindo para a renovação de ar; - manter disponível "kit" completo de higiene de mãos nos sanitários de clientes e de funcionários, utilizando sabonete líquido, álcool em gel setenta por cento e toalhas de papel não reciclado; - manter louças e talheres higienizados e devidamente individualizados de forma a evitar a contaminação cruzada; - adotar sistemas de escalas, de revezamento de turnos e de alterações de jornadas, para reduzir fluxos, contatos e aglomerações de seus funcionários;   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                       Fl. 9   - diminuir o número de mesas ou estações de trabalho ocupadas no estabelecimento de forma a aumentar a separação entre elas, diminuindo o número de pessoas no local e garantindo o distanciamento interpessoal de, no mínimo, dois metros; - fazer a utilização, se necessário, do uso de senhas ou outro sistema eficaz para evitar filas ou aglomeração de pessoas; - dispor de protetor salivar eficiente nos serviços ou refeitórios com sistema de "buffet"; - determinar a utilização de Equipamento de Proteção Individual - EPI adequado pelos funcionários encarregados de preparar ou de servir alimentos, bem como pelos que, de algum modo, desempenhem tarefas próximos aos alimentos ou tarefas de atendimento direto ao público; (Redação do inciso dada pelo Decreto Nº 55177 DE 08/04/2020). - manter fixado, em local visível aos clientes e funcionários, de informações sanitárias sobre higienização e cuidados para a prevenção do COVID-19 (novo Coronavírus); - instruir seus empregados acerca da obrigatoriedade da adoção de cuidados pessoais, sobretudo da lavagem das mãos ao fim de cada turno, da utilização de produtos assépticos durante o desempenho de suas tarefas, como álcool em gel setenta por cento, da manutenção da limpeza dos instrumentos de trabalho, bem como do modo correto de relacionamento com o público no período de emergência de saúde pública   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                      Fl. 10   decorrente do COVID-19 (novo Coronavírus);   - afastar, imediatamente, em quarentena, independentemente de sintomas,pelo prazo mínimo de quatorze dias, das atividades em que exista contato com outros funcionários ou com o público, todos os empregados que regressarem de localidades em que haja transmissão comunitária do COVID-19, conforme boletim epidemiológico da Secretaria da Saúde, bem como aqueles que tenham contato ou convívio direto com caso suspeito ou confirmado; - afastar, imediatamente, em quarentena, pelo prazo mínimo de quatorze dias, das atividades em que exista contato com outros funcionários ou com o público todos os empregados que apresentem sintomas de contaminação pelo COVID-19, conforme o disposto no art. 42 deste Parágrafo único. O distanciamento interpessoal mínimo de dois metros de que trata o inciso VIII deste artigo pode ser reduzido para o mínimo de um metro no caso de utilização de Equipamentos de Proteção Individual - EPIs - adequados para evitar contaminação e transmissão do COVID-19 (novo Coronavírus). [...]   Art. 17. As medidas estaduais e municipais para fins de prevenção e de enfrentamento à epidemia causada pelo COVID- 19 (novo Coronavírus) deverão resguardar o exercício e o funcionamento  das  atividades  públicas  e privadas essenciais,   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                    Fl. 11   ficando vedado o seu fechamento.   1º São atividades públicas e privadas essenciais aquelas indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim consideradas aquelas que, se não atendidas, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, tais como: - assistência à saúde, incluídos os serviços médicos e hospitalares; - assistência social e atendimento à população em estado de vulnerabilidade; [...]   2º Também são consideradas essenciais, dentre outras, as seguintes atividades acessórias e de suporte indispensáveis às atividades e aos serviços de que trata o § 1º: - atividades e serviços de limpeza, asseio e manutenção de equipamentos, instrumentos, vestimentas e estabelecimentos; - atividades e serviços de produção, de importação, de comercialização, de transporte, de disponibilização, de reparo, de conserto, de substituição e de conservação de equipamentos, implementos, maquinário ou qualquer outro tipo de instrumento, vestimentas e estabelecimentos; - atividades e serviços de produção, de importação, de comercialização, de transporte e de disponibilização de todo e   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                      Fl. 12   qualquer tipo de insumos, em especial os químicos, petroquímicos e plásticos; - atividades e serviços de produção, de importação, de comercialização, de transporte e de disponibilização de todo e qualquer tipo de peças para reparo, conserto, manutenção ou conservação de equipamentos, de implementos, de maquinário ou de qualquer outro tipo de instrumento, de vestimentas e de estabelecimentos; - atividades e serviços de coleta, de processamento, de reciclagem, de reutilização, de transformação, de industrialização e de descarte de resíduos ou subprodutos de animais, tais como, dentre outros, curtumes e 3º É vedada a restrição à circulação de trabalhadores que possa afetar o funcionamento das atividades e dos serviços essenciais de que trata este Decreto. [...]   Art. 37. Os Municípios do Estado do Rio Grande do Sul, no âmbito de suas competências, deverão adotar as medidas necessárias para a prevenção e o enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19 (novo Coronavírus), em especial: I - determinar a fiscalização, pelos órgãos municipais responsáveis, acerca do cumprimento das proibições e das determinações estabelecidas neste Decreto;   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                    Fl. 13   [...]   III - determinar a convocação de todos os profissionais da saúde, servidores ou empregados da administração pública municipal, bem como os prestadores de serviços de saúde, em especial aqueles com atuação nas áreas vitais de atendimento à população, para o cumprimento das escalas estabelecidas pelas respectivas chefias. Parágrafo único. Fica vedado aos Municípios a adoção de medidas restritivas ao exercício das atividades essenciais de que trata este Decreto, bem como ao ingresso e à saída de pessoas e veículos de seus limites territoriais, ressalvadas, neste último caso, as determinações emitidas pelas autoridades sanitárias competentes, conforme o disposto na Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. [...]   Também já amplamente divulgado por todos os meios de comunicação que a expansão do vírus está em ritmo acelerado, sendo que a adoção de medidas a fim de evitar, ou pelo menos diminuir os casos de contaminação, se tornam extremamente necessárias e obrigatórias, para que o Estado possa ampliar sua rede de atenção à saúde para contemplar a demanda, como também permitir desenvolvimento de medicamentos e futura vacina. Assim, conforme o Decreto acima transcrito, as medidas rigorosas nele dispostas fazem parte do exaustivo trabalho dos órgãos de saúde para que os estabelecimentos possam manter, na medida do possível, o seu funcionamento, sem prejuízo econômico, havendo, ainda, a previsão de   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                      Fl. 14   punição nas esferas cível, administrativa e criminal no caso de descumprimento. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, de 1948, prevê o direito à saúde como direito humano, e o Brasil, por sua vez, é signatário do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966, cujo art. 12 prevê o seguinte (Decreto 591/92): ARTIGO 12   Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem odireito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento é das crianças; A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente; A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças; A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade. (Grifou-se) No plano constitucional, a menção do direito à saúde, enquanto direito   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                    Fl. 15   humano, encontra-se no art. 6º da Constituição da República. Por definição constitucional, trata-se,  pois, de um direito social cujos  fundamentos residem, como também em relação aos demais direitos sociais, nos postulados contidos no art. 1º da Constituição: cidadania; dignidade da pessoa humana; valores sociais do trabalho (em referência à saúde enquanto prestação de serviço de ordem pública). Como todos os DESC (direitos econômicos, sociais e culturais), a sua concretização é fundamental para a realização dos objetivos fundamentais da República relativos à construção de uma sociedade livre, justa e solidária; redução das desigualdades sociais; promoção do bem de todos; erradicação da pobreza e da marginalização; garantia do desenvolvimento nacional. Neste diapasão, o art. 2º da Lei 8080/90 reforça o status de direito fundamental do ser humano o direito à saúde, prevendo que, mais além da obrigação do Estado de prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício, é este também o dever das empresas. Esta norma se conjuga ao art. 196 da Carta Republica estabelecendo a saúde como direito de todos e dever do Estado. Por outro lado, tenho reiterado que a higidez do meio ambiente de trabalho é princípio convencional (Convenção 155 da OIT) e constitucional, na forma do art. 200, VIII, c/c art. 225, caput, da Constituição da República. E, nos termos do art. 7º, XXII, constitui direito humano fundamental das pessoas trabalhadoras a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, segurança e medicina do trabalho, além de outros que visem à melhoria de sua condição social. O art. 16 da Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho,   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                      Fl. 16   ratificada pelo Brasil através do Decreto 1254/94, sobre segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho, ao disciplinar a ação em nível de empresa, prevê que: "1. Deverá ser exigido dos empregadores que, na medida que for razoável e possível, garantam que os locais de trabalho, o maquinário, os equipamentos e as operações e processos que estiverem sob seu controle são seguros e não envolvem risco algum para a segurança e a saúde dos trabalhadores.". Conforme a CLT: Art. 157 - Cabe às empresas:   - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente; - facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente. A Lei 8080/90, em seus arts. 2º e 3º, define que a saúde é um direito fundamental do ser humano, e tem como fator determinante e condicionante o meio ambiente e o trabalho, tendo o Estado e as empresas o dever de formular e executar políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos, e garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                    Fl. 17   Em síntese, as diretrizes relativas ao meio ambiente do trabalho e saúde de trabalhadores e trabalhadoras visam a tutelar, sobretudo, a vida humana, a incolumidade físico-psíquica de quem trabalha (saúde), além da qualidade de vida e dignidade no trabalho, eliminação de riscos à vida, prevenção de sinistros com mortes, lesões corporais e adoecimento. Nesse mesmo norte, em normativa internacional, a busca pela saúde e segurança no trabalho é imperativa, como também a dignidade da pessoa trabalhadora, atentando-se  que tais normas destinam-se aos Estados Partes e inclusive, aos seus cidadãos e cidadãs, especialmente no caso da República Federativa do Brasil, tendo em vista a disciplina relativa a direitos humanos previstas nos §§2º. e 3º. do art. 5º. da CR, considerando a inquestionável eficácia vertical e horizontal dos direitos humanos e fundamentais. Com efeito, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pela República Federativa do Brasil, por meio do Decreto 591/1992, assim dispõe: ARTIGO 3º   Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a assegurar a homens e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos econômicos, sociais e culturais enumerados no presente Pacto. (...) ARTIGO 7º   Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente: (...) b) A segurança e   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                      Fl. 18   a higiene no trabalho; (...) d) O descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos feridos. (...) ARTIGO 12   Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento é das crianças; b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente; c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças; d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso  de enfermidade. (...) Além disso, a Convenção 161 da OIT, ratificada pelo Brasil e promulgada por meio do Decreto 127, de 22/05/91, relativa aos Serviços de Saúde do Trabalho, a qual assim especifica: ARTIGO 3º   1 - Todo Membro se compromete e a instituir, progressivamente, serviços de saúde no trabalho para todos os trabalhadores, entre   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                    Fl. 19   os quais se contam os do setor público, e os cooperantes das cooperativas de produção, em todos os ramos da atividade econômica e em todas as empresas; as disposições adotadas deverão ser adequadas e corresponder aos riscos específicos que prevalecem nas empresas. - Se os serviços de saúde no trabalho não puderem ser instituídos imediatamente para todas as empresas, todo Membro em questão deverá, em consulta com a organizações de empregadores mais representativas, onde elas existam, elaborar planos que visam a instituição desses serviços. - Todo Membro em questão deverá, no primeiro relatório sobre a aplicação da Convenção que está sujeito a apresentar em virtude do Artigo 22 da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, indicar os planos que tenha elaborado em função do parágrafo 2 do presente Artigo e expor, em relatórios ulteriores, todo progresso obtido com vistas à sua aplicação. (...) PARTE II   Funções ARTIGO 5º Sem prejuízo da responsabilidade de cada empregador a respeito da saúde e da segurança dos trabalhadores que emprega , e tendo na devida conta a necessidade de participação dos trabalhadores em matéria de segurança e   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                      Fl. 20   saúde no trabalho, os serviços de saúde no trabalho devem assegurar as funções, dentre as seguintes, que sejam adequadas e ajustadas aos riscos da empresa com relação à saúde no trabalho: a) identificar e avaliar os riscos para a saúde, presentes nos locais de trabalho; b) vigiar os fatores do meio de trabalho e as práticas de trabalho que possam afetar a saúde dos trabalhadores, inclusive as instalações sanitárias, as cantinas e as áreas de habitação, sempre que esses equipamentos sejam fornecidos pelo empregador; c) prestar assessoria quanto ao planejamento e à organização do trabalho, inclusive sobre a concepção dos locais de trabalho, a escolha, a manutenção e o estado das máquinas e dos equipamentos, bem como, sobre o material utilizado no trabalho; d) participar da elaboração de programa de melhoria das práticas de trabalho, bem como dos testes e da avaliação de novos equipamentos no que concerne aos aspectos da saúde; e) prestar assessoria nas áreas da saúde, da segurança e da higiene no trabalho, da ergonomia e, também, no que concerne aos equipamentos de proteção individual e coletiva; f) acompanhar a saúde dos trabalhadores em relação com o trabalho; g) promover a adaptação do trabalho aos trabalhadores; h) contribuir para as medidas de readaptação profissional; i) colaborar na difusão da informação, na formação e na educação mas áreas da saúde e da higiene no trabalho, bem como na da ergonomia; j) organizar serviços de primeiros socorros e de emergência; k) participar da análise de acidentes de trabalho e das doenças profissionais .   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                    Fl. 21   Não há dúvida, pois, de que a espécie em análise concerne a dois direitos humanos de primeira grandeza: o direito à saúde e o direito ao trabalho em condições dignas e seguras. No particular, desde que a ONU, preocupada com as violações de direitos humanos pelas empresas, estabeleceu, a partir do estudo promovido por John Ruggie, os Princípios Diretores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, em 2011, pelo Conselho de Direitos Humanos, os mesmo se transformaram em uma plataforma global de ação, sendo imediatamente incorporados pela OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico em suas Linhas Diretrizes para Empresas Multinacionais. Nestas linhas diretrizes da OCDE, os princípios gerais de números 2, 4, 5, 8 e 9 mencionam especificamente o respeito aos direitos humanos, à saúde, à segurança e higiene, ao trabalho, e que as empresas, no marco das disposições legais e regulamentares aplicáveis e das práticas em vigor em matéria de emprego e as relações laborais, deverão adotar as medidas adequadas para garantir em suas atividades a saúde e a segurança no trabalho. No plano nacional, a partir do Decreto 9571/18 uma nova realidade se desenha no país, com a incorporação dos Princípios Diretores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos e das Linhas Diretrizes da OCDE nas chamadas Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, estabelecendo o art. 2º., como eixo orientador, a responsabilidade das empresas com o respeito aos direitos humanos, sendo que o capítulo III enumera uma  série de responsabilidades específicas empresariais com o tema. Neste sentido, o art. 4º. do referido Decreto determina às empresas o respeito aos direitos humanos protegidos nos tratados internacionais dos quais o seu Estado de   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                      Fl. 22   incorporação ou de controle sejam signatários; e aos direitos e às garantias fundamentais previstos na Constituição, cabendo, inclusive, o monitoramento do respeito aos direitos humanos na cadeia produtiva vinculada à empresa (art.  5º.). Não em demasia, o art. 6º.  prevê expressamente a responsabilidade das empresas para exercer o controle de riscos decorrentes de seu empreendimento com o dever de enfrentar os impactos adversos em direitos humanos com os quais tenham algum envolvimento e, principalmente, "agir de forma cautelosa e preventiva, nos seus ramos de atuação, inclusive em relação às atividades de suas subsidiárias, de entidades sob seu controle direito ou indireto, a fim de não infringir os direitos humanos de seus funcionários, colaboradores, terceiros, clientes, comunidade onde atuam e população em geral"; "evitar que suas atividades causem, contribuam ou estejam diretamente relacionadas aos impactos negativos sobre direitos humanos e aos danos ambientais e sociais", "evitar impactos e danos decorrentes das atividades de suas subsidiárias e de entidades sob seu controle ou vinculação direta ou indireta"; etc. Portanto, sobejam fundamentos jurídicos para a concessão do pleito ministerial. Ora, vale frisar que, na espécie, o Ministério Público não está requerendo a interdição do estabelecimento litisconsorte nem tampouco a sua inviabilização, mas sim que haja a adoção de medidas de proteção indispensáveis para a prevenção da saúde, não só das pessoas trabalhadoras, como também de seus familiares e de toda a comunidade daquele município e região, o que é absolutamente razoável dado o momento crítico mundial diante da pandemia.   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                    Fl. 23   E consoante documentos anexados aos autos, no caso específico da empresa litisconsorte, a necessidade das medidas rígidas de prevenção se tornam ainda mais necessárias diante da notícia de que há dois casos de trabalhadores positivos para o COVID-19, inclusive, um deles testado pela própria empresa, o que foi constatado quando da inspeção realizada para verificar o cumprimento das medidas protetivas à saúde dos trabalhadores frente à pandemia (Relatório CEREST - Centro Regional de Referência em Saúde do Trabalhador - Id. cf8c621). Há, nos autos, também, denúncia do sindicato de que as condições laborais estão sendo impostas sem a discussão prévia com os trabalhadores e sem a entidade sindical. De modo que a plausibilidade do direito buscado (fumus boni iuris) está demonstrada nas normas supra expostas conjugadas à situação fática determinada pelas condições do ambiente de trabalho demonstradas no acervo probatório da inicial, impostas de forma unilateral e em desatenção ao inarredável dever de negociar, e ao Princípio da Precaução, conforme se pode inferir do cruzamento do PIDESC (Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) e das Convenções 98 e 155 da OIT, sendo fato de que já houve contaminação de dois trabalhadores podendo o vírus espraiar-se para inúmeras pessoas na planta industrial. Friso que o art. 160, §1º, da CLT, que consagra o Princípio da Precaução em matéria ambiental trabalhista, prevê a necessidade de a empresa comunicar à Delegacia Regional do Trabalho para fins de prévia inspeção e aprovação pela autoridade regional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho, nos casos de alteração da situação e condições de   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                      Fl. 24   trabalho. Assim, considerando que a manutenção das condições atuais de trabalho em descompasso com a recomendação ministerial suscita sérias indagações quanto às repercussões no ambiente de trabalho, nas pessoas que nele trabalham e seus familiares, comunidade e sociedade em geral, vislumbro imperiosa a concessão da medida liminar. O Princípio da Precaução vem se somar ao Princípio da Informação, no sentido de que o empregador tem o dever e a pessoa trabalhadora o direito de saber sob quais condições o trabalho prestará serviços e os riscos envolvidos, conforme insculpido na Lei 8080/1990 (art. 6º, §3º, V), Lei 8213/91 (art. 58, §2º), e, em especial, na Convenção 155 da OIT, no sentido de que: Art. 19 - Deverão ser adotadas disposições, em nível de empresa, em virtude das quais: (...) c) os representantes dos trabalhadores na empresa recebam informação adequada acerca das medidas tomadas pelo empregador para garantir a segurança e a saúde, e possam consultar as suas organizações representativas sobre essa informação, sob condição de não divulgarem segredos comerciais; d) os trabalhadores e seus representantes na empresa recebam treinamento apropriado no âmbito da segurança e da higiene do trabalho; e) os trabalhadores ou seus representantes e, quando for o caso, suas organizações representativas na empresa estejam habilitados, em conformidade com a legislação e a prática nacionais, para examinarem todos os aspectos da segurança e a saúde relacionados com seu trabalho, e sejam consultados nesse sentido pelo empregador; com essa finalidade, e em comum   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                    Fl. 25   acordo, poder-se-á recorrer a conselheiros técnicos alheios à empresa; f) o trabalhador informará imediatamente o seu superior hierárquico direto sobre qualquer situação de trabalho que, a seu ver e por motivos razoáveis, envolva um perigo iminente e grave para sua vida ou sua saúde; enquanto o empregador não tiver tomado medidas corretivas, se forem necessárias, não poderá exigir dos trabalhadores a sua volta a uma situação de trabalho onde exista, em caráter contínuo, um perigo grave ou iminente para sua vida ou sua saúde. E uma vez alijados os trabalhadores e o sindicato do direito de informação - ato antissindical, conduta somada à demora da empresa na adoção nas medidas necessárias ao combate de disseminação do Coronavírus, ambas consideradas ilícitas, existindo inclusive  previsão de imputação de penalidade a quem desrespeitar as medidas sanitárias impostas, a qual tem a finalidade de evitar a entrada ou propagação de doenças contagiosas, a situação urge. Nestes termos, também resta demonstrado o periculum in mora que está evidenciado na possibilidade de contaminação de um grande número de pessoas, mantidas as condições de trabalho atuais na empresa litisconsorte e no caso de não serem tomadas as medidas preventivas postuladas na ação subjacente. Por fim, destaco que, com o objetivo de manter a normalidade de abastecimento alimentar, os empregos e a atividade econômica, garantindo o fornecimento de alimentos seguros e de forma segura à população, os Ministérios da Economia (ME), da Saúde (MS) e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) elaboraram o "Manual de Orientações Gerais para   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                      Fl. 26   Frigoríficos em Razão da Pandemia da Covid-19", no qual recomendam aos empregadores e às pessoas trabalhadoras a adoção de uma série de medidas para prevenir e diminuir o contágio da Covid-19 nos ambientes de trabalho, e que estão inclusive conformes às medidas requeridas pelo impetrante no presente mandado de segurança. De modo que, demonstrada a probabilidade do direito e o perigo de dano irreparável no caso de não adotadas as medidas para proteção das pessoas trabalhadoras da litisconsorte, com grave risco de contágio de COVID-19 não só do quadro de pessoal da empresa como também de quem nela circula, cabível a liminar pretendida pelo Ministério Público. Todavia, ponderando a razoabilidade para o atendimento das diversas obrigações, que envolve uma nova cultura preventiva por parte da empresa, bem como a reorganização produtiva da planta, além de que algumas exigem mais tempo para sua efetivação prática, DEFIRO A LIMINAR pretendida para cassar o ato da autoridade impetrada, e, de forma diferida no tempo, determinar que: a) a empresa litisconsorte se abstenha de praticar atividades extraordinárias, enquanto perdurar a pandemia de COVID-19, salvo que comprove robustamente nos autos sua realização em fundada deterioração irreversível de bens, ou no desabastecimento   da população, a critério do Juízo da origem e após manifestação do MPT, com a necessária negociação prévia anterior junto ao Sindicato profissional - prazo imediato; b) na sua rotina de trabalho diário e inclusive nas hipóteses justificáveis como forma de ponderar valores/bens, sejam implementadas as seguintes medidas protetivas: b.1) DESENVOLVER plano de contingenciamento e/ou prevenção de infecções e transmissibilidade, observadas as normas sanitárias federais, estaduais e municipais, além das Recomendações da Organização Mundial da   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                    Fl. 27   Saúde, mediante adoção de medidas de controle de cunho administrativo ou estrutural para evitar a exposição indevida ao risco de contágio dos trabalhadores no ambiente de trabalho, próprios ou terceirizados, e assim, também a propagação dos casos para a população em geral, devendo o referido plano conter as seguintes medidas - prazo de 5 dias a contar da ciência desta decisão: b.2) Considerar, como primeira medida de contenção, a viabilidade de isolamento social  das  pessoas trabalhadoras, podendo adotar medidas como  interrupção  do  contrato de trabalho; concessão de férias coletivas, integrais ou parciais; suspensão dos contratos de trabalho  (lay  off),  suspensão  do  contrato de trabalho para fins de qualificação (art. 476-A da CLT); home-office, dentre outras medidas aptas a garantir o isolamento social, de forma escalonada por turnos e/ou unidades, sempre mediante garantia de renda e salário aos trabalhadores, realizando a implementação destas medidas com a preservação da essencial continuidade da atividade para o abastecimento de alimentos - prazo de cinco dias a contar da ciência desta decisão; b.3) Adotar sistemas de escalas de trabalho com vistas a reduzir fluxos, contatos, aglomerações e o número de pessoas trabalhadoras por turno, inclusive adotando sistemas de rodízio ou sistema de escala de revezamento, mediante, inclusive, a ampliação no número de turnos de trabalho, sem que a adoção de tais medidas impliquem aumento de produção - prazo de cinco dias a contar da ciência desta decisão; b.4) Reorganizar, escalonar e modular, os horários de entradas e saídas, o acesso aos vestiários, e os horários de refeições, de modo a evitar - de todas as maneiras - contatos, horários de pico e aglomerações de trabalhadoras e trabalhadores, garantindo-se que todos se mantenham em distância mínima de, no mínimo, 1,8 metros - prazo de cinco dias a contar da ciência desta decisão; b.5) Garantir que as sistemáticas de controle de   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                      Fl. 28   jornada, de monitoramento da saúde e de entradas e saídas em vestiários e refeitórios não sejam aptas a submeter trabalhadoras e trabalhadores a possíveis aglomerações, devendo a empresa garantir a realização de filas que preservem distância de, no mínimo, 1,8 metro entre cada pessoa - prazo de 48 horas a contar da ciência desta decisão; b.6) Garantir, quando da organização dos turnos de trabalho, que a prestação de serviços no setor produtivo se dê a uma distância de, no mínimo, 1,8 metro entre trabalhadoras e trabalhadores, devendo ser efetivamente fiscalizado e resguardado o mesmo distanciamento nos seus períodos de locomoção, troca de turnos, uso de vestiários (troca de uniforme), uso de refeitórios, pausas térmicas e psicofisiológicas, bem como durante o exercício das atividades produtivas - prazo de 48 horas a contar da ciência desta decisão; b.7) Permitir e organizar os processos de trabalho para a realização de teletrabalho (ou home office), nas atividades compatíveis - prazo de 48 horas a contar da ciência desta decisão; b.8) Garantir, nas atividades incompatíveis com o home office, a dispensa remunerada das trabalhadoras e trabalhadores que compõem o grupo de risco, em conformidade aos critérios adotados pela OMS, quais sejam: adultos com mais de 60 anos, portadores de doenças crônicas, imunocomprometidos, gestantes e pessoas com doenças preexistentes (hipertensão arterial, diabetes, doença cardíaca, doença pulmonar, neoplasias, transplantados, uso de imunossupressores) - prazo de 48 horas a contar da ciência desta decisão; b.9) Abster-se, durante o período de reconhecimento da pandemia, de programar abates extras ou submeter os trabalhadores à prestação de horas extraordinárias - prazo de 24 horas a contar da ciência desta decisão; b.10) Implantar medidas de vigilância ativa e passiva recomendadas pelas autoridades sanitárias nacionais e internacionais, com vistas à identificação precoce de sintomas compatíveis com a COVID-   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                    Fl. 29   19 (sintomas respiratórios, tosse seca, dor de garganta ou dificuldade respiratória, acompanhada ou não de febre e ou sintomas gripais), e garantir o imediato afastamento, sem prejuízo da remuneração, de todas as pessoas trabalhadoras com sintomas até submissão a exame específico que ateste ou não a contaminação - prazo de cinco dias a contar da ciência desta decisão; b.11) Garantir o isolamento de todas as pessoas trabalhadoras que possuam casos confirmados de COVID-19, pelo período fixado pelo médico, sem prejuízo da remuneração - prazo de forma imediata à ciência desta decisão; b.12) Custear, integralmente,  os valores decorrentes da realização de testes, a trabalhadoras e trabalhadores que forem enquadrados como casos suspeitos ou prováveis de doença pelo novo coronavírus (COVID-19), a partir de indicação de corpo médico da empresa ou de profissionais médicos assistentes não vinculados à empresa (profissionais médicos do SUS e particulares) - prazo de 48 horas a contar da ciência desta decisão; b.13) Proibir a utilização de bebedouros de jato inclinado disponibilizados na empresa, lacrando-os - prazo de 24 horas a contar da ciência desta decisão; b.14) Disponibilizar vacina trivalente que proteja contra o vírus Influenza A (H1N1), A (H3N2) e B de forma gratuita a todas as trabalhadoras e trabalhadores, com vistas à melhor identificação dos casos sintomáticos de COVID-19 - prazo de dez dias a contar da ciência desta decisão; b.15) Proibir trabalhadoras e trabalhadores de utilizarem equipamentos de colegas ou compartilharem equipamentos, tais como fones, aparelhos de telefone, rádios, cronômetros, cinturões de segurança, talabartes, máscaras faciais, entre outros - prazo de forma imediata à ciência desta decisão; b.16) Higienizar as áreas de grande circulação de pessoas e as superfícies de toque (cadeiras, maçanetas, portas, corrimão, apoios em geral e objetos afins), após cada uso, antes dos rodízios das funções, e, no mínimo, a cada 3 (três) horas,   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                      Fl. 30   durante o período de funcionamento, preferencialmente com álcool em gel 70% (setenta por cento) ou hipoclorito de sódio 0,1% (água sanitária), ou outro desinfetante indicado para este fim, observando o procedimento operacional padrão definido pelas autoridades sanitárias - prazo de 24 horas a contar da ciência desta decisão; b.17) Disponibilizar dispenser com sabão para higienização das mãos com propriedades bactericidas nas instalações sanitárias, lavatórios em refeitórios, salas de pausas e acesso aos setores de trabalho - prazo de cinco dias a contar da ciência desta decisão; b.18) Disponibilizar e manter, nas saídas dos setores produtivos, após as portas das barreiras sanitárias, lavatórios dotados de sabonete líquido e papel toalha e/ou álcool em gel 70% e/ou outro sanitizante equivalente, quando houver contato das mãos com escovas manuais, barras de acionamento de escovas mecânicas usadas na limpeza dos calçados ou com maçanetas/barras de abertura de portas - prazo de 48 horas a contar da ciência desta decisão; b.19) Proibir a utilização de secadores automáticos de mãos, substituindo-os por toalhas de papel - prazo de cinco dias a contar da ciência desta decisão; b.20) Proibir a utilização de toalhas de uso coletivo - prazo de forma imediata à ciência desta decisão; b.21) Disponibilizar recipientes com álcool em gel 70% (setenta por cento) em pontos estratégicos da planta, tais como recepções, entradas, instalações sanitárias, salas, restaurante  e locais de maior circulação - prazo de quarenta e oito horas a contar da ciência desta decisão; b.22) Garantir que refeitórios, vestiários e as salas de pausa sejam submetidas à limpeza e desinfecção a cada troca de grupos em gozo de pausas, mediante uso de álcool 70% (setenta por cento) ou hipoclorito de sódio 0,1% (água sanitária), ou outro desinfetante indicado para este fim, observando o procedimento operacional padrão definido pelas autoridades sanitárias - prazo de quarenta e oito horas a contar da   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                    Fl. 31   ciência desta decisão; b.23) Eliminar os itens compartilhados nas áreas de lazer, como baralhos, jogos de dominó, pingue-pongue, damas, dentre outros - prazo de vinte e quatro horas a contar da ciência desta decisão; b.24) Reforçar, junto às equipes de cozinha, a importância de seguir os procedimentos de higiene na cozinha e no refeitório - prazo de quarenta e oito horas a contar  da ciência desta decisão; b.25) Realizar o distanciamento das mesas do restaurante, locais de descanso e fruição de pausas e garantir que durante o seu uso as trabalhadoras e trabalhadores mantenham distância de, no mínimo, 1,8 metro entre si - prazo de quarenta e oito horas a contar  da ciência desta decisão; b.26) Proibir o compartilhamento de armários individuais, tanto para guarda de pertences pessoais como para guarda de EPIs - prazo de forma imediata à ciência desta decisão; b.27) ADOTAR, no mínimo, as seguintes medidas de prevenção e planos de trabalho no âmbito do SESMT - Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho da empresa: a) garantir, a suas trabalhadoras e trabalhadores, toda assistência envolvida no atendimento a potenciais casos de coronavírus, em especial, a disponibilização de equipamentos de proteção individual e coletiva indicados pelas autoridades de saúde locais, nacionais e internacionais, de acordo com as orientações mais atualizadas: I) Máscaras cirúrgicas: profissionais de saúde e profissionais de apoio que prestem assistência a menos de 1 metro do paciente suspeito ou confirmado; Equipes de portaria; Equipes responsáveis pelo preparo de alimentos; e profissionais responsáveis pela pré-triagem; II) Respirador particulado (tipo N95, N99, N100, PFF2 ou PFF3): durante a realização de procedimentos em pacientes com infecção suspeita ou confirmada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) que possam   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                      Fl. 32   gerar aerossóis, como por exemplo, procedimentos que induzem a tosse, coleta invasiva de amostras, pipetas, tubos de agitação ou vórtice, enchimento com seringa, centrifugação, intubação ou aspiração traqueal, ventilação invasiva e não invasiva, ressuscitação cardiopulmonar, ventilação manual antes da intubação, indução de escarro, coletas de amostras nasotraqueais; bem como para trabalhadoras e trabalhadores da lavanderia e que realizam atividades de limpeza e recolhimento de lixo; b) Garantir que a máscara esteja apropriadamente ajustada à face, para reduzir o risco de transmissão, devendo haver a orientação de profissionais sobre como usá- la, removê-la e descartá-la, bem como sobre a higienização das mãos antes e após seu uso; c) Implantar medidas de prevenção adicionais, tais como a higienização das mãos com água e sabonete líquido ou preparação alcoólica, antes e após a utilização das máscaras, devendo ser garantido o fornecimento de tais insumos, assim como o treinamento adequado para que o procedimento seja realizado de forma eficaz; d) Disponibilizar máscara cirúrgica, a trabalhadoras e trabalhadores com sintomas de infecções respiratórias, desde a chegada ao ambulatório, e garantir sua utilização durante a circulação dentro do serviço de atendimento; f) Instituir procedimento para organização do fluxo de atendimento, de maneira a estabelecer técnica de triagem para verificação de possíveis sintomas logo na entrada do ambulatório, bem como separação de pacientes sintomáticos das trabalhadoras e trabalhadores que porventura procurarem o serviço; g) Garantir a articulação entre o SESMT e a Rede de Serviços Públicos de Atenção à Saúde e Vigilância Epidemiológica do Município, com vistas ao aprimoramento da detecção de possíveis casos suspeitos nos serviços de saúde, bem como obter de modo preciso as diretrizes do Ministério da Saúde e Secretarias Estadual e Municipal de Saúde - prazo de cinco dias a contar da ciência desta decisão; b.28) Notificar   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                    Fl. 33   imediatamente todos os casos suspeitos ou confirmados de infecção humana pela COVID-19 - prazo de vinte e quatro horas a contar da ciência desta decisão; b.29) Monitorar o estoque disponível de equipamento de proteção individual (EPI) - prazo de vinte e quatro horas a contar da ciência desta decisão; b.30) Suspender a realização de eventos (capacitações, treinamentos, cursos) com aglomeração de pessoas trabalhadoras nos ambientes de trabalho; em sendo possível, a empresa poderá realizar esses procedimentos de forma remota - prazo de forma imediata a contar da ciência desta decisão; b.31) ADOTAR as seguintes medidas com vistas a garantir ambientes adequadamente ventilados e arejados, considerando a possibilidade de contato direto e por gotículas no ambiente da COVID-19: 3.1 Ambientes artificialmente frios: a) Privilegiar, em sendo possível e com espaço adequado, a fruição de pausas psicofisiológicas e térmicas em ambientes externos arejados ou em salas e ambientes não artificialmente refrigerados, de forma a evitar a presença de aglomeração de trabalhadoras e trabalhadores em ambientes com baixa taxa de renovação de ar; b) Quando impossível o atendimento do item anterior, garantir a fruição de pausas térmicas e psicofisiológicas em salas ou corredores que possuam exaustão forçada ou alimentação direta de ar externo; c) Manter os exaustores existentes nos ambientes refrigerados ligados durante todo o período em que trabalhadoras e trabalhadores estejam laborando no interior desses ambientes, visando aumentar a taxa de renovação de ar; d) Manter as aberturas de entrada de ventilação natural (portas de corredores, aberturas de nórias e esteiras, dentre outras) nos ambientes artificialmente frios, abertas e desobstruídas, visando aumentar a taxa de renovação de ar; - prazo de vinte e quatro horas a contar da ciência desta decisão;   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                      Fl. 34   NÃO PERMITIR o ingresso de qualquer pessoa que tenha sintomas respiratórios, entendidos esse como tosse seca, dor de garganta ou dificuldade respiratória, acompanhada ou não de febre, nas dependências da empresa, e, quando se tratar de pessoa trabalhadora ou prestadora de serviços, GARANTIR seu imediato afastamento das atividades, nos termos do 2º da portaria 454 MS/GM, de 20/03/2020. Proibir, também, que visitantes ou pessoas terceiras reutilizem uniformes e/ou EPIs (capacetes, calçados de segurança, dentre outros) sem que tais vestimentas/equipamentos sejam devidamente higienizados - prazo de forma imediata a contar da ciência desta decisão; Proibir a entrada de visitantes, fornecedores de matéria prima e/ou outras pessoas terceiras que não estejam com autorização de ingresso contemplada no plano de prevenção de infecção - prazo de forma imediata a contar da ciência desta decisão; 34) Realizar, em pessoas terceiras que tenham autorização de ingresso contemplada no plano de prevenção de infecção, os mesmos procedimentos sanitários e de saúde exigidos a trabalhadoras e trabalhadores do estabelecimento - prazo de forma imediata a contar da ciência desta decisão; b.35) ADVERTIR às pessoas gestoras dos contratos de prestação de serviços terceirizados quanto à responsabilidade da empresa contratada em adotar todos os meios necessários para conscientizar e prevenir suas trabalhadoras e seus trabalhadores acerca dos riscos do contágio do novo coronavírus (SARS- COV-2) e da obrigação de notificação da empresa contratante, quando do diagnóstico de pessoa com a doença COVID-19 - prazo de cinco dias a contar da ciência desta decisão; b.36) PERMITIR o amplo acesso às dependências das unidades das autoridades sanitárias federal, estaduais e municipais com o escopo de fiscalizar as medidas legais atinentes ao   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                    Fl. 35   contágio da COVID-19, bem como garantir a periódica vistoria para aferir a eficácia dos planos de contingenciamento, e das medidas recomendadas, devendo adotar todas as medidas técnicas indicadas pelas autoridades por ocasião das inspeções - prazo imediato a contar da ciência desta decisão. Para o caso de descumprimento das obrigações supra, fixo multa de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), por pessoa trabalhadora prejudicada, devida a cada constatação e corrigidas pelos mesmos índices aplicados pela Justiça do Trabalho, a partir da data do ajuizamento desta ação, revertidas em benefício de entidade/instituição/fundo vinculada ao combate à COVID- 19 a ser indicado pelo Ministério Público do Trabalho e sob posterior homologação do Juízo, em fase de liquidação de sentença. Cientifique-se o Juízo impetrado do inteiro teor desta decisão. Cumpra-se com a máxima urgência mediante expedição do competente mandado à litisconsorte, a ser intimada por Oficial de Justiça, na pessoa de seu diretor responsável pela unidade de Três Passos, que fica incumbido, a partir de sua ciência desta decisão, de comunicar, nos autos, em vinte e quatro horas, quarenta e oito horas, cinco dias, dez dias e quinzes dias, as medidas adotadas para cumprimento desta liminar sob pena de desobediência/prevaricação (art. 330/319 do CP), conforme prazo diferido fixado nas obrigações ora determinadas. Consideradas as repercussões na comunidade de um eventual descumprimento desta medida, oficie-se ao Exmo. Sr. Prefeito Municipal de Três Passos com cópia desta decisão. Ainda, requisite-se fiscalização do inteiro e fiel cumprimento desta decisão à inspeção do trabalho, à vigilância sanitária do Município de Três Passos e à vigilância sanitária do Estado do Rio Grande do Sul.   DESPACHO 0020963-95.2020.5.04.0000 (PJe) MS                                                      Fl. 36   Oficie-se à autoridade apontada como coatora para prestar informações no prazo legal e intime-se a litisconsorte, (Id. fc5512b), para responder a ação mandamental no prazo de 10 dias. Após, ao Ministério Público do Trabalho, em cumprimento ao disposto no art. 12 da Lei 12.016/09. Intimem-se. Porto Alegre, 18 de maio de 2020 (segunda-feira).

DECISÃO - Melhoria nas condições de trabalho hospitalar (EPI) - RJ

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO 9ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro ACPCiv 0100370-10.2020.5.01.0009 RECLAMANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO RECLAMADO: MUNICIPIO DE RIO DE JANEIRO, UNIÃO FEDERAL (AGU) Nesta data faço conclusos os autos à Exmª Juíza do Trabalho. Em 11.05.2020 Margareth Abelha Técnico Judiciário Vistos, etc. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ajuizou Ação civil pública em face de MUNICIPIO DE RIO DE JANEIRO e UNIÃO FEDERAL (AGU) pretendendo, em sede de tutela de urgência, compelir o Município do Rio de Janeiro e a União Federal (cada um no limite de suas competências) à adoção de medidas no Hospital Municipal Salgado Filhopara,através da melhoria das condições de trabalho e do meio ambiente laboral, prevenir o contágio pela COVID 19 de todos os trabalhadores (servidores, prestadores de serviços de saúde, dentre eles médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, maqueiros, residentes e terceirizados) que ali prestam serviços. Argumenta que a Procuradoria Regional do Trabalho da Primeira Região recebeu denúncia, encaminhada pela Procuradoria Geral do Trabalho, por intermédio da Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades na Administração Pública – CONAP, em face do Hospital Municipal Salgado Filho, com notícia da falta de equipamentos de proteção individual para o atendimento à população, além de outras irregularidades relacionadas ao meio-ambiente de trabalho, que poderiam agravar os riscos de dano irreparável à saúde física e mental desses trabalhadores. Em razão da referida denúncia, foi instaurado o Inquérito Civil Público n.º 001955.2020.01.000/4 p ara apurar a situação da unidade de saúde em comento no contexto atual de calamidade pública ( DOC 01 – Notícia de Fato, Apreciação Prévia e Portaria de Instauração do IC). No curso da investigação, o Ministério Público do Trabalho constatou uma situação caótica no Ho spital Municipal Salgado Filho - HMSF, com ele atuando bastante despreparado no enfrentamento da COVID 19, colocando em risco a saúde e a vida de todos que lhe prestam serviços e de seus pacientes. Afirma, ainda, que foram apuradas diversas irregularidades, em especial o déficit de profissionais, inclusive médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e fisioterapeutas; que os existentes trabalham sem equipamentos de proteção coletiva, sem fornecimento e reposição segura de equipamentos de proteção individual (EPI´s), sem treinamento/capacitação profissional adequada (individualizada e continuada) para o manejo clínico da COVID 19, sem divulgação e condições de seguir os protocolos de atuação e sem atendimento em caso de adoecimento psicológico ou contaminação, entre tantas outras más condições comosuperlotação de pacientes com COVID 19,que afetam sobremaneira o exercício de suas funções e o meio ambiente do trabalho no hospital, a ponto dos trabalhadores. Argumenta o MPT que a situação constatada tende a se agravar em razão do deslocamento de profissionais lotados no HMSF, para prestarem plantão de 12hs no hospital de campanha da prefeitura, pois não há nenhum planejamento das rés para a reposição desses profissionais, quando o número de trabalhadores em atividade já é insuficiente. A parte autora chama a atenção, ainda, para a situação do elevado número de óbitos na unidade. Apresenta fotos e reportagens para demonstrar um expressivo número de cadáveres, enfileirados em macas fora do necrotério, denunciando que o refeitório dos maqueiros e dos trabalhadores do setor administrativo fica ao lado do local onde os cadáveres estão acomodados de modo irregular, sem refrigeração. Diante de tudo que está narrado na inicial, das normas jurídicas apontadas pela parte autora e dos documentos trazidos aos autos, requer a tutela de urgência, em caráter liminar, para imposição das obrigações indicadas no rol de pedidos aos réus. É o breve relatório, tudo visto e examinado, decido: Primeiramente, constato que a parte autora é legítima para o ajuizamento da presente demanda, pois o direito discutido nos autos é de cunho evidentemente coletivo e difuso, relacionado ao meio ambiente de trabalho. Os fatos articulados atingem de forma indivisível todos os trabalhadores que atuam no HMSF e, ainda, todos os pacientes, familiares e demais pessoas que tenham contato com o ambiente potencialmente nocivo denunciado nos autos. Trata-se, portanto, de defesa de direito coletivo e difuso, relacionado tanto à preservação da saúde física e mental dos trabalhadores da unidade médica, quanto à questão de saúde pública relacionada à síndrome respiratória aguda grave (SRAG) COVID 19 e sua propagação. Logo, o Ministério Público do Trabalho – MPT - é parte legítima para ajuizar a presente Ação Civil Pública, bem como, a via processual utilizada é pertinente para a apreciação judicial dos fatos alegados. Quanto ao pedido de concessão de liminar, passo a analisar os requisitos de relevância dos fundamentos da demanda e da urgência da medida requerida (fumus boni iuris, periculum in mora ) conforme art. 84, §3º do CDC, aplicado por autorização expressa do art.21 da Lei 7347/85, norma que regula a matéria e que se aplica subsidiariamente ao rito processual trabalhista, diante da omissão da CLT nesse particular. Por se tratar de ação coletiva, os requisitos para a tutela de urgência antecipatória, ou seja, que assegura liminarmente o efeito pretendido no pedido principal da ação, são a relevância do fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento final, não havendo necessidade da evidencia e da probabilidade previstas no art.300 do CPC, que é aplicado apenas de modo subsidiário na Ação Civil Pública. (BEZERRA LEITE, Carlos H. Tutela de urgência em Ação Civil Pública no Direito Processual do trabalho. In Ação coletiva na visão de juízes e procuradores do trabalho. São Paulo, LTr, 2006. p. 237-261) Pois bem. Trata a hipótese dos autos de controle judicial de ato administrativo, valendo lembrar que tal controle é limitado, tendo em vista a forma Republicana de Governo, o regime político do país e a tripartição dos poderes, instituídos na Constituição da República, promulgada em outubro de 1988. Organizado o Estado em três Poderes independentes e harmônicos – Executivo, Legislativo e Judiciário, há que se estabelecer competência e limite de atuação de cada um deles. Por tais motivos, o controle judicial do ato administrativo restringe-se à análise de sua legalidade, em caso de ato vinculado, e de legalidade e mérito (moralidade e razoabilidade), quando se trata de ato discricionário. Nestes autos o questionamento doparquetse volta para ato administrativo discricionário, decorrente do dever da União, Estado e Municípios garantirem à população assistência médica e da já mencionada pandemia relacionada à síndrome COVID 19. A matéria, portanto, se insere na discricionariedade dos entes públicos de elaborarem e implementarem política pública para fazer frente à dita pandemia, contudo, essa discricionariedade não é absoluta, uma vez que essa política pública deve estar dentro dos parâmetros legais, bem como, deve atender aos princípios da moralidade e eficiência (art.37, cap ut, CF/88). Dito de outra forma, compete ao administrador público gerir a saúde pública com eficiência e legalidade, mesmo no quadro excepcional ora vivenciado. Nessa perspectiva, compete ao Poder Judiciário o controle dos atos do Poder Executivo, verificando se o exercício discricionário do agente público está cumprindo com o dever de garantir saúde à população sem, contudo, substituí-lo. Desde 20 de março de 2020, ficou reconhecido, pela República Federativa do Brasil, o estado de calamidade pública, nos termos do Decreto Legislativo de nº 06/2020, com efeitos até 31 de dezembro de 2020. Em relação especificamente ao HMSF, no dia 16.03.2020 foi realizada vistoria na unidade pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro - CREMERJ. O relatório da visita, ID. 5d0ed3d, já apontava diversas deficiências como número insuficiente de EPI’s mínimos para a atividade, como máscaras N95 ou PFF2, avental descartável, ALCOOL 70%, óculos ou face shield para uso individual, entre outras. Inicialmente não havia previsão de leitos para internação decorrente da síndrome COVID 19 no HMSF, que é referencia para atendimento de trauma/ortopedia. Contudo, na ocasião os fiscais constataram o não isolamento de paciente com suspeita de CODIV-19 em leito com ventilação mecânica ao lado de mais 12 leitos, separado apenas por cortina, o que é incompatível com as orientações da Secretaria de Estado de Saúde no Plano de Resposta de emergência ao Coronavirus no Estado do Rio de Janeiro, ID. 38c678b - Pág. 1, inclusive porque ali de forma expressa - ID. 38c678b, Pág. 2 - apresenta seus objetivos incompatíveis com as práticas observadas no referido hospital. Ou seja, em meados de março do corrente ano o HMSF começou a receber pacientes com suspeita de COVID 19, sem que fosse estabelecido nenhum procedimento especial para limitar a transmissão humano a humano, isolar pacientes precocemente, bem como organizar a resposta assistencial de forma a garantir o adequado atendimento. Ainda em março o CREMERJ aponta a urgência em estabelecer protocolos e procedimentos para recebimento de pacientes infectados ou com suspeita de infecção por Coronavirus, carência de equipamentos individuais mínimos e acentuado déficit de profissionais para atendimento dos pacientes. Nessa mesma época foi encaminhado ao procurador-chefe ofício da Associação Médica Brasileira – AMB, onde já se apontava a insuficiência de equipamentos de proteção individual em diversas unidades de atendimento, entre elas o HMSF, como se vê no documento ID. 5df6fe2 - Pág. 1. Em 16.04.2020 foi alterada a estratégia para atendimento dos doentes, que passaram a ser pulverizados por diversas unidades de atendimento, entre elas o HMSF onde havia a previsão de 14 leitos para esse atendimento - ID. 959dfd5. Denuncia o MPT que não houve prévia preparação do Hospital Municipal Salgado Filho para o recebimento de pacientes com suspeita e/ou confirmação de síndrome COVID 19, bem como, que o número real de pacientes nessas condições é muito superior ao inicialmente previsto. Segundo a inicial “dados extraídos da plataforma SISREG o hospital possuía, em 28/04/2020, 28 pacientes internados com COVID 19, sendo metade em leitos de UTI e, em 07 de maio de 2020, 25 pacientes, sendo 12 em leitos de UTI”, fato confirmado pelos documentos de ID. ed439fd e ID. ed439fd. Portanto, desde o final de março de 2020 é de conhecimento das autoridades responsáveis pela elaboração de política pública de enfretamento da pandemia relacionada ao COVID 19, que o HMSF estava a receber pacientes infectados em número superior ao estimado (14), apesar do preocupante déficit de trabalhadores na unidade, da insuficiência de equipamento de proteção individual, da ausência de treinamento e de procedimento para triagem, isolamento e atendimento desses pacientes. Ao longo do mês de abril de 2020 a situação no HMSF se agravou, com um alto índice de contaminação e mortes, tanto entre os pacientes quanto entre os trabalhadores, aumentando o déficit de profissionais para atendimento dos pacientes e o risco de todos que acessavam a unidade. Tal cenário foi resultado da falta de planejamento, da ausência de isolamento dos pacientes acometidos de COVID 19, falta de EPI’s, ausência de filtro para ar condicionado do setor onde havia pacientes infectados. Os elementos trazidos aos autos comprovam que pouco mais de um mês após a unidade receber o primeiro paciente infectado pelo Coronavírus, as condições ambientais do hospital se deterioraram e transformaram o local e os trabalhadores ali lotados em vetores de propagação da síndrome COVID 19. Em 25.04.2020 é noticiada a morte do pastor Fábio A. M. Santiago Santos, de 34 anos no HMSF ID. e9da53f - Pág. 23 – sem que a família recebesse o resultado do teste para confirmar se o óbito decorreu de COVID 19. No dia 01.05.2020 a reportagem do portal O GLOBO - ID. 24d8fc - informava sobre a insuficiência de leitos e de planejamento para atendimento da população durante a pandemia, situação que estaria sendo inclusive averiguada por parlamentares do Município e do Estado do Rio de Janeiro. A reportagem publicada em 02.05.2020 - ID. 33202df – denuncia a situação caótica do HMSF, exibindo fotos de corpos enfileirados em área sem refrigeração, diante da incapacidade do necrotério da unidade acomodar todos os cadáveres. O CREMERJ realizou nova vistoria na unidade hospitalar em questão no dia 04.05.2020 - ID. 74165d9 – constatando que “o HMSF mantém 87 pacientes suspeitos/ confirmados para COVID- 19 internados”, ou seja, um número bem superior aos 14 leitos previstos no plano de atendimento acima indicado, pois “frente à pandemia foram criados leitos extras para atender a grande demanda” constando, ainda, no relatório de inspeção: “A fim de ilustrar a superlotação, citamos a adaptação de alguns setores: Unidade intermediária com capacidade para 13 leitos foi adaptada para receber 16 pacientes; as salas amarelas, masculinas e femininas, com capacidade total para 14 pacientes detêm 39 pacientes; sala vermelha mantém todos os 05 leitos ocupados. Ressalta-se que há também internação isolada em diversos setores como Unidade Intensiva, Unidade Coronariana, Pediatria, Clinica Médica, entre outros.” Consta nesse relatório que cerca de 30% dos 224 casos suspeitos/ confirmados da doença atendidos no HMSF evoluíram para óbito dos pacientes. Nessa inspeção se constatou, ainda, um elevado número de cadáveres fora do necrotério, além de estoque de máscaras cirúrgicas em estado crítico e grave insuficiência de profissionais para atendimento da população. Esses elementos trazem verossimilhança à alegação da inicial, de que o HMSF foi transformado em unidade de tratamento para síndrome respiratória aguda grave (SRAG) COVID 19, de modo totalmente improvisado. Sem o devido planejamento, tal atividade deteriorou o meio ambiente de trabalho, acarretando fundado risco para as pessoas que freqüentam o local. Esses elementos já são suficientes para demonstrar a relevância da questão trazida à apreciação judicial, bem como, o perigo na demora da prestação jurisdicional, uma vez que a situação ambiental do HMSF vem se agravando desde março deste ano, sendo justificado o requerimento de tutela de urgência para efetivar as medidas de proteção contra o agravamento e propagação da COVID 19, tanto entre os trabalhadores quanto entre os pacientes. Ensina a doutrina acompanhada pelo Juízo que: “o Direto Ambiental do trabalho constitui inerente às normas sanitárias e de saúde do trabalhador (CF, art.196), que, por isso, merece a proteção dos Poderes Públicos e da sociedade organizada, conforme estabelece o art.225 da Constituição Federal. É difusa a sua natureza, ainda, porque as conseqüências decorrentes da sua degradação, como, por exemplo, os acidentes de trabalho, embora com repercussão imediata no campo individual, atingem, finalmente, toda a sociedade” (MELO, Raimundo S. Direit o Ambiental do Trabalho e a Saúde Trabalhador”, São Paulo: Ed. LTr., 2008 - 3ª Ed., p.29). O mesmo autor chama a atenção para a responsabilidade do Estado pelos atos e/ou omissões causadores de danos diretamente ao meio ambiente de trabalho ou que potencializem a criação de riscos ambientais laborais: “A responsabilidade do Estado surge, portanto, da ausência de serviços ou do seu mau funcionamento, porque cabe ao Poder Público ser prudente e cuidadoso no vigiar, orientar e ordenar a saúde ambiental nos casos em que haja prejuízo ou potencialidade de riscos para o meio ambiente e para as pessoas” (MELO, Raimundo S. ob. cit. p.232). Como bem salientado pelo MPT na inicial, mesmo no cenário de pandemia ora vivenciado, é necessário compatibilizar o direito dos trabalhadores à proteção dos riscos de sua atividade, com o direito da população de receber assistência. Até porque, sem o trabalho dos profissionais lotados no HMSF não será nem mesmo possível prestar a tão necessária assistência médica à população. Vale dizer, são direitos que se complementam, pois apenas com a preservação da saúde física e mental dos trabalhadores lotados no HMSF será possível dar efetiva assistência médica à população. Os profissionais da saúde certamente merecem tratamento isonômico para minimizar os riscos de exposição ao Coronavírus e contágio. Dessa forma todos os esforços precisam atuar para conter e/ou minimizar os efeitos da pandemia, especialmente para preservação do seu meio ambiente laboral. No que se refere às condições mínimas de trabalho, estas, de fato, não estão sendo observadas no hospital Salgado Filho, visto que a própria escala de plantão apresentada, consta funcionários que já estão aposentados (DOC 30 – escala de plantão com empregados aposentados consta nte em ID. 02b2924 - Pág. 16), o que demonstra a falta de controle quanto inclusive com os servidores que atuam no local. Além disso, o já mencionado relatório da vistoria realizada no HMSF pelo CREMERJ em 04.05.2020, informa que: “Em relação ao quantitativo de pessoal, há grande preocupação pela direção da unidade. A escala médica da emergência que já apresentava grande déficit antes do início da pandemia apresenta-se crítica no momento, principalmente em relação ao quantitativo de médicos clínicos. Atualmente, como forma de manter o atendimento ao grande número de pacientes de COVID internados na unidade de emergência, os médicos cirurgiões estão ficando responsáveis pela evolução e atendimento de intercorrência destes pacientes. [...] Conforme divulgado recentemente na mídia, a unidade apresenta número de óbitos muito além da capacidade instalada para armazenamento adequado. Das 12 gavetas disponíveis para armazenamento individual e refrigerado de cadáveres, apenas 08 estão disponíveis. As demais apresentam problemas relacionados a vedação ou estão ocupadas com peças anatômicas. Constatamos a presença de 11 corpos fora da unidade de refrigeração, dentro da sala, devidamente identificados e embalados. Destes, o mais antigo estava há 02 dias no setor fora de refrigeração [...] Ressalta-se que já existe protocolo institucional próprio formatado, contemplando fluxo de atendimento e tratamento de pacientes, contudo, é importante destacar que a unidade não é referência para atendimento de COVID-19. Houve grande esforço da direção em aumentar a oferta de leitos e garantir o atendimento destes pacientes em ambiente exclusivo, evitando a disseminação da doença. Entretanto, constatamos que há grande número de pacientes internados, com superlotação do setor de emergência, consequentemente com necessidade de internação em outros ambientes. Fato este que se agrava a medida que não são mais ofertadas vagas para transferência. Conforme informado, havia paciente aguardando transferência há 18 dias. Em meio à pandemia, o hospital que já enfrentava sérios problemas relacionados a recursos humanos, sobretudo de Médicos clínicos, teve sua escala ainda mais reduzida com o afastamento de médicos que contraíram a doença, foram afastados por possuírem idade maior que 60 e serem portadores de doenças crônicas ou, conforme decreto municipal, que foram convocados para trabalhar parte de sua carga horária no Hospital de Campanha do RioCentro.” Portanto evidente que no caso em tela resta prejudicada a preservação da vida e da saúde física e mental desses profissionais, por outro lado não se verifica efetiva atuação dos réus, de meados de março do corrente ano até a presente data, no sentido de resolver os problemas apontados na primeira inspeção do CREMERJ, em especial nos seguintes aspectos: Até a presente data não foi disponibilizada testagem para os trabalhadores lotados no HMSF; Nada foi feito para diminuição do déficit de profissionais; não houve contratação para substituir os profissionais afastados ou mortos em razão da COVID 19; Até hoje não foi realizado treinamento nem mesmo estabelecido procedimento de triagem de pacientes, de modo a isolar os casos de suspeita/confirmação de COVID 19; Ainda há deficiência no fornecimento de EPI’s, notadamente máscara cirúrgica descartável e óculo ou face shield individuais; Ainda não foi solucionada a acomodação de cadáveres, que continuam alocados em local impróprio, sem refrigeração. Os depoimentos de trabalhadoras lotadas no HMSF, colhidos no inquérito civil - ID. 46018fb - confirmam os fatos apurados pelo CREMERJ, destacando-se os seguintes trechos: “no plantão médico há hoje um único médico atendendo casos de coronavírus e casos outros; hoje há apenas um médico na emergência; não são fornecidos equipamentos de proteção individual e coletiva em respeito às normas do Ministério da Saúde; os profissionais da saúde, dentre eles, médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, maqueiros e do setor administrativo receberam apenas máscaras comuns e estão utilizando, por dias, duas máscaras comuns; [...]com relação a face shield forneceram 3 (três) ou 4 (quatro) para uso coletivo o que não é permitido, eis que a mesma deve ser utilizada individualmente; [...]muitas mortes ocorreram nos últimos dias no referido Hospital, em torno de 12 (doze) mortes a cada 12 (doze) [...]o ambiente que o paciente de COVID-19 fica é munido de um ar-condicionado central sem filtro bacteriológico e sem sistema de exaustão, o que proporciona ainda mais a contaminação; inúmeros profissionais da saúde, do setor administrativo e terceirizados vieram a falecer por conta disso”. Por outro lado, a postura dos réus traz fundado receio de que esse quadro se agrave ainda mais. Não há notícia de contratação de pessoal, elaboração de fluxo e protocolo de atendimento, instalação de filtro bacteriológico no ar condicionado do setor onde estão os infectados pelo Coronavirus. Quanto ao Executivo Municipal, a Resolução SMS 4389 de 03.05.2020 - ID. 1ce499e – determina que servidores que hoje atuam no HMSF “exerçam, em caráter excepcional e temporário, 12 (doze) horas de sua carga horária no Hospital Municipal de Campanha, situado na Avenida Salvador Allende nº 6.555, Pavilhão 03 – Barra da Tijuca”. A par de não esclarecer se essa atividade excepcional será semanal ou mensal, não há previsão de reposição desses profissionais deslocados, o que certamente agravará o colapso já instaurado no HMSF. Chama a atenção do Juízo, ainda, que toda a compra de material e equipamentos de proteção individual para o HMSF é realizada através da empresa CORPO ASTRAL COMERCIAL E INDUSTRIAL LTDA ME, a mesma que desde março vem falhando no fornecimento de máscaras cirúrgicas descartáveis, óculos ou face shield e outros equipamentos de proteção individual. As compras estão sendo realizadas sem necessidade de licitação, diante do estado de calamidade pública, logo, o ente deveria estar mais atento à sua obrigação de buscar eficiência na aquisição desses equipamentos essenciais para a preservação do meio ambiente laboral. Outro aspecto relevante, é que mesmo sem providenciar local apropriado para acomodação dos cadáveres do HMSF, em 04.05.2020 foi publicada no DORJ a resolução de remoção dos corpos de pessoas falecidas na área 3.2 para o HMSF, o que certamente agravará ainda mais as condições ambientais impróprios no aludido hospital, como já apontado pelo CREMERJ. No que se refere aos recursos necessários para a implementação imediata das medidas postuladas peloparquetuma rápida busca no Diário Oficial revela que no período recente o Município do Rio de Janeiro efetuou os seguintes gastos, todos com dispensa de licitação: No segundo semestre de 2019 o Município perdoou dívida de R$450.000.000,00 (quatrocentos e cinqüenta milhões de reais) dos cartórios. Entrementes, em 15.04.2020 consta na pg. 48 do DORJ que o Município gastou, sem licitação, R$8.424.000,00 (oito milhões, quatrocentos e vinte e quatro mil reais) para a compra de álcool em gel destinado a escolas que estão fechadas desde março, sendo fornecedora a empresa TRANSNOGUEIRA COMÉRCIO E MERCADO EIRELI. No dia 08.05.2020 a prefeitura contratou a empresa DIMENSIONAL ENGENHARIA LTDA, para serviço de recuperação de pavimentação de vias públicas, no montante de R$10.826.778,73 (dez milhões, oitocentos e vinte e seis mil, setecentos e setenta e oito reais e setenta e três centavos). Já nas pg.59 do DORJ de 11.05.2020 consta a contratação de agencias publicitárias, também sem licitação, no valor de R$7.000.000,00 (sete milhões de reais). Tais elementos indicam que o Município dispõem de recursos financeiros, inclusive para atividades não prioritárias no momento, o que afasta alegação de reserva do possível em relação aos gastos urgentes dos quais depende a adequação do meio ambiente de trabalho no HMSF. Como já explicitado, a situação ora vivenciada é inédita, entretanto as normas de segurança do trabalho e as recomendações existem e devem ser cumpridas, tanto assim que o Supremo Tribunal Federal, em decisão liminar proferida em 29 de abril de 2020 suspendeu a eficácia dos artigos 29 e 30 da Medida Provisória 927/2020, sob o fundamento de que as regras neles contidas fogem da finalidade social do trabalho e ofendem inúmeros trabalhadores de atividades essenciais que continuam expostos ao risco da contaminação, e também no intuito de evitar que empregadores e entes públicos se descuidem do cumprimento de seus deveres com inversão das práticas necessárias em tempos de estado de emergência. Nesse sentido: “a preservação da dignidade do trabalhador, enquanto ser humano, é verificada, necessariamente, pelo cotejo de suas condições de trabalho. Nesse aspecto, registramos que não existe qualquer possibilidade de flexibilização daquilo que seria o mínimo necessário à preservação de sua dignidade. [...] Assim, se o trabalhador presta serviços exposto à falta de segurança e com riscos à sua saúde, temos o trabalho em condições degradantes. Se as condições de trabalho mais básicas são negadas ao trabalhador [...] há trabalho em condições degradantes” (RIBEIRO JUNIOR, José H. Tutela inibitória nas Ações Coletivas. In Ação coletiva na visão de juízes e procuradores do trabalho. São Paulo, LTr, 2006, p. 137-138). Os réus têm responsabilidade solidária na preservação ambiental, como preconizam os art.196, 197 e 225 da CF/88. Com relação aos trabalhadores envolvidos, são todos aqueles que atuam efetivamente nas dependências no HMSF, sejam os diretamente contratados pelos réus, terceirizados, temporários, prestadores de serviço, autônomos, como reconhecido nas recomendações de proteção aos trabalhadores dos serviços de saúde no atendimento de COVID- 19 e outras síndromes gripais, elaboradas pelo Governo Federal: “Trabalhadores dos serviços de saúde são todos aqueles que atuam em espaços e estabelecimentos de assistência e vigilância à saúde, sejam eles hospitais, clínicas, ambulatórios e outros locais10. Desta maneira, compreende tanto os profissionais da saúde – como médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, nutricionistas, fisioterapeutas, etc. – quanto os trabalhadores de apoio, como recepcionistas, seguranças, pessoal da limpeza, cozinheiros, entre outros, ou seja, aqueles que trabalham nos serviços de saúde, mas que não estão prestando serviços direto de assistência à saúde das pessoas” - ID. 9246821. Diante do acima exposto e considerando o dever geral de cautela, bem como, a necessidade de resguardar o resultado efetivo da lide, com fundamento no art.84, §3º do CDC c/c art.21 da 7347 /85 c/c parágrafo 2º do artigo 300 do CPC c/c artigo 769 da CLT, DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA para determinar solidariamente aos réus o cumprimento das seguintes obrigações: EM CINCO DIAS: 1) Comprovar a efetiva instalação de container refrigerado, adequado para acomodação dos cadáveres recebidos das enfermarias e da AP 3.2; 2) comprovar a adequação e higienização dos sistemas de ar condicionado, com disponibilização de filtro bacteriológico e sistema de exaustão a fim de evitar novas contaminações cruzadas no HMSF; providenciar a testagem de todas e todos os trabalhadores em atividade no HMSF, nos moldes do pedido 6.1.d.; 4) providenciar local adequado para a refeição dos trabalhadores, especialmente maqueiros e trabalhadores do setor administrativo, distante no local onde estão acomodados os cadáveres; 5) comprovar aquisição e disponibilidade de máscara cirúrgica descartável em número adequado para o contato com pacientes infectados pelo Coronavírus. EM DEZ DIAS: 6) comprovar realização de treinamento e implementação de protocolo para triagem e atendimento de pacientes com suspeita/confirmação para COVID 19, bem como, adoção de fluxo de atendimento de pacientes sintomáticos respiratórios, separação do local de atendimento de casos suspeitos, isolamento de leitos dedicados para pacientes com COVID 19; 7) APENAS EM RELAÇÃO AO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, conforme o pedido: atualizar a s escalas de plantões do Hospital Municipal Salgado Filho para que elas reflitam a equipe que efetivamente trabalhará em cada plantão, bem como implementar rígido controle do cumprimento integral de tais escalas pelos profissionais; 8) APENAS EM RELAÇÃO AO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, conforme o pedido: estabelec er programa de atendimento psicossocial voltado à preservação da saúde mental de todas e todos os trabalhadores da unidade que inclua, no mínimo, atendimento psiquiátrico e psicológico; ENQUANTO PERDURAR A SITUAÇÃO DE PANDEMIA: 9) Manterem o abastecimento dos itens de EPIs necessários, de acordo com as atividades desenvolvidas pelos profissionais, conforme o número destes, e de sanitizantes adequados (álcool a 70%), a fim de garantir a todas e todos os trabalhadores em atividade no Hospital Municipal Salgado Filho, toda assistência envolvida no atendimento a potenciais casos de coronavírus COVID-19. 10) manter o fornecimento de testes necessários para testagem ampla e irrestrita semanal dos trabalhadores do Hospital Municipal Salgado Filho; 11) Complemente a mão de obra para completar o quantitativo necessário de pessoal na mesma unidade hospitalar, de acordo com o perfil assistencial do Hospital e recomendado pela Portaria 2048/02-MS, Resolução CREMERJ 02/96 e Resolução CFM 2077/14 e Resoluções do COREN, por meio de pessoal próprio ou das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) ou ainda mediante convênio de cessão de equipes médicas devidamente registradas de universidades públicas e particulares ou de grandes redes hospitalares privadas; TUTELA INIBITÓRIA: Por fim, faz-se necessária a imposição de medidas que impeçam ou evitem o agravamento das graves violações ao meio ambiente de trabalho no HMSF, detectadas nessa verificação preliminar dos autos. A tutela, aqui, é preventiva e visa impedir o agravamento do colapso constatado pelo CREMERJ. Para garantir a efetividade das obrigações de fazer acima determinadas, bem como, no intuito de obter resultado prático desta demanda, nos termos dos art. 497 e 536 do CPC, considero necessária a adição da seguinte imposição de obrigação de não fazer: Suspender temporariamente os efeitos da Resolução SMS 4389 de 03.05.2020, em relação aos servidores que atuam efetivamente no Hospital Municipal Salgado Filho, para determinar que os réus se abstenham de designá-los para cumprir plantão de 12hs no Hospital Municipal de Campanha, situado na Avenida Salvador Allende nº 6.555, Pavilhão 03 – Barra da Tijuca, até que: a) todos esses servidores sejam devidamente testados de modo que eles não atuem como vetores de transmissão do Coronavirus/ síndrome COVID 19 e b) seja apresentado plano para reposição desses servidores, de modo que o HMSF não fique desguarnecido dos recursos humanos necessários a manutenção de sua atividade em condições mínimas de segurança para os trabalhadores e pacientes. Cumpra-se COM URGÊNCIA por Oficial de Justiça em regime de plantão, CITANDO-SE A Ré, INCLUSIVE PARA ciência e cumprimento da presente decisão NO PRAZO DE 10 DIAS, FIXADA A multa de R$10.000,00 (dez mil reais) por dia, para cada determinação descumprida pelos Réus ; sem prejuízo de apuração de crime de descumprimento de ordem judicial (art. 4º, VIII da Lei 1079/50), desobediência e resistência (art. 330 e 329 do CPB). Expeçam-se mandados de cumprimento, com urgência, para que as Suscitadas cumpram as determinações acima, comprovando nos autos a efetivação das medidas nos prazos acima estabelecidos. Dê-se ciência à parte autora. RIO DE JANEIRO/RJ, 15 de maio de 2020. DANIELA VALLE DA ROCHA MULLER Juiz do Trabalho Titular

DECISÃO - Liberação dos profissionais incluídos no grupos de riscos - RJ

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO 9ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro ACPCiv 0100325-06.2020.5.01.0009 RECLAMANTE: SINDICATO DOS AUX E TEC DE ENF DO MUNIC DO R DE JANEIRO RECLAMADO: SPDM - ASSOCIACAO PAULISTA PARA O DESENVOLVIMENTO DA MEDICINA Nesta data faço conclusos os autos à Exmª Juíza do Trabalho. Em 20.04.2020 Margareth Abelha Técnico Judiciário Vistos, etc. SINDICATO DOS AUXILIARES E TÉCNICOS DE ENFERMAGEM DO RIO DE JANEIRO ajuizou Ação civil pública em face deSPDM -ASSOCIACAO PAULISTA PARA O DESENVOLVIMENTO DA MEDICINA pretendendo, em sede de tutela de urgência, a liberação do comparecimento ao trabalho dos profissionais que estejam incluídos nos grupos de riscos quanto a desenvolver complicações em face da síndrome Covid-19 causada pelo coronavírus, ou seja, todos que apresentem fator de comorbidade que, segundos os estudos mais recentes, aumentam o risco de letalidade para os infectados. Argumenta, ainda, que a Convenção Coletiva emergencial, entabulada com a categoria econômica correlata, já aponta a necessidade de afastamentos dos trabalhadores com tais enfermidades. Enfatiza que a atividade do Réu abrange riscos à contaminação, por isso deve estar preparado e conceder o devido afastamento aos profissionais que compõem o grupo de risco. Requer, assim, que a Ré libere imediatamente todos os seus empregados que fazem parte do grupo de risco, com manutenção da remuneração, sob pena de multa diária. Inicialmente, constato que a parte autora é legítima para o ajuizamento da presente demanda, pois o direito discutido nos autos é de cunho evidentemente coletivo, por atingir de forma indivisível todos os trabalhadores da categoria profissional representada pelo Sindicato autor, empregados da ré. O estatuto da entidade prevê entre seus objetivos a defesa judicial dos direitos coletivos da categoria. Trata-se, portanto, de defesa de direito coletivo dos empregados representados pela parte autora, que é legítima para ajuizar a presente ação, bem como, é pertinente a via da Ação Civil Pública para a apreciação judicial dos fatos alegados nesses autos. Quanto ao pedido de concessão de liminar, passo a analisar os requisitos de relevância dos fundamentos da demanda (fumus boni iuris) e da urgência da medida requerida (periculum in mora) conforme art. 84, §3º do CDC, aplicado por autorização expressa do art.21 da Lei 7347/85, que regula a matéria e que se aplica subsidiariamente ao rito processual trabalhista, diante da omissão da CLT nesse particular. A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou em 11 de março de 2020 que a disseminação comunitária do novo coronavírus, em todos os continentes, caracteriza situação de pandemia. Em 20 de março de 2020, ficou reconhecido, pela República Federativa do Brasil, o estado de calamidade pública, nos termos do Decreto Legislativo de nº 06/2020, com efeitos até 31 de dezembro de 2020. Por sua vez, o estado de calamidade pública, para fins trabalhistas, foi reconhecido como hipótese de força maior, nos termos do disposto no artigo 501 da Consolidação das Leis do Trabalho, como se depreende dos termos da Medida Provisória n.º 927/2020, em seu artigo 1º, parágrafo único, e do Decreto Legislativo n.º 06/2020 Além disso, o Ministério da Saúde, na sua página virtual (https://www.saude.gov.br/noticias /agencia-saude/46753-brasil-registra-38-654-casos-confirmados-de-coronavirus-e-2-462-mortes) acessada em 20.04.2020, informa que de acordo com os dados disponíveis no dia 19.04.2020: “Subiu para 38.654 o número de casos confirmados de coronavírus no Brasil. Nas últimas 24 horas foram 2.055 novas confirmações. O número de óbitos também aumentou, agora são 2.462, representando uma taxa de letalidade da doença no Brasil de 6,4% (...) A maior parte dos casos no país está localizada no estado de São Paulo, com 14.267 casos confirmados e 1.015 mortes, seguido pelo Rio de Janeiro, com 4.765 casos e 402 óbitos (…) Desta forma, foi possível traçar o perfil das pessoas que morreram pela doença: 7 de cada 10 pessoas tinham mais do que 60 anos de idade e apresentavam pelo menor um fator de risco, como doenças do coração ou do pulmão e diabetes.” O ministério da Saúde informa ainda que: “Pessoas acima de 60 anos se enquadram no grupo de risco, mesmo que não tenham nenhuma doença pré-existente. Além disso, pessoas de qualquer idade que tenham comorbidades, como cardiopatia, diabetes, pneumopatia, doença neurológica ou renal, imunodepressão, obesidade e asma também precisam redobrar os cuidados com medidas de prevenção ao coronavírus.” Esses elementos já são suficientes para demonstrar a relevância da questão trazida à apreciação judicial, bem como, o perigo na demora da prestação jurisdicional, que justificam o requerimento de tutela de urgência para afastamento dos profissionais de saúde que ainda permanecem em atividade e que apresentam as comorbidades consideradas de risco para o agravamento do quadro clínico daqueles infectados pelo Coronavírus. Ensina a doutrina acompanhada pelo Juízo que: “o Direto Ambiental do trabalho constitui direito difuso fundamental inerente às normas sanitárias e de saúde do trabalhador (CF, art. 196), que, por isso, merece a proteção dos Poderes Públicos e da sociedade organizada, conforme estabelece o art.225 da Constituição Federal. É difusa a sua natureza, ainda, porque as conseqüências decorrentes da sua degradação, como, por exemplo, os acidentes de trabalho, embora com repercussão imediata no campo individual, atingem, finalmente, toda a sociedade, que paga a conta final.” (MELO, Raimundo S. “Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador”, São Paulo: Ed. LTr., 2008 - 3ª Ed., p.29). É de conhecimento do Juízo que a atividade da parte ré é essencial e está sendo muito demanda nas atuais circunstâncias, entretanto, a manutenção dessa atividade não pode se dar à custa de exposição dos profissionais a extremo risco, como bem salientou a juíza Luciana Gonçalves de Oliveira P. das Neves, ao apreciar pedido semelhante: “Não há dúvida que a hipótese trazida revela o momento delicado vivido por toda população mundial, em especial, pelos profissionais que necessitam atuar na linha de frente para salvar as vidas dos contaminados pelo coronavírus e, para cumprirem suas escolhas profissionais e juramentos, terminam por arriscar a própria saúde e, muitas vezes, de outros, em especial a família. [...] As informações vindas de toda parte do mundo, através da imprensa e textos técnicos, indicam que o coronavírus é altamente transmissível, com propagação célere, implicando em alto risco de contágio entre os profissionais da saúde, pois precisam cuidar do cidadão contaminado. Atente- se que o vírus não escolhe o ser humano que será contaminado, todos estão expostos ao risco, ainda mais, os trabalhadores que atuam nos cuidados dos enfermos. Vale destacar, que a pandemia a que fomos submetidos exige esforços para evitar o colapso do sistema de saúde, mas por certo, a saúde e a vida dos profissionais também precisam ser preservadas e tal responsabilidade cabe ao Estado, ao gestor da atividade, a quem lucra com aquele trabalhador. Os profissionais da saúde certamente merecem tratamento isonômico para minimizar os riscos. Contudo, não há como liberar os profissionais sob condição, se faz necessário comprovar a dificuldade ou impossibilidade do exercício profissional, tendo em vista que exercessem atividade essencial, para que o serviço de saúde não fique ameaçado com a privação de trabalhadores, que precisam atuar para conter e/ou minimizar os efeitos da pandemia.” (ACPCiv 0100323- 83.2020.5.01.0058, proferida em 19.04.2020) No que se refere à delimitação do grupo de risco, ainda não é possível estabelecer todos os fatores de agravamento da doença, pois a situação enfrentada ainda é muito recente e os estudos estão em andamento. Contudo, já é possível estabelecer algumas circunstâncias como sendo de alto risco para o agravamento da síndrome Covid-19. Consta no boletim epidemiológico emitido pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, publicado em 06 de abril de 2020, disponível em www.saude.gov.br , acessada em 20.04.2020, que estão no grupo de risco: pessoas com mais de sessenta anos, cardiopatas, portadores de asma moderada e grave, imunodeprimidos (aqui incluídos os que estão submetidos a tratamento quimioterápico), doentes renais crônicos, diabéticos e gestantes. Essas informações são corroboradas pelo estudo publicado em 31 de março de 2020 na revista médica britânica The Lancet, como informa reportagem da revista ISTOE publicada em 07.04.2020, disponível em https://istoe.com.br acessada em 20.04.2020. Diante dessas informações, tenho que, no presente momento, as comorbidades acima indicadas apontam as pessoas incluídas no chamado “grupo de risco” para agravamento e letalidade da síndrome Covid-19, causada pelo Coronavirus. Associado às informações do Ministério da saúde, a Lei 13.979/2020 estabelece medidas que objetivam a proteção da coletividade, dentre as quais o isolamento e a quarentena, que poderão e estão efetivamente sendo adotadas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. Vale ressaltar que há previsão da inviolabilidade do direito à vida e à segurança determinando que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, insculpido no artigo art. 5º, caput c/c artigo 230 da Constituição Federal. Saliento ainda que o empregado não por ser tratado como um objeto do contrato de trabalho; ele é um dos sujeitos desse contrato e, dessa forma, tem que ser protegido, como ser humano que é, independente da essencialidade do serviço que presta, no intuito de resguardar também sua integridade, de acordo com suas limitações humanas. Cabe, aqui, lembrar a lição de Alain Supiot, quando ensina que “o contrato de trabalho põem em jogo a própria pessoa do contraente [trabalhador], e que assimilar trabalho a uma coisa é artificial, pois conduz a separar a força de trabalho da pessoa do trabalhador. [...] Na realidade – escreve Mengoni – ‘o trabalho não existe, mas há homens [e mulheres] que trabalham. Na sua relação com o empregador, o trabalhador não compromete um elemento distinto da sua pessoa, compromete a sua própria pessoa. Não põem em jogo o que tem, mas o que é’” (“Crítica do Direito do Trabalho”, Calouste Gulbenkian: Lisboa, 2016, p. 77-78) Portanto resta evidente que a necessidade de preservação da vida e da saúde física e mental desses profissionais se sobrepõe à essencialidade do serviço que prestam e a qualquer interesse econômico do empregador na preservação de suas metas de lucro e produtividade. Com relação ao afastamento dos empregados incluídos no grupo de risco, com a manutenção da remuneração, nota-se, primeiramente, que a parte ré tem a faculdade de adaptar das atividades desses profissionais para atividades que possam ser realizadas remotamente, como controles burocráticos, suporte e supervisão dos demais técnicos e auxiliares de enfermagem, entre outras que possam ser realizadas diretamente do domicílio do empregados. Lembre-se que são os empregadores os primeiros a argumentar quanto à possibilidade de alteração das atividades de seus empregados (ius variandi do objeto do contrato de trabalho) quando essa variação os beneficia. Agora, é o momento de utilizar essa possibilidade de variação em prol da preservação da saúde física e mental dos trabalhadores incluídos no grupo de risco. Nos casos em que o trabalho remoto não seja viável, a hipótese é de interrupção do contrato de trabalho, com a suspensão da prestação de serviços e manutenção da remuneração. Como já dito, a situação ora vivenciada é inédita e, portanto, ainda não existe norma específica em relação a ela, configurando uma lacuna jurídica que deve ser suprida com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, conforme art. 4º da LICC c/c art.8º, §1º da CLT (NR). Verifico que a CLT prevê no seu art. 61 a hipótese de interrupção do contrato de trabalho, onde as atividades do trabalhador são suspensas com a manutenção da sua remuneração, quando causas acidentais e força maior impossibilitam a realização do trabalho. O art. 161 da CLT, por seu turno, prevê a interdição de setor de serviço ou equipamento que demonstre grave e iminente risco para o trabalhador e a Portaria 3.214/78, item 3.1.1, considera como grave e iminente risco toda a condição ambiental de trabalho que possa causar acidente ou doença profissional com lesão grave à integridade física do trabalhador. Cabe a aplicação analógica dessas normas para considerar que o afastamento das atividades se equipara a interdição do setor do trabalho em virtude de condição ambiental que pode levar o trabalhador a óbito e, assim, determinar a interrupção do contrato de trabalho dos auxiliares e técnicos de enfermagem que trabalham para a parte ré que não puderem realizar trabalho remoto, garantida a sua remuneração enquanto perdurar as causas para o afastamento do local de trabalho. A analogia, aqui, atende ao princípio geral do Direito do Trabalho de proteção ao trabalhador. Diante do acima exposto e considerando o dever geral de cautela, bem como, a necessidade de resguardar o resultado efetivo da lide, com fundamento no art.84, §3º do CDC c/c art.21 da 7347 /85 c/c parágrafo 2º do artigo 300 do CPC c/c artigo 769 da CLT, DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA para determinar a adaptação das atividades para o trabalho remoto (prestar serviços à distância, em suas residências) ou, na sua impossibilidade, o afastamento remunerado (salário base acrescido do adicional de insalubridade e vale alimentação) dos empregados da parte ré que se enquadram no“Grupo de Risco”, assim compreendidospessoas com mais de sessenta anos, cardiopatas, portadores de asma moderada e grave, imunodeprimidos (aqui incluídos os que estão submetidos a tratamento quimioterápico), doentes renais crônicos, diabéticos e gestantes, enquanto perdurar o período crítico de enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus. Fixo a multa de 2.000,00 por dia e por trabalhador, caso descumpridas as determinações acima pelo Réu. Intimem-se as partes, sendo a Ré por Oficial de Justiça em regime de plantão, para ciência e cumprimento da presente decisão. Oficie-se o MPT dando ciência da lide e da presente decisão, para que tome as medidas que entender cabíveis. Após, inclua-se o feito em pauta, citando-se a parte ré. Expeça-se mandado de cumprimento, com urgência, para que a Suscitada cumpra em 48 horas a determinação. RIO DE JANEIRO/RJ, 21 de abril de 2020. RIO DE JANEIRO/RJ, 21 de abril de 2020. DANIELA VALLE DA ROCHA MULLER Juiz do Trabalho Titular  

Decisão - Tutela cautelar antecipada para liberação de FGTS - SP

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO Gabinete do Juiz do Trabalho Convocado - 6ª Câmara TutCautAnt 0006397-38.2020.5.15.0000 REQUERENTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL REQUERIDO: PRISCILA DE OLIVEIRA REVEJES TUTELA CAUTELAR ANTECIPADA. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. LIBERAÇÃO DOS DEPÓSITOS DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO EM FAVOR DE TRABALHADOR NECESSITADO. PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA NACIONAL (PANDEMIA). HIPÓTESE DO ART. 20, XVI, DA LEI 8.036/1990. DEFERIMENTO FORA DOS PARÂMETROS ESTRITOS DA MEDIDA PROVISÓRIA 946 /2020. POSSIBILIDADE. 1. A despeito da resistência que a requerente formaliza nos autos, a decisão atacada encerra típico procedimento de jurisdição voluntária, já que os depósitos de FGTS pertencem ao trabalhador, sendo a Caixa Econômica Federal mera depositária (conquanto o depósito, na espécie, sofra regência legal específica, "ex vi" da Lei 8.036/1990). Noutras palavras, a CEF não detém interesse próprio sobre tais depósitos, já que não é titular do respectivo crédito e nem detém propriedade sobre os dinheiros acautelados (sequer de natureza resolúvel). Seu único interesse, de cariz administrativo, diz com a preservação da legalidade dos procedimentos; e apenas nessa medida pode oferecer “resistência”, não como titular de direitos ou pretensões, mas como gestora do FGTS e fiscal da respectiva regularidade. Daí não haver lide na clássica acepção carneluttiana (i.e., conflito de interesses qualificado por pretensão resistida, disputando-se a subordinação de interesse alheio ao interesse próprio): a CEF não resiste à pretensão da autora como legítima detentora de contrapretensões de direito material (i.e., por “interesse próprio”); “resiste” apenas como fiscal da legalidade administrativa do Fundo. Nesses termos, o caso não atrai a competência da Justiça Federal, já que a CEF não é “ré” (CF, art. 109, I), tratando-se mesmo de procedimento da competência material da Justiça do Trabalho (CF, art. 114, I), notadamente após o cancelamento da Súmula n. 176 do C.TST. . O art. 20, XVI, da Lei 8.036/1990 traduz hipótese mais ampla que a da MP 946/2020 2( art. 6º), alcançando todos os casos de calamidade pública aos quais se associe a necessidade pessoal do trabalhador (derivada da urgência das provisões e da gravidade do fato posto); sob tais requisitos, diversamente do que prevê a MP 946/2020, é possível inclusive a liberação integral do FGTS, a depender da necessidade, independentemente dos prazos da própria medida provisória; e, de todo modo, o valor-referência não será o da MP 946/2020 (R$ 1.045,00), mas o do Decreto 5.113/2004 (R$ 6.220,00). 3. De outra parte, é certo que, para os fins do art. 20, XVI, da Lei do FGTS, as pandemias perfazem hipótese de desastre natural de origem biológica, o que não poderia ser limitado por ato regulamentar da União. Írrita, portanto, a limitação conceitual operada pelo Decreto n. 5.113 /2004 (art. 2º), que nessa parte regulamentou “contra legem”, distinguindo entre as possíveis naturezas dos desastres naturais - onde, a propósito, o legislador não distinguiu - e “escolhendo” as que estariam sob a égide da Lei 8.036/1990. 4. A hipótese da MP 946 /2020, ao revés, não exige a prova (ou a presunção) da necessidade pessoal do trabalhador, bastando o específico estado de calamidade reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6/2020 para que, diante de mero requerimento administrativo, movimente-se o FGTS, a partir de 15/6, até R$ 1.045,00. 5. Para mais, é certo que, na sua tripla natureza, o FGTS tem, para o empregado, caráter de salário diferido, o que mais justifica poder fruir prontamente dos valores depositados, em tempo de pandemia, mercê do principal valor constitucional a se preservar neste momento: a segurança alimentar e econômica do trabalhador e de sua família. 6. Tutela cautelar antecipada indeferida. Vistos etc. Assinado A análise dos autos considera o em formato PDF, download na ordem crescente (mencionando-se a seguir as páginas do referido documento eletrônico). Trata-se de pedido de tutela cautelar antecipada para concessão liminar de efeito suspensivo a recurso ordinário da sentença de proferida em procedimento de jurisdição voluntária nos autos do Processo de nº 0010391-61.2020.5.15.0069 (que determinou a liberação do FGTS, à autora e ora requerida, até o valor de R$1.045,00, por força do art. 20 da Lei 8.036 /1990, com a limitação da MP 946/2020). Alega a requerente que a medida pleiteada faz-se necessária, com caráter de urgência, ante a ilícita determinação de liberação do FGTS à requerida, com ofensas ao contraditório, à ampla defesa e à própria estrita legalidade, todos princípios alegadamente vulnerados na ordem emanada pelo Juízo de Origem. Nessa alheta, sustenta, a uma, que não foi intimada da tramitação do procedimento de origem e nem pôde ali se manifestar; a duas, que esta Especializada não detém competência material para a ordem de liberação deferida pelo Juízo de primeiro grau; e, a três, que a ordem viola calendário fixado pela Medida Provisória 946/2020 para os pagamentos em razão da pandemia do COVID-19, podendo configurar dano irreversível ao interessadorequerente. Relatados. DECIDO 1. DO CABIMENTO “IN TESE” DA TUTELA CAUTELAR ANTECEDENET Ressalto, “ab initio”, que, nos termos do item I da Súmula 414 do C. TST, cabe requerimento ao Tribunal para postular a concessão de efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto. É precisamente o caso, mesmo porque já não caberia o ajuizamento de mandado de segurança, em razão de a sentença de mérito já ter sido proferida (itens II e III da Súmula 414 do C. TST). Cabível, ao revés, o requerimento de concessão de tutela cautelar antecedente, perfeitamente adequada à obtenção do almejado efeito suspensivo contra sentença proferida com força de alvará judicial (ut arts. 299 e 305 do CPC/15 c.c. art. 769 da CLT). Na espécie, analisando-se os autos na origem, vê-se haver recurso ordinário interposto pela requerente, ainda não distribuído para este Regional. Daí que, na perspectiva deste Sodalício, trata-se mesmo de hipótese de medida cautelar antecedente, idônea a gerar a prevenção deste Relator para o futuro recurso ordinário, uma vez admitido. Nesses termos, ante a regularidade procedimental, a legitimidade ativa, o interesse processual e a adequação objetiva da medida, conheço do pleito cautelar e passo à apreciação do “meritum causae”. 2. DOS FATOS Conforme consta da sentença de mérito proferida nos autos principais e juntada pelo ora requerente às fls. 25/29 dos autos em PDF, a Vara do Trabalho de Registro decidiu conceder, em procedimento de jurisdição voluntária ajuizado pela requerida, a liberação do respectivo FGTS, limitado a R$1.045,00 (mil e quarenta e cinco reais), com espeque na Lei 8.036 /1990 e na Medida Provisória 946/2020. Inconformada, a Caixa Econômica Federal interpõe a presente cautelar antecedente, postulando a concessão de efeito suspensivo ao recurso aviado nos autos de origem (0010391-61.2020.5.15.0069). Sustenta inicialmente a incompetência desta Especializada para apreciação da matéria; e, na sequência, aponta violação às garantias do contraditório e da ampla defesa, havendo pretensão resistida por parte da requerente. Por fim, divisa ilegalidade na medida deferida pelo Juízo “a quo”. Vejamos. 3. DA MATÉRIA PRELIMINAR: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA É cediço que doutrina e jurisprudência trabalhista sempre resistiram à admissão de processos — ou procedimentos — de jurisdição voluntária no Direito Processual do Trabalho, eis que a Justiça do Trabalho foi originalmente concebida para resolver conflitos de trabalho entre trabalhadores e empregadores (i.e., “dissídios”, como constava do caput do art. 114 até o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004). Hodiernamente, porém, já se reconhecem inúmeras exceções, algumas de curso legal - como é a hipótese das ações de homologação de acordos extrajudiciais, introduzidas pela Lei 13.467/2017 (CLT, art. 652, “f”), e como era, outrora, a hipótese das ações declaratórias de quitação dos créditos de trabalhadores rurais, ut art. 233 da CF/88 ("Disposições Constitucionais Gerais"), revogado pela EC n. 28/2000 - e outras de cariz eminentemente jurisprudencial - como as ações judiciais para soerguimento compulsório do FGTS ou para a habilitação no Programa do Seguro-Desemprego -, em todo caso pela inexistência de lide idônea a configurar um autêntico processo litigioso (v., a propósito, FELICIANO, G. G.; DIAS, C. E. O.; SILVA, J. A. R. O.; TOLEDO FILHO, M. C. Comentários à Lei da Reforma Trabalhista: dogmática, visão crítica e interpretação constitucional. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2018, p.168). É, como se vê, o caso dos autos, na esteira do que já se revelava, no campo doutrinário, desde 2007, com a aprovação do da 1ª Jornada Enunciado n. 63 de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. LIBERAÇÃO DO FGTS E PAGAMENTO DO SEGURO-DESEMPREGO. Compete à Justiça do Trabalho, em procedimento de jurisdição voluntária, apreciar pedido de expedição de alvará para liberação do FGTS e de ordem judicial para pagamento do seguro-desemprego, ainda que figurem como interessados os dependentes de exe m p r e g a d o f a l e c i d o . Logo, a despeito da resistência que a requerente ora pretende formalizar, tratase mesmo de típico ato de jurisdição voluntária, já que os depósitos de FGTS pertencem ao trabalhador, sendo a Caixa Econômica Federal mera depositária (conquanto o depósito, na espécie, sofra regência legal específica, ex vi da Lei 8.036/1990). Noutras palavras, a CEF não detém interesse próprio sobre tais depósitos, já que não é titular do respectivo crédito e nem detém propriedade sobre os dinheiros acautelados (sequer de natureza resolúvel). Seu único interesse, de cariz administrativo, diz com a preservação da legalidade dos procedimentos; e apenas nessa medida pode oferecer “resistência”, não como titular de direitos ou pretensões, mas como gestora do FGTS e fiscal da respectiva regularidade. Daí não haver lide na clássica acepção carneluttiana (= conflito de interesses qualificado por pretensão resistida, o que significa disputar a subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio): a CEF não resiste à pretensão da autora como legítima detentora de contrapretensões de direito material (i.e., por “interesse próprio”); “resiste” apenas como fiscal da legalidade administrativa do Fundo (ainda que economicamente tenha interesse na manutenção dos depósitos, inclusive para as políticas que gere; mas, como se sabe, o mero interesse econômico não perfaz necessariamente interesse jurídico exercitável judicialmente). Com efeito, na dicção de ARAÚJO CINTRA et. al. (Teoria Geral do Processo. 26ª ed. São Paulo, Malheiros, 2010, p. 173), há jurisdição voluntária quando "[…] não há um conflito de interesses entre duas pessoas, mas apenas um negócio [ou ato] com participação do magistrado. [...] Na jurisdição voluntária, o juiz age sempre no interesse do titular daquele interesse que a lei acha relevante socialmente”, como é, na hipótese, o interesse do titulardepositante, diante da verificação de uma das hipóteses do art. 20 da Lei 8.036/1990. Disso resulta, ademais, ser inaplicável à hipótese a inteligência da Súmula 82 do STJ, que pressupõe jurisdição litigiosa, o que se verifica a partir do exame do próprio Conflito de Competência nº 896-RS (1990/4-1, j. 4/6/1990), primeiro precedente na base de sua “ratio”, que tratava de hipótese tipicamente litigiosa. Na mesma ensancha, ademais, os precedentes ulteriores. E, em consonância com esse entendimento, o C. Tribunal Superior do Trabalho tem desenvolvido assertiva jurisprudência, iterativa e recente, reconhecendo a competência da Justiça do Trabalho. Leia-se, por todos: RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO . APELO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015 /2014. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. FGTS. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ PARA LEVANTAMENTO DO FGTS. SUCESSORES DO TRABALHADOR FALECIDO. REQUISITOS DO ART. 896, § 1º-A, DA CLT ATENDIDOS. Com o cancelamento da Súmula 176 desta Corte, em razão da superveniência da Emenda Constitucional 45/2004, a discussão quanto à competência material acerca da expedição de alvará para saque do FGTS, quando estabelecida a relação processual diretamente entre o trabalhador titular da conta vinculada e a CEF, na qualidade de órgão gestor do FGTS, sem que haja demanda entre empregado e empregador, encontra-se superada nesta Corte. Observa-se a competência material da Justiça do Trabalho para apreciar pretensão de ex-empregado de expedição de alvará judicial para fins de saque dos depósitos do FGTS junto à Caixa Econômica Federal - CEF, porquanto o pleito decorre de uma relação emprego, o que enseja a aplicação do art. 114, I, da Constituição Federal, com a redação dada pela . Ressalte-se que o fato da presente ação Emenda Constitucional 45/04 ter sido proposta pelos sucessores do de cujus, trabalhador que deixou conta vinculada do FGTS em seu nome, não tem o condão de afastar a competência material da Justiça do Trabalho para analisar o pedido de expedição de alvará para levantamento do FGTS. Recurso de revista conhecido e provido.(TST - RR: 1703020165230071, Relator: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 25/03/2020, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/03 /2020 - g.n.) E, com efeito, como realça a sentença de origem, a questão da competência restou afirmada, no âmbito do C. TST, pela revogação da Súmula 176 do C. TST. É o que também sinaliza o acórdão supra. E, já por isso - por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária -, não diviso nulidade, “a priori”, no fato de a CEF não ter sido citada como ré; afinal, não é mesmo ré, de fato ou de direito, já que não defende em juízo interesse próprio (e não poderia defender interesse alheio em nome próprio sem expressa autorização legal, ut art. 18 do CPC). Como fiscal da legalidade administrativa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, poderia, sim, trazer a lume questões de interesse público, independentemente de citação; e as questões de fundo que acaso pudessem impedir o levantamento deveriam ser levadas ao Juízo “a quo”, a qualquer tempo, para a devida apreciação. Mas a ré preferiu apresentá-las diretamente a este 2º Grau. 4. MÉRITO CAUTELAR No que pertine ao mérito cautelar, tem-se que o Juízo “a quo” limitou-se a antecip ar no tempo os efeitos da MP 946/2020. A MP 946, com efeito, previu em seu artigo 6º a possibilidade de levantamento dos valores de FGTS depositados em conta vinculada do trabalhador, até o limite de R$ 1.045,00, com base no inciso XVI do art. 20 da Lei 8.036/1990 e no art. 1º do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 (reconhecendo o estado de calamidade pública em razão da pandemia de COVID-19), porém a partir de 15 de junho deste ano. E a antecipação autorizada pela Origem tem razões bastantes, como se verá. Ademais, não representa qualquer prejuízo econômico sensível para as políticas habitacionais da requerente (ou outras quaisquer), já que se ateve estritamente aos valores que, daqui a um mês e meio, a CEF teria de liberar por força da MP 946/2020. Não houve, pois, qualquer exorbitância RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO . APELO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015 /2014. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. FGTS. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ PARA LEVANTAMENTO DO FGTS. SUCESSORES DO TRABALHADOR FALECIDO. REQUISITOS DO ART. 896, § 1º-A, DA CLT ATENDIDOS. Com o cancelamento da Súmula 176 desta Corte, em razão da superveniência da Emenda Constitucional 45/2004, a discussão quanto à competência material acerca da expedição de alvará para saque do FGTS, quando estabelecida a relação processual diretamente entre o trabalhador titular da conta vinculada e a CEF, na qualidade de órgão gestor do FGTS, sem que haja demanda entre empregado e empregador, encontra-se superada nesta Corte. Observa-se a competência material da Justiça do Trabalho para apreciar pretensão de ex-empregado de expedição de alvará judicial para fins de saque dos depósitos do FGTS junto à Caixa Econômica Federal - CEF, porquanto o pleito decorre de uma relação emprego, o que enseja a aplicação do art. 114, I, da Constituição Federal, com a redação dada pela . Ressalte-se que o fato da presente ação Emenda Constitucional 45/04 ter sido proposta pelos sucessores do de cujus, trabalhador que deixou conta vinculada do FGTS em seu nome, não tem o condão de afastar a competência material da Justiça do Trabalho para analisar o pedido de expedição de alvará para levantamento do FGTS. Recurso de revista conhecido e provido.(TST - RR: 1703020165230071, Relator: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 25/03/2020, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/03 /2020 - g.n.) E, com efeito, como realça a sentença de origem, a questão da competência restou afirmada, no âmbito do C. TST, pela revogação da Súmula 176 do C. TST. É o que também sinaliza o acórdão supra. E, já por isso - por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária -, não diviso nulidade, “a priori”, no fato de a CEF não ter sido citada como ré; afinal, não é mesmo ré, de fato ou de direito, já que não defende em juízo interesse próprio (e não poderia defender interesse alheio em nome próprio sem expressa autorização legal, ut art. 18 do CPC). Como fiscal da legalidade administrativa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, poderia, sim, trazer a lume questões de interesse público, independentemente de citação; e as questões de fundo que acaso pudessem impedir o levantamento deveriam ser levadas ao Juízo “a quo”, a qualquer tempo, para a devida apreciação. Mas a ré preferiu apresentá-las diretamente a este 2º Grau. 4. MÉRITO CAUTELAR No que pertine ao mérito cautelar, tem-se que o Juízo “a quo” limitou-se a antecip ar no tempo os efeitos da MP 946/2020. A MP 946, com efeito, previu em seu artigo 6º a possibilidade de levantamento dos valores de FGTS depositados em conta vinculada do trabalhador, até o limite de R$ 1.045,00, com base no inciso XVI do art. 20 da Lei 8.036/1990 e no art. 1º do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 (reconhecendo o estado de calamidade pública em razão da pandemia de COVID-19), porém a partir de 15 de junho deste ano. E a antecipação autorizada pela Origem tem razões bastantes, como se verá. Ademais, não representa qualquer prejuízo econômico sensível para as políticas habitacionais da requerente (ou outras quaisquer), já que se ateve estritamente aos valores que, daqui a um mês e meio, a CEF teria de liberar por força da MP 946/2020. Não houve, pois, qualquer exorbitância por parte da sentença, que entendeu regulamentada a hipótese do art. 20, XVI, da Lei 8.036 /1990 pela própria medida provisória precitada. Apenas antecipou os seus efeitos, ao que revelam os elementos trazidos pela própria requerente, à vista do reconhecimento da especial necessidade pessoal da autora-requerida. Cabe, ademais, uma breve digressão. A meu sentir, o art. 20, XVI, da Lei 8.036/1990 traduz hipótese mais ampla que a da MP 946/2020 (art. 6º), alcançando todos os casos de calamidade pública a que se associe a n ecessidade pessoal do trabalhador (derivada da urgência das provisões e da gravidade do fato posto); sob tais pressupostos, diversamente do que prevê a MP 946/2020, entendo ser possível inclusive a liberação integral do FGTS, independentemente dos prazos da própria medida provisória. E não há dúvidas de que, “in casu”, trata-se mesmo de estado de calamidade pública derivado de desastre natural de origem biológica (= pandemia). Quanto a estaremos diante de estado de calamidade pública, já o reconheceu o Congresso Nacional, por intermédio do Decreto Legislativo 6/2020 (art. 1º): Fica reconhecida, exclusivamente para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, notadamente para as dispensas do atingimento dos resultados fiscais previstos no art. 2º da Lei nº 13.898, de 11 de novembro de 2019, e da limitação de empenho de que trata o art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorr ência do estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020. (g.n.) E, quanto a ser a pandemia uma hipótese de desastre natural de origem biológica, basta ver a literatura técnica acerca das modalidades de desastres naturais (que não se circunscrevem, portanto, aos desastres de base geológica, hidrológica ou meteorológica, como parece entender a requerente). Assim, e.g., na documentação disponível no sítio eletrônico do Ins tituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), pode-se identificar, entre as modalidades de desastres naturais fenomenologicamente possíveis, os de origem biológica, como epidemias, infestações por insetos e ataques coletivos de animais (cfr. http://www3.inpe.br/crs/crectealc/pdf /silvia_saito.pdf). É a hipótese do art. 20, XVI, da Lei 8.036/1990, que, “venia concessa”, não poderia ser limitada, quanto ao conceito de desastre natural, por ato regulamentar da União. Mas tal limitação írrita ocorreu no Decreto n. 5.113/2004, em seu art. 2º; e, ao fazê-lo, a União regulamentou “contra legem”, distinguindo entre as possíveis naturezas dos desastres naturais e “escolhendo” as que estariam sob a égide da Lei 8.036/1990; restringiu, pois, onde o legislador não restringira. Em tal caso, portanto, demonstrado o concurso dos dois pressupostos - o estado de calamidade pública por desastre natural de ordem biológica (como é o caso) e a necessidade pessoal da reclamante (que a Origem reconheceu) -, sequer haveria limites monetários para o saque, como antecipei; ou, se muito, seriam aqueles do Decreto 5.113/2004 (art. 4º: “O valor do saque será equivalente ao saldo existente na conta vinculada, na data da solicitação, limitado à quantia correspondente a R$ 6.220,00” , bem superiores ao da MP 946 se, insisto, de hipótese diversa daquela da MP 946/2020, desafiando regulamentação própria quanto aos proced imentos e valores (Decreto 5.113/2004, no que não exorbitou). A MP 946/2020, ao revés, não exige a necessidade pessoal, bastando o específico estado de calamidade reconhecido pelo DLeg n. 6/2020 para que, diante do requerimento administrativo, movimente-se o FGTS, a partir de 15/6, até R$ 1.045,00. A própria requerente admite, enfim, que o rol do art. 20 da Lei 8.036/1990 não é taxativo, admitindo-se outras hipóteses em decisão judicial, diante da estrita necessidade do trabalhador e das circunstâncias em que se baseie a pretensão. Se é assim, com maior razão deveria admitir que o Decreto 5.113/2004, ao regulamentar o inciso XVI do art. 20 , não poseria restringir-lhe o alcance literal (= “desastre natural”, de qualquer origem); e, se restringiu indevidamente, com maior razão pode e deve o Poder Judiciário, diante de situações concretas de necessidade, repor o direito subjetivo aos lindes da lei, distendendo a indevida constrição regulamentar. A valer a intelecção do decreto, a própria gripe espanhola, nos albores do século XX - que ceifou entre 17 e 100 milhões de pessoas -, não poderia ser considerada um “desastre natural”, o que margeia o absurdo. No caso dos presentes autos, como dito, o Juízo de origem reconheceu a hipótese do art. 20, XVI, da lei 8.036/90 (e, portanto, a situação de necessidade pessoal), mas limitou o levantamento aos valores da MP 946/2020, aquém do que este próprio Relator entenderia, por entender serem hipóteses diversas. Isto significa - repita-se - que, do ponto de vista da gestão financeira do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, não houve qualquer prejuízo quantitativo aos interesses da CEF. E, de outra parte, não acompanha o presente pedido de tutela cautelar antecipada provas quaisquer de que não haja, de fato, uma situação de necessidade pessoal a justificar o soerguimento do FGTS. Se por acaso errou o Juízo “a quo”, reconhecendo o estado de necessidade do art. 20, XVI, da Lei 8.036/1990 em favor de quem detenha imensas fontes de renda e não precise do dinheiro para se alimentar e cuidar dos seus em tempos de pandemia, iss o havia de ser robustamente comprovado, porque naturalmente este Regional presume a legalidade do ato judicial atacado (e, recordo, trata-se de procedimento de jurisdição voluntária; logo, não cabe discutir “ônus da prova” nos termos do art. 818 da CLT). Mas não há, a respeito, o menor fiapo de prova. Assim, tendo em conta (a) que, na sua tripla natureza, o FGTS tem, para o trabalhador, caráter de salário diferido (v., por todos, SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, passim), pertencendo ao trabalhador (e não à Caixa Econômica Federal); (b) que o maior valor constitucional a se preservar, neste momento, é indiscutivelmente o da segurança alimentar (para a subsistência diária) e econômica (para remédios, itens de prevenção - álcool gel, máscaras etc. - e outras necessidades) do trabalhador e de sua família; e que não se extrai, dos presentes autos, (c) qualquer perigo de dano grave para a requerente, de difícil ou impossível reparação (há, sim, risco grave para a requ erida, diante das necessidades econômicas próprias de um período de pandemia e da escassez de vagas de trabalho neste momento), e nem tampouco risco para o resultado útil do recurso ordinário (eis que, a possuir a requerida uma confortável condição econômica - como parece supor a CEF -, poderá ser instada a oportunamente devolver o numerário), não reconheço “periculum in mora” para efeitos de tutela cautelar, e tanto menos para o seu sucedâneo fungível, que é a tutela antecipatória (a exigir, para além da probabilidade do direito, a sua vero ssimilhança, baseada em prova inequívoca do fato constitutivo do direito alegado – o que também não se tem “in casu”, como visto). E, por tudo isso, indefiro a tutela. trabalhador e de sua família; e que não se extrai, dos presentes autos, (c) qualquer perigo de dano grave para a requerente, de difícil ou impossível reparação (há, sim, risco grave para a requ erida, diante das necessidades econômicas próprias de um período de pandemia e da escassez de vagas de trabalho neste momento), e nem tampouco risco para o resultado útil do recurso ordinário (eis que, a possuir a requerida uma confortável condição econômica - como parece supor a CEF -, poderá ser instada a oportunamente devolver o numerário), não reconheço “periculum in mora” para efeitos de tutela cautelar, e tanto menos para o seu sucedâneo fungível, que é a tutela antecipatória (a exigir, para além da probabilidade do direito, a sua vero ssimilhança, baseada em prova inequívoca do fato constitutivo do direito alegado – o que também não se tem “in casu”, como visto). E, por tudo isso, indefiro a tutela. DECISÃO “Ex postis”, decido indeferir integralmente o pleito cautelar de atribuição de efeito suspensivo ao recurso ordinário do réu-requerente, nos termos da fundamentação supra. Ciência ao requerente e ao requerido. Oficie-se à Origem, para ciência da presente. Esta decisão deverá ser trasladada nos autos principais, cujo recurso ordinário, uma vez processado, deverá ser encaminhado a este Relator, ante a prevenção ora instaurada. Atente-se futuramente, ao tempo da respectiva distribuição no âmbito deste Regional, inclusive para fins de compensação, no que couber. Vencido o prazo, ao arquivo. Nada mais. Campinas/SP, 6 de maio de 2020.   GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO Juiz Relator  

DECISÃO - Liberação do depósito recursal como instrumento de garantia da efetividade do processo trabalhista - SP

Processo: 0013281-62.2015.5.15.0096 ROT RECORRENTE: SELMA DA SILVA MACHADO, VIA VAREJO S/A RECORRIDO: SELMA DA SILVA MACHADO, VIA VAREJO S/A   Vistos e examinados. A reclamada interpôs recurso ordinário às fls. 378/388, tendo recolhido regularmente o depósito recursal e as custas processuais, conforme guias juntadas às fls. 389/392. Diante disso,  o recurso foi processado pelo juízo de primeiro grau (fl. 434). Ocorre que, por meio da petição de fls. 534/537, a reclamada peticionou pleiteando a substituição do depósito recursal já efetuado nos autos por apólice de seguro garantia, pugnando pela concessão de prazo de 5 (cinco) dias para emissão e juntada da apólice aos autos. Justifica sua pretensão na crise causada pela pandemia do novo coronavírus (Covid 19). Vejamos. O depósito recursal constitui instrumento de garantia da efetividade do processo trabalhista, que encontra fundamento na dignidade da pessoa humana (artigo 1º,III, da CF), no valor social do trabalho (artigo 1º, IV, da CF), na função social da propriedade (artigos 5º, XXIII e 170, III, da CF) e na celeridade processual (artigo 5º, LXXVIII, da CF). A real intenção do legislador, principalmente com a instituição do depósito recursal, foi justamente a de garantir que o trabalhador receba ao menos parte do seu direito, dado que a demora do processo provocada pelos recursos eleva o risco da perda de efetividade da prestação jurisdicional. Com a obrigatoriedade do depósito, tenta-se minimizar a possibilidade de fraudes ou tentativas do devedor tendentes a frustrar a execução. As disposições constantes do art. 899 da CLT, alterado pela Lei n. 13.467/17, prevendo que “o valor do depósito recursal será reduzido pela metade para entidades sem fins lucrativos, empregadores domésticos, microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte” (§ 9º), que “são isentos do depósito recursal os beneficiários da justiça gratuita,  as entidades filantrópicas e as empresas em recuperação judicial” (§ 10) e que “o depósito recursal poderá ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial” (§ 11), deixam claro que o legislador, estimulado por uma lógica de Estado de exceção, se desapegou dos compromissos do Estado Social e foi de encontro com a própria finalidade do processo. Com  isso, criou um fator de discriminação, favorecendo alguns empregadores, sem qualquer apoio constitucional para tanto, ou até mesmo sem uma razão de ordem econômica, sobretudo, por estabelecer uma presunção juridicamente indevida e perversa, ao mesmo tempo em que, em diversas outras passagens, tentou onerar o trabalhador, criando obstáculos ao acesso à justiça. Ora, quando tratou da assistência judiciária gratuita, visualizando a posição social, política, jurídica e econômica dos trabalhadores, o legislador impôs ao reclamante que ganha mais de R$2.440,42 a obrigação de provar a sua insuficiência econômica para obter os benefícios da assistência judiciária (e mesmo assim restrita). Já, no art. 899, tratando especificamente dos empregadores, presumiu a insuficiência econômica, dispensando, pois, qualquer tipo de prova, para conferir o benefício processual da assistência gratuita, Na lógica invertida do legislador de exceção (e por conta desses dois fatores, também antijurídica), o empregador foi tratado como hipossuficiente e o empregado como um privilegiado econômico, quando, na relação jurídica material, quem detém o capital, pressupostamente, é o empregador, pertencendo ao empregado apenas a força de trabalho, a qual vende ao primeiro. O processo do trabalho existe, aliás, para garantir que o contrato de compra dessa força de trabalho, que segue parâmetros legais e constitucionais mínimos, seja efetivamente cumprido. Isso quer dizer, inclusive, que o empregador, atendendo aos ditames constitucionais, do valor social da livre iniciativa (arts. 1º, IV, e 170, III, da CF), da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII e 186, III e IV, da CF), para se valer do trabalho alheio e com ele levar adiante os objetivos de seu empreendimento, deve, necessariamente, possuir condições econômicas para tanto. Inversamente, um empreendedor que não possua condições econômicas para adimplir as obrigações trabalhistas e mesmo assim contrata trabalho alheio para realizar seu negócio, só por essa conduta, pratica vários atos ilícitos, considerando as esferas jurídicas trabalhista, cível (arts. 186 e 187 do CC) e penal (art. 171, CP - estelionato). Do ponto de vista moral, a inversão proposta pelo legislador representa uma inversão indevida e perversa a presunção, pois a realidade demonstra que empregadores domésticos, entidades   sem fins lucrativos, microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte podem ter condições financeiras bem mais confortáveis que a de muitos outros empregadores. De todo modo, ainda que sua condição econômica seja precária, o fato de se valerem do  trabalho alheio para a consecução de seus objetivos não deve atrair uma postura de compaixão que, gere, inclusive, punição do trabalhador, pois o ato da contratação do trabalho, sem o respaldo econômico, já reflete a infringência de vários preceitos jurídicos. O art. 2º da CLT, ademais, equipara diversas dessas entidades a um empregador como outro qualquer, fixando a noção de cabe ao empregador os riscos da atividade econômica. O parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal, por sua vez, não faz distinção quanto à qualidade do empregador doméstico. O artigo 170 da CF, no inciso IX, garante tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, mas o preconiza sem abalar a eficácia da valorização do trabalho humano e os ditames da justiça social (caput do mesmo artigo). E, por fim, a Lei nº 11.101/05, da recuperação judicial, não se trata de um mecanismo jurídico a serviço do “calote”, com o beneplácito do Judiciário, valendo lembrar que o risco da atividade econômica é do empregador (art. 2º da CLT) e que a livre iniciativa está vinculada a cumprir seu valor social (inciso IV, do art. 1º, da CF). Fácil verificar, portanto, que a lei não pode se direcionar à mera defesa do interesse privado de um devedor determinado e muito menos a quebrar a eficácia dos direitos trabalhistas e dos mecanismos de sua efetivação. O que se tentou fazer nos §§ 9º, 10 e 11 do art. 899 da CLT foi, portanto, estabelecer privilégios juridicamente indevidos e econômica, social e moralmente injustificados a certos empregadores, ferindo o princípio da igualdade, a livre iniciativa e o necessário respeito ao projeto social fixado na Constituição. A quebra de isonomia, em detrimento do pequeno e médio empregador, fica evidenciada quando se constata que é somente para grandes empresas que bancos e seguradoras conferem o suporte de garantia e não fazem, por óbvio, gratuitamente. A única forma de se minimizar essa disparidade,  não se querendo  declarar  a inconstitucionalidade do dispositivo, é entendê-lo como uma forma de se ampliar a efetividade do processo e isso só se dará, por mais paradoxal que pareça, por meio da aplicação literal do § 11 do art. 899, que estabelece uma “substituição” do depósito recursal pela “fiança bancária ou seguro judicial”, que são institutos distintos, tratados, de forma específica, no 2o do art. 835 do CPC: "§ 2° Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento". De forma mais clara, a fiança bancária e o seguro garantia judicial constituem modalidade alternativa à penhora de dinheiro, servindo, pois, à garantia plena da execução, com o requisito, inclusive, do acréscimo de 30% do valor da execução. Não existe, pois, mesmo por meio da aplicação do § 11 do art. 899 da CLT, com a redação que lhe fora concedida pela Lei n. 13.467-17, a possibilidade de o empregador simplesmente apresentar um seguro judicial que meramente garanta o valor do depósito recursal, como quis acreditar a 2ª reclamada. Não obstante, melhor sorte não socorre a 2ª reclamada quanto aos argumentos pertinentes à pandemia da COVID-19 provocada pelo novo coronavirus. No momento em que sacrifícios são impostos a todas e todos, os que devem maior contribuição são, exatamente, o Estado e as grandes empresas e instituições financeiras, que, inclusive, adquiriram sua posição econômica privilegiada por meio da utilização da força de trabalho alheia. Não há como se admitir que grandes empresas sejam “financiadas” em decorrência dos efeitos da pandemia sem se fazer qualquer avaliação em torno da sua postura histórica, na qualidade de empregadores, com relação ao pagamento de tributos, contribuições sociais e direitos trabalhistas dos últimos exercícios. Do ponto de vista estritamente jurídico, uma substituição do depósito recursal por garantia fiança, como pretende a recorrente, exigiria: primeiro, o oferecimento do valor integral da condenação, com acréscimo de 30%; segundo, a apresentação do lucro líquido obtido pela requerente nos últimos 05 exercícios fiscais; terceiro, a comprovação da regularidade da situação fiscal e trabalhista; quarto, a demonstração de que o valor levantado seria destinado unicamente ao pagamento de salários; quinto, o compromisso em torno de não redução de salários e jornada dos atuais empregados; e sexto, a preservação dos empregos. Só assim se poderia vislumbrar alguma utilidade pública na liberação do depósito recursal para o empregador. Do contrário, se teria apenas institucionalizado mais uma forma de beneficiar  aquele que descumpriu a ordem jurídica (o que está inequivocamente pressuposto no fato de já ter sido condenado judicialmente), sendo, também, um forma de punir a vítima do ilícito. Nenhum desses requisitos se encontra satisfeito nos presentes autos ou mesmo foi considerado na argumentação trazida pela reclamada em sua petição. Por todos esses motivos, indefiro a pretensão formulada. De todo modo, há de se reconhecer que a preocupação da requerente com a minimização dos efeitos da crise humanitária provocada pela pandemia tem bastante sentido. Então, acolhendo o raciocínio da requerente - que por si expressa uma concordância - de que as quantias integradas aos depósitos judiciais devem ser postas em circulação, como forma de estimular a economia e minorar o sofrimento humano decorrente dos graves efeitos da pandemia da COVID-19, conforme reconhecido pela OMS, e considerando que a parte mais necessitada nos presentes autos é, inegável, inquestionável e insofismavelmente, o trabalhador, cujo direito fundamental, inclusive, não foi respeitado pela reclamada (requerente), determino a intimação da reclamante para que, no prazo de 05 (cinco) dias, manifeste-se a respeito de seu interesse no levantamento, para si, do depósito recursal, nos moldes previstos no art. 520, do CPC, o que, inclusive, dispensa a exigência de caução, por se tratar de verba de natureza alimentar, consoante previsto no inciso I, do art. 521, do CPC.  Jorge Luiz Souto Maior Desembargador da - 6ª Câmara ção Tribunal Regiona do Trabalho da 15ª região 

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