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Solidariedade de Classe

Márcia Novaes GuedesA semana terminou com uma vitória das maiorias que vivem e dependem do trabalho. Na sexta-feira (16) o Presidente Lula vetou a emenda 3, artifício agregado ao Projeto de Lei (PL) que cria a super-receita. A emenda é um enxerto, apresentado pelo senador Ney Suassuna ao PL 6.272/05, criado para otimizar a arrecadação tributária e previdenciária, centralizando a competência no Ministério da Fazenda. A dissonância entre o projeto da super-receita e a emenda enxertada, às pressas, para atender aos interesses do setor de informática, jornalismo e planejamento e comunicação, tem a sutileza de um trator. O texto da emenda é curto e preciso, aliás, como devem ser as coisas destinadas a alcançar resultados com eficiência: "No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá ser precedida de decisão judicial".De uma só tacada se retira dos fiscais do trabalho o poder de identificar e declarar o vínculo de emprego em contratos destinados a fraudar a legislação trabalhista, a exemplo daqueles em que o empregador obriga o empregado a abrir uma firma individual para ser contratado sem as garantias do estatuto mínimo; inviabilizam-se os eficientes programas em parceria com entidades da sociedade civil de erradicação do trabalho escravo, da exploração do trabalho infantil; e inviabiliza-se também a inversão tendencial da precarização das relações sociais, aliás, uma das metas programáticas do Ministério do Trabalho e Emprego. Sob o ponto de vista da norma jurídica, a emenda encontrava-se eivada de vícios de inconstitucionalidade, já que golpeava dois dos princípios fundantes da República: a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, insculpidos logo no art. 1º da Constituição Federal, incisos III e IV. A emenda também viola tratados e convenções internacionais ratificadas pelo Brasil, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica, as convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho) 29 e 105, que tratam da abolição do trabalho forçado, de 1930 e de 1957, respectivamente, e a convenção 81, de 1947, que torna obrigatória a inspeção do trabalho na indústria e no comércio. Por esse viés, a emenda acaba ferindo, uma segunda vez, a Carta Maior do país, já que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, aprovados pelo Congresso Nacional, equivalem a emendas constitucionais, é o que estabelece o art. 5º, LXXVIII, § 3º da Constituição Federal.Não é por outra razão que a OIT se manifestou oficialmente contra a sanção da emenda, destacando os esforços do governo brasileiro na erradicação do trabalho escravo e infantil e mostrando que a redução do poder de polícia do Ministério do Trabalho, restringindo a atuação dos fiscais do trabalho, terminaria por inviabilizar as conquistas obtidas nessas duas frentes. A nota destaca também as condenações em danos morais proferidas pela Justiça do Trabalho e condenação acessória lançando o nome dos réus na famosa "lista suja".A constituição desta "lista" permitiu a identificação da cadeia produtiva do trabalho escravo e tornou possível a celebração de um pacto pelo qual as grandes empresas se comprometeram a não comprar produtos oriundos da mão-de-obra escrava. Desde o início do programa, foram libertados cerca de 25 mil trabalhadores submetidos à condição análoga à de escravos, a maioria concentrados nas atividades de criação, pastagem e de insumos agrícolas, seguidos daqueles encontrados nas plantações de soja e de algodão e, com menor percentual, na atividade de plantio e corte da cana-de-açúcar. Atentando contra a separação e convivência harmônica entre os Poderes do Estado, a emenda dava à Justiça do Trabalho o poder exclusivo de dizer da existência de uma relação de emprego. Ora, mas o Judiciário, por sua própria natureza, é um poder inerte, somente funciona se provocado, isto é, a parte que se sente ofendida em um direito deve tomar a iniciativa de ajuizar uma ação, dando-se início a uma demanda, que poderia muito bem ser evitada com a fiscalização eficaz do MTE. Nisto, precisamente, consiste o tiro de misericórdia da emenda nas maiorias que clamam por reconhecimento e dignidade no trabalho.Inúmeros são os casos em que a JT depende necessariamente da fiscalização do MTE, cujas provas, obtidas durante a blitz, são decisivas para o deslinde dos conflitos. Ressalte-se, ainda, que a distinção entre o contrato de emprego e o contrato de prestação autônoma de serviços, sem as provas pré-constituídas pelos auditores fiscais, constitui-se no calcanhar de Aquiles do processo trabalhista. Diante da ameaça iminente da sanção presidencial e a estréia marcada para entrada em vigor da emenda 3, os empresários dos setores mais interessados organizaram rapidamente uma Frente Nacional pela Sanção da Emenda e veicularam notas na imprensa escrita, no Jornal Nacional da rede Globo de televisão e durante a transmissão de eventos esportivos. As notas conclamavam todos a lutar pela aprovação da emenda em nome da "segurança jurídica, da garantia dos empreendimentos comerciais estabelecidos e em defesa da geração de empregos para milhões de brasileiros". Com menos poder de fogo e quase nenhuma visibilidade na grande mídia, a ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho), a CONTRAE (Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo), o SINAIT (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Ministério do Trabalho) e a ANPT (Associação dos Procuradores do Trabalho) se manifestaram através de notas públicas e contaram com o denodado empenho do Ministro do Trabalho, Luiz Marinho, para convencer o Presidente a vetar a emenda. A nota dissonante veio da OAB, que, fazendo o caminho inverso, se distancia cada vez mais dos ideais democráticos corajosamente implantados na gestão de Raymundo Faoro em plena ditadura militar. Daí a inconveniência de se esperar que o Supremo Tribunal Federal (STF) desse a última palavra numa hipotética ADin (Ação Direta de Inconstitucionalidade). Nossa singular condição de magistrada-cronista nos abre uma janela privilegiada para darmos testemunho de que, não apenas naquelas situações limites do trabalho escravo e do trabalho infantil, com freqüência, apreciamos casos em que a eficiência da fiscalização do Ministério do Trabalho na melhoria das condições de trabalho é decisiva na erradicação da pobreza, da marginalização e redução das desigualdades sociais.O caso mais recente que julgamos envolvia um Instituto de Beleza e uma cabeleireira. Segundo a proprietária do negócio "todo o pessoal do salão trabalhava nessas condições: ´se produzir, recebe, se não produzir, não recebe´, até que a fiscalização do Ministério do Trabalho visitou o estabelecimento". Dessa data em diante, a empregadora decidiu regularizar a situação do seu pessoal, inclusive da cabeleireira, registrando o contrato e assinando a CTPS, recolhendo os encargos e pagando o salário mínimo sempre que a produção não alcance aquele valor. Bem analisada, essa emenda integra a lógica da razão cínica e consiste em mais uma deslavada tentativa de reeditar no mundo do trabalho a agenda do século XVIII, que pode ser resumida na conjugação irregular do sedutor verbo da flexibilização total. A segurança jurídica proclamada pelos defensores da emenda é uma falácia, a norma trabalhista é a única capaz de assegurar tal objetivo, dado que é a variante de uma estratégia mais ampla na formação do consenso. Por outro lado, já está provado que a flexibilização não gera empregos, até porque, o termo ´emprego´ implica assunção de obrigações e encargos previamente regulados por uma lei. Ao invés disso, essa emenda ampliaria os índices já insuportáveis de trabalho semi-forçado, a exemplo do que ocorre nas plantações de cana-de-açúcar no Sudeste do país, onde se reeditou a morte por exaustão, antes conhecida nos campos de concentração nazistas e stalinistas. Aprovar a emenda implicaria em chancelar o fenômeno conhecido pela sociologia como "adiaforização social", isto é, abandonar os pobres à própria sorte e liberar a produção de seres supérfluos, gente que não pertence ao mundo de forma alguma, e, por isso mesmo, o primado de que todos são iguais perante a lei não os alcança. Ser supérfluo, conforme explica Hannah Arendt, implica perda das capacidades políticas e de relacionamento social. "Nessa condição, o homem se vê abandonado pelo mundo das coisas, visto que não é reconhecido como homo faber, mas tratado apenas como animal laborans, cujo necessário metabolismo com a natureza não é do interesse de ninguém". A norma trabalhista baliza as regras de um contrato mínimo, considerando que o contratado é um ser humano, credor de respeito e dignidade, aliás, a precondição indispensável para que se possa conduzir uma vida humana digna deste nome. Como no totalitarismo, a descontinuidade, a ruptura entre o passado e o futuro é a nota típica da sociedade pós-liberal, oriunda do processo de globalização globalitário, dominada por uma racionalidade que absolutiza a dimensão estratégico-instrumental a partir de um ponto de vista egocêntrico. Tanto o totalitarismo quanto o neoliberalismo partem do pressuposto comum de que os seres humanos são supérfluos e assim negam o paradigma kantiano da dignidade humana e a conquista histórico-axiológica que tem no ser humano o valor-fonte dos valores sociais.Ainda não se tinha visto um ataque tão contundente aos direitos sociais; a vitória dos trabalhadores, porém, se deveu mais à solidariedade do Governo do que à mobilização social. Por isso mesmo, as forças democráticas não podem descansar, haja vista que a matéria tratada pela emenda será objeto proximamente de uma Medida Provisória, e os "delinqüentes acadêmicos" encontram-se bem apeados no poder e trabalham sem solução de continuidade engendrando regras jurídicas que fariam inveja aos tecnocratas que subservientemente serviam os generais. Márcia Novaes Guedes é juíza do trabalho em Guanambi (BA), membro da AJD.[Artigo originalmente publicado no site Terra Magazine]

Democracia Sempre

A Magistratura Democrática da Itália realizou seu XVI Congresso, em fevereiro de 2007, em Roma. Trata-se de conhecida Associação cujo Princípio de numero seis dispõe: “la democratizzazione della magistratura, nel reclutamento e nelle condizioni di esercizio della professione, sostituendo il principio democratico a quello gerarchico, specialmente nel governo del corpo giudiziario” (site www.magistraturademocratica.it acessado em fevereiro de 2007).Esta previsão está coerente com a Constituição daquele País. Lá, desde 1947, está fixado, no artigo 104, que dois terços dos integrantes do Conselho Superior da Magistratura são escolhidos por eleição na qual participam todos os juizes.No Congresso antes referido, mais de duzentos juízes debateram as suas condições de trabalho, relacionamento entre as diversas instâncias e autoridades judiciárias e, acima de tudo, as conseqüências da integração da Europa. Na construção de centros públicos de decisão jurídica, supra-nacionais, provavelmente, estejamos, todos, “tateando às escuras em uma seara perigosa”, sabendo-se que ao questionar o conceito de “soberania” implicitamente também estamos debatendo o de “cidadania”, conforme observações de Anderson Vichinkeski Teixeira (“Estado de Nações – Hobbes e as relações internacionais no Século XXI”, Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2007, p, 160 e 177).Luigi Ferrajoli apontou que “se é verdade que a curto prazo não podemos nos iludir, é também verdade que a história nos ensina que os direitos não caem do céu e um sistema de garantias efetivas não nasce numa prancheta, não se constrói em poucos anos, nem tampouco em algumas décadas. Assim foi com o estado de direito e com nossas democracias ainda frágeis, que só se afirmaram à custa de longas bata¬lhas no campo das idéias e de lutas sangrentas. Se¬ria irracional pensar que o mesmo não acontecerá com o direito internacional e não nos empenharmos na parte que nos cabe.” (“A Soberania no Mundo Moderno”, São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 63).A complexidade do processo histórico italiano permitiu outro aprendizado, que foi expresso pelo jurista e Deputado ex-Presidente da Comissão Anti-máfia do Parlamento. Giuseppe Lumia salientou que “mais recentemente, ganhou espaço na ciência jurídica a opinião segundo a qual o direito não é tanto um conjunto de normas reforçadas pela ameaça do uso da força, quanto o rejunto de normas que regulam o uso da força”. (“Elementos de Teoria e Ideologia do Direito”, São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 31). Ora, se uma Associação de Juízes entrega-se ao exame das inúmeras normas externas ao seu País; se o conceito de soberania é visto como necessário e, ao mesmo tempo, como insuficiente; se não se sabe, exatamente, quais esferas de poder, efetivamente, estão comprometidas com os direitos da cidadania, muito mais profunda deve ser nossa meditação.Outro autor italiano, na condição de professor em Florença, apresentou uma análise igualmente cuidadosa. Emilio Santoro lembra que “na teoria oitocentista do Estado de Direito, havia a idéia de que o poder soberano gozava de prerrogativa do uso ilimitado da força”. Hoje, a “globalização dos mercados financeiros com os fenômenos da desregu¬lamentação e da flexibilidade do trabalho, da simplificação das transa¬ções, da diminuição dos ônus fiscais e a paralela globalização das trocas culturais e das informações que tende a difundir identidades particulares desvinculadas do contexto territorial, parece privar a soberania estatal de seus fundamentos. Quanto mais a economia foge do controle da po¬lítica, quanto mais os meios de comunicação eletrônica abatem as dis¬tâncias e as fronteiras, permitindo o aparecimento de grupos virtuais que compartilham cultura e linguagem, tanto mais diminuem os recursos, econômicos e culturais, à disposição dos Estados e, assim, se corrói sua soberania”. O quadro antes delineado justifica a afirmativa de que “é a própria idéia que seja possível governar através de leis gerais e abstratas que se mostra impraticável” e a função esperada e, freqüentemente, exigida do juiz é de que “não se limita a dirimir controvérsias, mas tende a resolver problemas que outros órgãos públicos, ou outras instituições sociais, não percebem em sua gravidade ou não estão em condições de afrontar de modo satisfatório”. (“Estado de Direito e Interpretação – por uma concepção jusrealista e antiformalista do Estado de Direito”, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, p. 111 e 114).O desenvolvimento democrático, de modo cada vez mais acentuado, não permite outra legitimação que não decorra da capacidade de solução dos problemas do cotidiano, no rumo de superação dos obstáculos ao crescimento da sociedade, do ponto de vista de nossa humanização.Imagine-se, aqui, a facilidade em adivinhar o papel que o juiz pode/deve cumprir, especialmente nos Países “emergentes”. Por outro lado, nem se indague, ao menos agora, nestas linhas, sobre a dificuldade da maioria das direções dos órgãos judiciários, moldadas sob outros conhecimentos, inclusive nos Países “centrais”.Na esfera da Justiça do Trabalho, tem relevo o conhecimento da celeridade dos processos na cidade de Turim, ao contrário do restante da Itália. Entre outros, naquela região, viu-se que a conciliação deve ocorrer “dentro” do processo e não antes ou de modo prévio, no dizer do advogado Foglia (outras considerações no site www.anamatra.org.br relativamente ao evento da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, em janeiro de 2007).Os valores da democracia e participação, acaso bem compreendidos e aceitos, se entrelaçam com a legitimidade das decisões e, inclusive, com a celeridade no funcionamento dos órgãos encarregados dos ajustes sociais deliberados juridicamente.Ricardo Carvalho FragaJuiz do Trabalho no TRT RS, membro da AJD

Basta de Violência aos Direitos Sociais

Jorge Luiz Souto Maior Três fatos, aparentemente isolados, ligam-se a um trágico evento recentemente ocorrido na nossa sociedade: o assassinato de uma criança no Rio de Janeiro. Não são os protagonistas dos fatos em questão, por óbvio, culpados do assassinato. A ligação não é direta. O que se quer dizer é que alguns modos de pensar e organizar a sociedade brasileira, de forma egoísta e elitizada, constituem fatores decisivos para a produção da injustiça social e daquilo que lhe é conseqüente, a violência.Poderia mencionar, aliás, vários fatos que demonstram isso. Restrinjo-me a três porque são os mais recentes e, portanto, os mais próximos do crime que acaba de assombrar o país.O primeiro, trata-se da recente aprovação do projeto de lei (PCL n. 7.272/05), que cria a Super Receita, trazendo consigo a Emenda aditiva (n. 3), de autoria do Senador Ney Suassuna.Por disposição da referida Emenda o § 4º., do art. 6º terá o seguinte teor: “No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá ser sempre precedida de decisão judicial."E, para justificar a Emenda, observou o Senador:“Esta emenda pretende tão-somente esclarecer um pormenor, conquanto relevante, no campo das atribuições das autoridades fiscais integrantes dos quadros de servidores da Receita Federal do Brasil, prevenindo situações que possam resultar em lançamentos insubsistentes em virtude de exorbitação (SIC) de atribuições, em prejuízo de um adequado relacionamento entre o fisco e o contribuinte, além de impor constrangimentos de toda ordem, inclusive de natureza financeira, ao contribuinte. No caso específico, cuida-se de explicitar que a atribuição da autoridade administrativa no tocante à desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico com vistas a reconhecer relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, está condicionada à prévia decisão judicial.Esse entendimento tem por fundamento direitos e garantias assegurados na Constituição e em normas infraconstitucionais. Ainda que possa parecer despiciendo, não é demais assinalar que:. a liberdade de iniciativa é um princípio constitucional que assegura a todos o poder para organizar seus próprios negócios, conforme lhes sejam convenientes, sem qualquer tipo de ingerência. (art. 170 da CF);. a liberdade de contratar é exaustivamente tratada no Código Civil (art. 421 e outros);. a Constituição Federal, em seu artigo 114, VII, atribui, expressamente, à Justiça do Trabalho competência exclusiva para compor os conflitos decorrentes da relação de trabalho, inclusive para reconhecimento de vínculo empregatício;. somente o Poder Judiciário, nos termos do disposto no art. 50 do Código Civil, é competente para proceder à desconsideração da personalidade jurídica, e dentro dos limites da Lei. A instituição da Receita Federal do Brasil, procedendo à integração das Administrações Tributária e Previdenciária, é o momento oportuno para a edição dessa norma, cujo propósito é o de estabelecer regras de conduta claras e alinhadas com o ordenamento jurídico, elidindo, por via de conseqüência, a empreendedores que, de forma legal e regular, prestam serviços intelectuais por meio de pessoa jurídica regularmente constituída.”O segundo, que vai no embalo da apresentação e discussão da Emenda, é a reportagem do Jornal, O Estado de São Paulo, “O Brasil é campeão em ações trabalhistas”, publicada na edição de 12 de fevereiro de 2007, cuja chamada, aliás, encontra-se na primeira página do jornal. Em tal reportagem, baseado na posição de “especialistas” (na verdade, dois, o ex-ministro Pazzianoto e o economista José Pastore) tenciona-se dizer que existem muitas ações na Justiça do Trabalho e que isto é culpa da legislação, que instiga ações e causa desestímulo às contratações pelas empresas.O terceiro, que corre também na vala aberta pela discussão da Emenda aditiva em questão, foi a entrevista dada pelo Ministro do TST, Ives Gandra da Silva Martins Filho, à Globo News, na qual afirmou o ilustre e respeitado jurista que a Justiça do Trabalho é culpada pelo desemprego quando não diz que a negociação coletiva pode prevalecer sobre o que está previsto na lei.Trata-se de manifestações muito graves, que põem em risco toda a sociedade e que por isto não podem ficar imunes a uma veemente contraposição, coisa que a grande imprensa dominante parece não querer.Neste sentido, aliás, deveria o Ministério Público do Trabalho agir, de forma urgente, interpelando judicialmente os autores das passagens supra, requerendo expresso direito de resposta em defesa da ordem jurídica, além de denunciar os autores pela apologia ao desrespeito à lei e descrédito às instituições públicas deste país.Mas, enquanto isto não ocorre (se é que vai ocorrer), é preciso, então, pelo menos, que se ponham à mostra os equívocos das manifestações supra, destacando os efeitos perversos que elas provocam em nossa sociedade.No que se refere à Emenda aditiva do Senador Ney Suassuna, o que se pretende é que os mecanismos utilizados para burlar a legislação trabalhista não sejam alvo da fiscalização do Ministério do Trabalho, mecanismos estes, aliás, muito utilizados pelos meios de comunicação (jornais e canais de TV). Contrata-se um trabalhador, com todas as características de um empregado, conforme definido em lei, mas se o faz obrigando o trabalhador a constituir uma pessoa jurídica, para que assim ambos obtenham vantagens, com relação aos tributos que incidem sobre o salário. Esses tributos, no entanto, não são meros custos, são o financiamento do Estado Social. Assim, quando não se registra um empregado e não se contribui com a Seguridade Social, deixa-se sem hospital um cidadão e sem escola uma criança...O que quer o Senador é que o desrespeito à ordem jurídica seja inatingido pela ação do Estado. Mas, esta ação é essencial, pois a configuração da relação de emprego é de ordem pública e o seu desrespeito, sobretudo nos casos em questão, pode trazer um benefício imediato ao próprio trabalhador, que só se dará conta do prejuízo muito tempo depois, quando, por uma dessas contingências da vida (que, infelizmente, acometem a todos) precisar de um serviço público.É por isto mesmo que a fiscalização do trabalho integrou-se, expressamente, como atividade essencial do Estado Social por meio do Tratado de Versalhes, que pôs fim à 1ª. Guerra Mundial, Parte XIII, art. 427, item 9: “cada Estado deverá organizar um serviço de inspeção, dele participando as mulheres, a fim de assegurar a aplicação das leis e regulamentos de proteção aos trabalhadores”.Além disso, em suas justificativas, o Senador desconhece ou finge desconhecer a ordem jurídica, a qual não limita ao art. 50 do Código Civil a possibilidade de desconsideração da pessoa jurídica (vide, por exemplo, o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, assim como os artigos 16, 17 e 18, da própria lei sobre infrações contra a ordem econômica, Lei n. 8.884/94). Além disso, quando um fiscal autua uma empresa pelo fato de estar ela se utilizando de empregados sem efetivar o competente registro, estando estes trabalhadores travestidos de pessoas jurídicas, não se dá, propriamente, uma desconsideração da pessoa jurídica, pois que isto ocorre quando se busca a responsabilidade dos sócios com relação às dívidas assumidas pela pessoa jurídica. O que se dá é pura e simplesmente fazer incidir a regra básica legal de proteção ao trabalho sobre a realidade verificada “in loco”, por exercício da função típica do Fiscal do Trabalho, conforme compromisso assumido pelo Brasil desde quando foi signatário do Tratado mencionado.O que faz o ilustre Senador, portanto, é uma tentativa torpe de enganar a sociedade brasileira e seu objetivo é muito claro: beneficiar quem descumpre o Direito do Trabalho.Com relação à reportagem do “Estadão” não é diferente. Trata-se de uma tentativa leviana de conduzir a erro os leitores (um jornal, ademais, deveria respeitar mais os seus leitores), pois diz que consultou “especialistas” sobre o assunto, mas, na verdade, expôs a posição de apenas duas pessoas, que conhecidamente têm posição pré-disposta e tendenciosa a respeito do tema. A posição sustentada, ademais, é, como dito, uma agressão ao Estado Social de Direito, pois faz um ataque direto à legislação trabalhista de forma generalizada, fazendo, ademais, com que os empregadores que eventualmente leiam a reportagem considerem-se legitimados a descumprir a lei. Quando lembram, então, que nem o Fiscal do Trabalho poderá atribuir-lhe alguma obrigação, ficam ainda mais à vontade para desrespeitar os direitos dos trabalhadores.Aliás, essa é uma questão da qual passou propositalmente longe a reportagem: o número de reclamações trabalhistas não é fruto do descalabro da legislação e sim do ataque cultural constante do qual é alvo a Justiça do Trabalho neste país que ainda possui resquícios escravagistas.Ora, trocando em miúdos, o que a legislação brasileira garante ao trabalhador são direitos assegurados na própria Declaração Universal dos Direitos do Homem e que são mencionados em praticamente todas as legislações dos diversos países do mundo: limitação de jornada; períodos de descanso (férias, domingos, feriados, intervalo para almoço); salário mínimo; regras de proteção ao salário (equiparação salarial, formas de pagamento etc); proteção contra o desemprego (FGTS, verbas rescisórias); proteção contra acidentes do trabalho (insalubridade, periculosidade)...Além disso, ainda que se pudesse apontar algum aspecto específico, de uma outra regra da CLT, que pudesse estar até em desuso, o fato concreto, que esses “especialistas” não sabem, ou fingem não saber, e que o Estadão não procurou conhecer para melhor informar, é que a enorme maioria das reclamações trabalhistas versa sobre questões que nada envolvem uma eventual “complexidade” da legislação. Os casos são muito simples e referem-se, basicamente, a horas extras, supressão de intervalo, verbas rescisórias não pagas... Se fizermos um levantamento dos dispositivos legais que embasam as reclamações, veríamos que a CLT em prática é muito, mas muito mesmo, menor do que a do papel.Adite-se que do ponto de vista comparativo, a legislação francesa, por exemplo, é infinitamente mais minuciosa que a legislação brasileira. Aliás, por falar em comparação, deveria a reportagem se dado ao trabalho de pôr em contraste o valor do salário mínimo no Brasil e nos países que citou.Pois bem, se a causa do alto número de reclamações não é a legislação (e não é mesmo – quem diz o contrário não sabe o que está falando ou está mal intencionado), então só pode ser outra. O alto número de ações é provocado, primeiro por conta, exatamente, desse tipo de ataque à legislação trabalhista que incita ao seu descumprimento por parte dos empregadores, forçando os trabalhadores a se socorrerem do Judiciário (exercendo assim o seu mais lídimo direito de cidadãos – aliás, a reportagem até mesmo conduz a acreditar que quem se socorre da Justiça age de forma “banal”); e, segundo, para parte do segmento empresarial, um problema de ordem econômica, que os força ao inadimplemento. Mas, neste último caso é bom reparar também que: a) quem causa maiores problemas para os trabalhadores, e para a Justiça conseqüentemente, não são os pequenos empresários, muito pelo contrário. Quem motiva mais ações trabalhistas são grandes conglomerados econômicos, sobretudo pela reiterada adoção de táticas de burla à legislação, tais como a utilização fraudulenta de contratos a prazo, de terceirização, de sub-contratação, de utilização da negociação coletiva como forma de reduzir direitos assegurados em lei etc), sem falar, é claro, em seu apetite, alimentado pelo poder econômico, de conduzir o processo até as últimas instâncias, valendo-se da demora como meio de obter vantagem econômica (provisionam o custo do processo, aplicam o dinheiro no mercado financeiro e quando, anos depois, se vêem obrigadas a pagar, já extraíram das aplicações muito mais do que pagam); eb) o problema econômico das pequenas empresas não se resolve com redução de direitos sociais, pois que isto, do ponto de vista estritamente econômico, apenas aumenta a lógica monopolista do capitalismo.Neste sentido, aliás, se tivermos que pensar em alguma alteração legislativa esta seria necessária no sentido de conferir maior coação à norma trabalhista e não o contrário. Assim, com o respeito aos direitos, seriam diminuídas as reclamações. Mas não, o Estadão e seus “especialistas” acham que para acabar com os cupins justifica-se acabar com as florestas...No que tange à manifestação do Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, em que pese o seu notório conhecimento jurídico, o problema é que também acabou fazendo uma apologia ao descumprimento da legislação trabalhista, com o gravame de ser ele um respeitado juiz da mais alta Corte trabalhista brasileira, carregando consigo, portanto, o peso de sua autoridade pessoal e institucional. Mesmo que apoiado no pressuposto da vontade coletiva dos tais “atores sociais”, a sua manifestação é equivocada, primeiro porque a Constituição não permite a solução que preconiza, qual seja, que as Convenções Coletivas, que representam o interesse privado, possam suplantar as garantias legais de natureza cogente, fincadas, assim, na lógica do interesse público, e, segundo, por atribuir à Justiça do Trabalho a culpa pelo desemprego. Esse ataque institucional à Justiça do Trabalho interessa à sociedade? É evidente que não, afinal seu dever é fazer valer a ordem jurídica e se deve ter por pressuposto que o direito vale para todos, pois do contrário a única lei que tem eficácia é a “lei do mais forte”. Além disso, de forma indireta, o Ministro acusa, na mesma linha dos demais, a legislação de causar desemprego. Ou seja, ter direitos no Brasil é um mal para os trabalhadores. Não seria, então, o caso de dizer que a lei que protege a propriedade é a culpada pelas invasões de terra?Levadas a efeito as considerações do Ministro, então, para que o Brasil tivesse sucesso econômico, deveríamos retirar todos os direitos dos trabalhadores, reinventando o trabalho escravo, aliás, um trabalho escravo pós-moderno, sem sequer os custos de alimentação, vestuário e moradia, para que, pronto, de um dia para o outro, todos tivessem “empregos” e o Brasil passasse a ser uma potência econômica.Ora, tudo isto é muito superficial e não resiste a uma análise mais profunda. Mas, não há interesse da grande mídia neste debate. O que lhe interessa é difundir ataques (subliminares e frontais) ao direito do trabalho e à Justiça do Trabalho, incitando ao descumprimento da ordem jurídica.O problema é que uma vez difundido o desrespeito ao direito dos outros, os que têm seus direitos não respeitados consideram-se legitimados para, também, desrespeitar o seu próximo e segue-se assim em uma roda que gira sem freio. Por exemplo, se o Estado usa do dinheiro arrecadado em impostos para transferi-los, em negócios obscuros, a apaniguados dos homens do poder, os cidadãos sentem-se legitimados a não pagar impostos; se o empregador não registra um empregado, este sente-se à vontade para não trabalhar de forma adequada; se não há recolhimento previdenciário, porque o empregador não registra, porque o Estado não fiscaliza as relações de trabalho, ou porque o dinheiro público é desviado, o cidadão que precisa do serviço público e não o tem, amaldiçoa o Estado e quando vê que todos o acusam de ser o culpado da sua própria miséria passa a ter ódio da sociedade . E, enfim, diante de um crime, provocado pelo ódio ou pela necessidade, diz esta mesma sociedade, em atitude incoerente, que a ordem jurídica para punir o criminoso deve ser observada pelas instituições (falando-se até em diminuição da maioridade penal).Vide, neste sentido, por exemplo, o Manifesto da Associação Nacional de Jornais, publicado em 15 de agosto de 2006:“BASTA À VIOLÊNCIA Nos últimos tempos o povo brasileiro assiste a uma escalada da violência contra a vida, contra o patrimônio e, nas últimas semanas, contra as instituições democráticas. Vandalismo generalizado contra o patrimônio público e privado, seqüestros e assassinatos vêm colocando a população brasileira na condição de refém das organizações criminosas. Sensíveis a este drama vivido pela população, os veículos de comunicação, unidos em suas entidades representativas, deliberaram tomar uma enfática posição comum. Isso porque o Brasil está pagando caro demais pela descoordenação das autoridades federais e estaduais na questão da segurança pública. O que está ameaçado neste momento, com a escalada da violência e da desordem, não é apenas o cotidiano civilizado a que todos os cidadãos têm direito. É a própria sobrevivência da sociedade democrática, porque sua manutenção depende da autoridade, credibilidade e prestígio das suas instituições. Infelizmente, esses problemas estão colocando em xeque o estado democrático de direito porque a criminalidade está corroendo a certeza da aplicação da lei em função da impunidade. É urgente e fundamental que aqueles que dirigem o governo e o Estado brasileiro em seus diferentes níveis tomem medidas responsáveis e eficazes contra o crime. Assim como os que pretendem dirigir expressem com clareza suas propostas. E que todos demonstrem inequivocamente o compromisso com o resgate da ordem pública e com a harmonização dos esforços dos Estados e União. Propomos que o debate eleitoral que se inicia seja efetivamente também um espaço público de reflexão sobre estratégias e propostas concretas para a área de segurança com o objetivo de resgatar a confiança dos brasileiros nas suas autoridades. Propomos que este assunto esteja no centro do debate eleitoral, porque é o centro das preocupações de todos os brasileiros. A imprensa, que sempre esteve alinhada às grandes causas da cidadania, está convicta de que o próximo passo para a consolidação da democracia em nosso país passa pelo restabelecimento imediato da ordem pública. Os meios de comunicação, unidos, na sua sagrada missão de informar e garantir a liberdade de expressão, cobrarão veementemente, dos atuais e futuros governantes, soluções eficazes na defesa da sociedade brasileira. ASSINAM ESTE DOCUMENTO: ANJ – Associação Nacional de Jornais ANER – Associação Nacional dos Editores de Revistas Entidades representativas das emissoras de rádio e televisão (ABERT/ABRA/ABRATEL) Brasília, 15 de agosto de 2006”Ora, essa hipocrisia de parte da elite brasileira, que tenta impor a toda a sociedade um modo de agir que fragiliza os Direitos Sociais, acusando-o de todos os males de um capitalismo sectário, segregador e preconceituoso, ao mesmo tempo em que busca impor o respeito à ordem jurídica para a defesa de seus interesses privados (liberdade de contratar, direito de propriedade etc), serve apenas para aprofundar as injustiças sociais e gerar um maior ódio da enorme parcela da população brasileira que está sendo cada vez mais afastada de uma possibilidade concreta de viver com dignidade. Se existe algum meio para conferir humanização ao capitalismo este meio é a eficácia plena dos Direitos Sociais. É de suma importância que a sociedade brasileira, como um todo, sobretudo a sua elite, se dê conta disso e não se deixe levar por análises parciais, que negligenciam a relevância dos direitos sociais e fragilizam as instituições públicas voltadas à sua aplicação, pois que isto nos está conduzindo cada vez mais fundo para uma situação de crise social. A violência que toma ares de profunda desconsideração pela vida, fruto de um ódio brutal, desmesurado, é prova disso. Não há lugar para dúvida: não podemos mais reproduzir um modo de pensar o capitalismo sem uma verdadeira responsabilidade social, calcada no respeito aos direitos sociais, sob pena de produzirmos mais ódios.É por estes motivos – e não por uma questão de ordem pessoal – que me oponho, com veemência, aos ataques realizados ao Direito do Trabalho e à Justiça do Trabalho, até mesmo para que os jurisdicionados da cidade onde atuo como juiz não venham sequer a levantar a hipótese de que essa preconizada ineficácia das normas trabalhistas terá alguma ressonância.Pois bem, retomando o dado concreto da aprovação do projeto de lei da Super Receita, diante de tantas razões relevantes, o mínimo que se pode esperar, agora, de um Presidente oriundo da classe trabalhadora é que vete o texto que foi adicionado ao projeto pela Emenda aludida. Afinal, já passou da hora de expressarmos em voz alta e bom tom: “basta de violência aos Direitos Sociais!”. O autor é Juiz do Trabalho desde abril de 1993 e Professor livre-docente de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP. Membro da Associação Juízes para a Democracia.

Limpeza no Judiciário

O Poder Judiciário de Pernambuco dá um belo exemplo de que, quando se quer moralidade, não existe corporativismo nem escamoteamento da lei. Pela primeira vez, em 186 anos de história, o tribunal determina a aposentadoria compulsória de um juiz, afastado e preso sob a acusação de venda de sentenças. Ao mesmo tempo, afasta outros juízes sob suspeita de vários delitos, enquanto seu presidente, o desembargador Fausto Freitas, avisa que não será conivente com desvios de conduta de qualquer membro do Judiciário. Eis aí um quadro que parecia impossível até pouco tempo. Havia a suposição – e para muita gente ainda há – de que um juiz de direito é uma pessoa intangível, acima de qualquer suspeita, à qual se deve reverência pelo alto posto que ocupa mas, também, porque tem o poder de decidir sobre a vida, a liberdade e o patrimônio de todos os demais. Essa armadura que a tradição, o medo ou o interesse criaram em torno da figura do juiz pode ser considerada líquida e certa em um regime autoritário, em que os notáveis se distinguem da sociedade e criam vida própria. Num estado democrático de direito, tudo é regido pela Constituição e todos a ela estão sujeitos. Mais que isso, do guarda municipal ao presidente da República todos são servidores públicos. Significa dizer: todos são remunerados pelo povo e a ele devem respeito e atenção, de acordo com o saudável princípio da reciprocidade. O juiz de direito faz parte desse coletivo de servidores, tem os mesmos deveres, mas tem alguns direitos a mais pela peculiaridade de sua função pública: a ele cabe, por determinação legal, resolver os litígios, distribuir justiça. Essa tarefa é extremamente delicada e exige postura e preparo diferenciados. No ato de distribuir justiça o juiz é sempre parcial, atende a um lado que venha a ser considerado o dono do melhor direito. Assim, entende-se que o magistrado venha a ter foro privilegiado, que corram em segredo de justiça as questões que o atinjam, a ele seja reservada a autonomia e outras pequenas distinções no exercício da função, até porque é dessa atividade que dependem os direitos da cidadania. Fora disso, o juiz é um cidadão como qualquer outro, sujeito aos mesmos rigores da lei, na forma como está sendo vista agora. Esse é um bom, excelente começo no muito que se tem a andar, ainda, se queremos um Poder Judiciário que contribua para a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros. Para isso, terá que ser dotado dos meios legais a fim de, por exemplo, agilizar a prestação jurisdicional e instalar segurança e certeza nas relações jurídicas, pressuposto para, entre outras coisas, o País atrair investimentos e empreendimentos internacionais. De outro lado, depende desse Poder a capacidade punitiva como forma de contribuir para enfrentar e diminuir a violência, a grande pandemia nacional. A impunidade é, todos sabem, o principal alimento da criminalidade. Diante do esforço que faz hoje o Tribunal de Justiça de Pernambuco e, também, pela existência de entidades como a Associação do Magistrados e os Juízes para a Democracia, dá para acreditar que caminhamos o bom caminho. A Associação tem assumido uma postura que não se confunde com o corporativismo e os Juízes para a Democracia antecipam, entre nós, os movimentos que em outros países levaram a um Judiciário depurado de deformações típicas de corporações que se consideram acima da lei. Para essa entidade, os magistrados são assalariados pela sociedade e a ela têm obrigação de prestar contas da atividade que exercem. Tudo assim, pois, uma combinação extremamente salutar e promissora. [Editorial do Jornal do Commercio, Recife, 25/01/2007]

Julgamentos e Transformação Social

O Seminário “A Nova Justiça: desafios e tendências” revelou interessantes iniciativas. Tratou-se de evento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, realizado em agosto de 2006. As contribuições interdisciplinares são, principalmente, de psicólogos, assistentes sociais e sociólogos. Cuidam não exatamente de “reforçar” a fundamentação das decisões judiciais com indesejável “exacerbação dos conflitos”. Os objetivos principais destes profissionais da “área psicossocial” são mais profundos. A própria prática destes outros atores tem sido reavaliada e reformulada, acima de tudo, a partir dos processos com interesses da Criança e Adolescentes. Algumas partes litigantes são encaminhadas para os diversos Convênios com Universidades, para eventuais acompanhamentos posteriores. As partes envolvidas “estão passando a descobrir, no contexto judicial, não apenas a dimensão da disputa, de litígio e de separação, mas a de compreensão também. Podem, então, deixar de se posicionar como quem está sendo avaliado, julgado e examinado para colocar-se como parte ativa do seu processo decisório”. Esta experiência, apesar de sua riqueza, não é única. Mesmo no Rio Grande do Sul, na Justiça Estadual, existe serviço semelhante. Mais recentemente, o Conselho Nacional de Justiça chegou a “recomendar” este rumo. Trata-se da Recomendação número 2 que “Recomenda aos Tribunais de Justiça a implantação de equipe interprofissional em todas as comarcas do Estado, de acordo com o que prevêem os arts. 150 e 151 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90)”. Os profissionais do Direito, palestrantes no mesmo Evento, com sinceridade reconheceram estas contribuições das outras áreas do conhecimento. O Desembargador no Rio Grande do Sul, Umberto Sudbrack, Professor em Sociologia Criminal, examinou os aprendizados do Forum Mundial de Juízes. Mencionou, especialmente a sua primeira edição, em 2002, em Porto Alegre, quando foi analisado o trabalho do jurista Bhawgati, estendendo os direitos fundamentais para os milhões de excluídos na Índia. O Magistrado na França Denis Salas relatou as alterações na formação do Juiz em seu País. Aqui, merece lembrança anterior debate entre os Juízes do Trabalho no Rio Grande do Sul. Já em 1990, percebemos que “a Magistratura deve começar a repensar conjuntamente os currículos das Faculdades de Direito, de forma a dar-se uma consciência mais abrangente aos operadores do Direito, abandonando a visão normativista, com ênfase à crítica e com preocupação de uma formação multidisciplinar do bacharel”. O maior preparo, inclusive em outras áreas do conhecimento humano, muito mais permitirá que saibamos integrar inúmeros outros aprendizados de outros ramos da ciência e/ou arte. Medite-se que a “conexão” entre os diversos ramos do conhecimento tem obstáculos a serem vencidos: De um lado, porque a impermeabilidade de parte dos juristas, muitas vezes dissociados do método científico, ocasiona produções essencialmente de compilação, permanecendo em um nível basicamen¬te discursivo sobre os fenômenos humanos. De outro, tem-se a recenticidade da psicologia experimental e científica. De fato, se o direito radica historicamente em Roma e se consubstancia no "Corpus Juris Civilis", a psicologia, enquanto ciên¬cia, é filha do século XX; embora seja possível desfraldar conteúdos psicológicos em Aristóteles e mesmo nos pré-socráticos, como nos fragmentos de Heráclito, podendo-se citar a própria Bíblia como fonte. É que a psicologia, arqueologicamente, vem mesclada com a filosofia e com a religião e, nesse sentido, remonta à antiguidade como influên¬cia antecedente, uma vez que a psicologia não nasceu científica”. No campo do Direito do Trabalho, certamente, muito existe a ser descoberto e construído. Neste ano de 2006, no Congresso dos Juízes do Trabalho, debateu-se a possibilidade de alguma experiência com “justiça restaurativa”, proposta pela Juíza do Trabalho em Pernambuco Ana Maria Soares R. de Barros, valendo assinalar que provavelmente nos litígios envolvendo as pequenas empresas poderá haver maior êxito. No mesmo evento, em Maceió, chegou-se a aprovar que as Associações de Juízes do Trabalho podem/devem “adotar medidas que valorizem a criação de postos de trabalho com a preservação da dignidade do trabalhador e do ser humano para contribuir com a implementação do Estado Social”, formulada pela Juíza do Trabalho em São Paulo, Regina Maria Vasconcelos Dubugras. No Rio Grande do Sul, a partir de Santa Maria, já existe a rica experiência de divulgação da legislação nas escolas, especialmente dos bairros pobres, com a participação dos diversos profissionais da área jurídica. Estas iniciativas e outros inúmeros projetos que possam ser pensados terão maior sucesso se nos convencermos que o juiz tem “vínculo orgânico com a Constituição e vínculo subjetivo com os direitos fundamentais”, no dizer do Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, presente no referido Seminário realizado em conjunto com a UNB - Universidade de Brasília. Ricardo Carvalho Fraga Juiz do Trabalho no TRT - RS, membro da AJD

Nepotismo

Douglas de Melo MartinsProcesso n.º 573/2006 Ação Civil Pública Autor: Ministério Público Estadual Réu: Lenoílson Passos da Silva Vistos etc, Trata-se de Ação Civil Pública, com pedido liminar de obrigação de fazer, interposta pelo ministério público em desfavor de Lenoílson Passos da Silva com o fim de promover a demissão de todos os parentes, até o terceiro grau, dele próprio, da vice-prefeita, dos secretários municipais e dos vereadores que estejam ocupando cargos de confiança ou que tenham contratos com o Município ou Câmara Municipal. A exordial veio comboiada de inúmeros documentos que servem para escorar as alegações ministeriais. A prática do nepotismo marca profundamente a administração pública no Brasil. De forma expressa ou tácita, os três poderes da república, em todas as suas esferas, sempre mantiveram um pacto de silêncio, de não agressão, quando o assunto era a contratação de parentes para os numerosos e bem pagos cargos de confiança da administração. Essa prática nefasta causou uma distorção absurda na administração pública brasileira. Só para se ter uma ideia, segundo o editorial “A praga do nepotismo” publicado na edição de 04 do mês corrente do jornal “O Estado de S.Paulo”, citando o repórter Gabriel Manzano Filho, “existem mais de 524 mil cargos de confiança ou em comissão no Brasil (de livre nomeação). O executivo federal tem 19 mil cargos desse tipo, com salários que variam entre R$ 3,6 mil e R$ 9,8 mil. Ao todo, são 70 mil cargos na União, 104 mil nos Estados e 350 mil nos municípios. São neles que encontram abrigo esposas, irmãos, pais, filhos, tios, cunhados e primos de quem tem poder de nomear...” “Para efeitos comparativos, o Executivo federal dos Estados Unidos tem só 3,5 mil cargos de confiança. Na França, o presidente e o primeiro-ministro contam com apenas 500 postos de livre indicação e, no Parlamento desse país, até os assessores técnico-legislativos têm de passar por concurso”. Naturalmente, esta distorção absurda, está relacionada com o “ouvido de mercador” dos governantes plantonistas, mesmo com todos os reclames dos princípios da moralidade e impessoalidade, consagrados na Constituição Federal. Não é sem resistência que o nepotismo impera. Em 2000, faltaram 22 votos na Câmara para aprovar a emenda constitucional que proibia a contratação de parentes. Diante da força daqueles que insistem na manutenção da imoralidade surgem propostas intermediárias, como a do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) que, na contramão da onda moralizadora, defende a criação de cotas de até 10% para que o parlamentar ou o funcionário do Executivo contrate um parente. Em Chavantes-SP, a Câmara conseguiu derrubar o veto do prefeito Luiz Severino (PP) que não concordava com a lei municipal aprovada neste ano que proíbe a contratação de parentes de políticos até o terceiro grau. Um dos argumentos contrários era que a medida poderia provocar a demissão de pelo menos 24 assessores com cargo de comissão. A votação para apreciar o veto foi apertada: 5 a 4. O prefeito ameaçou recorrer ao Poder Judiciário para suspender a lei. Essa disputa entre os que querem dar efetividade aos preceitos constitucionais e os que querem manter os privilégios familiares não tem trégua. Os defensores da extirpação dessa prática da administração pública ganharam força decisiva com a Resolução nº 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que vedou a contratação de parentes de magistrados, até o terceiro grau, para cargos de chefia, direção e assessoramento no Poder Judiciário. A resolução do conselho causou reação feroz em quase todos os rincões do Brasil. Para pacificar a questão e conter as diversas liminares concedidas por diversos tribunais favoráveis à permanência dos parentes em cargos de confiança a AMB pediu ao Supremo que confirmasse a constitucionalidade da resolução do CNJ. O STF acolheu o pleito e declarou a constitucionalidade da resolução, com efeitos vinculantes para todos os órgãos do Poder Judiciário. O ministro Carlos Ayres Britto, relator da ação declaratória de constitucionalidade, destacou que, em respeito aos princípios da moralidade, da eficiência, da impessoalidade e da igualdade “deve-se tomar posse nos cargos, e não dos cargos”. O ministro Eros Grau seguiu o voto do relator e afirmou que “o rompimento das relações de trabalho dos nomeados para cargos de confiança no Poder Judiciário, dentro das regras estabelecidas na resolução do CNJ, atenderá às imposições da moralidade e da impessoalidade administrativas.” De acordo com ministro Joaquim Barbosa, “a legitimidade da resolução é inquestionável, pois estabelece regras que buscam dar efetividade aos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativas.” É também dele a afirmação de que “a resolução obedece plenamente os princípios da igualdade e da moralidade.” O ministro Cezar Peluso classificou o nepotismo como uma prática perniciosa ao interesse público e salientou que a questão deve ser tratada sob o princípio constitucional da impessoalidade. Esse princípio, segundo o ministro “está ligado à idéia da eficiência da administração pública e atua, sobretudo, como uma limitação ao exercício do poder discricionário de nomear funcionários em cargos em confiança”. O ministro Celso de Mello, por sua vez, esclareceu que o CNJ definiu, ao editar a Resolução, normas destinadas a impedir a formação de grupos familiares visando a patrimonialização do poder governamental. Ele acrescentou que a Resolução justifica-se plenamente em função da necessidade fundamentada na essencial distribuição que se impõe entre o espaço público e o privado. Seguindo esta mesma linha de raciocínio votaram os ministros Gilmar Mendes, Sepúlveda Pertence, Nelson Jobim e Ellen Gracie. O único voto dissonante foi do ministro Marco Aurélio que votou pelo indeferimento da liminar na ADC sem, entretanto, defender a prática do nepotismo, mas questionando, tão somente, o poder normativo do CNJ. Vê-se, pois, que com pequenas diferenças de ênfase, todos os ministros do Supremo Tribunal Federal concordam que as nomeações de parentes, até o terceiro grau, para o exercício de cargos de chefia, direção e assessoramento ferem os princípios da moralidade, impessoalidade, eficiência, e igualdade; sendo os dois primeiros citados por quase todos. Pois bem, o que se questiona agora, em vários espaços de discussão, é se esses princípios constitucionais aplicados ao Poder Judiciário têm o mesmo efeito em relação aos demais poderes (executivo e legislativo). O vice-presidente de Interiorização da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares entende que os princípios da Administração Pública devem ser aplicados em todos os Poderes e que, se a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) foi baseada nos princípios constitucionais, não pode ser aplicado única e exclusivamente ao Judiciário. Ainda segundo posição da AMB, caso os “chefes” dos Poderes Legislativo e Executivo não promovam espontaneamente a exoneração de seus parentes dos cargos de confiança devem ser processados por improbidade administrativa. O raciocínio é simples, os princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade, igualdade e eficiência que regem o Poder Judiciário e que foram corretamente interpretados pelo Conselho Nacional de Justiça quando da edição da Resolução 07/2005 vedando a contratação de parentes de magistrados, até o terceiro grau, para cargos de chefia, direção e assessoramento no Poder Judiciário, também são aplicáveis aos Poderes Executivo e Legislativo. Absolutamente descabida é a espera de promulgação de Emenda Constitucional para vedar expressamente as nomeações de parentes no Executivo e Legislativo, mormente depois do Supremo Tribunal Federal pacificar a questão ao declarar a constitucionalidade da Resolução. O esforço para regular a matéria por meio de emenda constitucional ou através de lei é bem vindo, mas desnecessário, na medida em que já se encontra implicitamente proibida a nomeação de parentes pela interpretação simples dos preceitos constitucionais. A discussão nos órgãos legislativos, da forma como tem sido posta, passa a impressão de que o legislador ordinário tem liberdade, inclusive, para permitir o nepotismo, o que me parece incongruente com o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Toda essa discussão sobre permitir o nepotismo por meio de lei ou emenda constitucional é inócua, na medida em que o STF firmou entendimento de que essa prática fere os princípios constitucionais já citados anteriormente. A verdade é que todos os gestores do Brasil, em todos os poderes e em todas as esferas da administração pública, têm conhecimento da decisão do Supremo Tribunal e, naturalmente, já deveriam ter promovido a demissão de seus parentes dos cargos de chefia, direção e assessoramento. O PEDIDO LIMINAR O indício do direito (fumus boni iuris) ficou devidamente demonstrado através da extensa avaliação sobre a aplicabilidade dos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade, eficiência e igualdade. O perigo da demora (periculum in mora) é evidenciado em face da possibilidade de desvio de recursos públicos para pagamento de pessoas que lograram acesso ao serviço público por meio ilegal. A demora na prestação jurisdicional muitas vezes invalida toda eficácia prática da tutela e quase sempre representa uma grave injustiça para quem depende da manifestação judicial. A liminar designa provimento judicial emitido in limine litis, isto é, no momento mesmo em que o processo se inicia. É, pois, a proximidade do risco de lesão grave e de difícil reparação que justifica a medida liminar. O poder geral de cautela diz respeito à eficácia plena da tutela jurisdicional, situando-se, por isso mesmo, no nível das garantias fundamentais de acesso à Justiça e à segurança jurídica. Recusar, em certos casos, a concessão de liminar significa risco de inutilização da própria tutela jurisdicional. É a própria denegação da Justiça, o que se revela inaceitável para o sistema das garantias fundamentais asseguradas pela Carta Republicana. Nestas condições, acolho o pedido para: 1º - determinar que requerido (prefeito municipal de Pedreiras) promova a exoneração, no prazo de 05 dias, de todos os parentes, até o terceiro grau, dele próprio, da vice-prefeita, dos secretários municipais e de todos os vereadores do município de Pedreiras e se abstenha de realizar outras nomeações de pessoas que se enquadrem na situação supra, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 12 da Lei 7.347/85. 2º - determinar que o requerido apresente, em igual prazo, a relação de servidores municipais que se enquadrem na situação do item anterior, além dos respectivos atos de exoneração; Cite-se o requerido para, querendo, contestar a ação, no prazo de quinze dias, sob pena de revelia e confissão. Oficie-se. Pedreiras, 30 de março de 2006 Douglas de Melo Martins Juiz de Direito

Editorial AJD

Associação Juízes para a Democracia repudia a proposta apresentada pelo Secretário de Assuntos Penitenciários de São Paulo, Nagashi Furukawa, na reunião do Conselho Nacional de Secretários de Estado da Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária (Consej), realizada no dia 10 de novembro de 2005, na qual estavam presentes dezessete membros, e que teve votos contrários dos secretários do Acre, Amazonas, Bahia, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. A proposta retira o caráter jurisdicional da execução penal, prevendo alterações legislativas na Lei de Execução Penal, que passaria a dispor que: a) caberá às autoridades administrativas das unidades federativas decidir e promover, de comum acordo, a remoções de preso condenado ou provisório e b) se o juiz da execução exceder o prazo de trinta dias sem proferir sentença, os pedidos de progressão e regressão de regime, livramento condicional, remoção para estabelecimento em local distante da condenação e indulto serão decididos pela autoridade administrativa. A proposta atinge direitos e garantias fundamentais que não pertencem a uma parcela das pessoas, mas a todas, individual e universalmente consideradas. Um dos fundamentos da nossa República, que se constitui em Estado Democrático de Direito, é a dignidade da pessoa humana, atributo que o condenado(a) não perde e que é suporte de todos os direitos humanos consagrados, notadamente na Constituição Federal. Daí decorre o princípio da humanidade da pena, estabelecido pelo artigo 5º da Constituição Federal, incisos III, XLVII, XLVIII, XLIX e L. O processo penal e de execução penal é integralmente jurisdicionalizado, extraído dos princípios constitucionais da legalidade (artigo 5º, XXXIX, CF), individualização da pena (artigo 5º, XLVI, CF) e acesso à jurisdição (artigo 5º, XXXV, da CF). O princípio da reserva legal diz respeito não apenas à atividade de aplicação da lei na exata medida do fato praticado, definido como crime, mas à “legalidade da inteira repressão”, conforme adverte Alberto Silva Franco ao afirmar que implica o “reconhecimento de que o preso não pode ser manipulado pela administração prisional como se fosse um objeto; de que, não obstante a perda de sua liberdade, é ainda sujeito de direitos, mantendo, por isso, com a administração penitenciária, relações jurídicas das quais emergem direitos e deveres, e que a jurisdição deve fazer-se não apenas nos incidentes próprios da fase executória da pena, como também, nos conflitos que possam eventualmente resultar da relação tensional preso-administração”. Em decorrência do princípio da individualização, considerando o sistema progressivo consagrado pelo sistema de 1984, a execução da pena pressupõe atuação jurisdicional dinâmica com a necessária participação do Ministério Público e da Defesa. A necessidade e suficiência da sanção constituem premissas que devem permear todo o processo de execução. O princípio do acesso à jurisdição não permite que seja afastado do julgamento do Judiciário, por qualquer meio, inclusive por meio de lei, a apreciação de qualquer lesão ou ameaça de direito. Esta apreciação deverá ser realizada segundo as premissas constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. A histórica conquista da jurisdicionalização do processo de execução da pena é produto do entendimento de que o processo é instrumento de realização de justiça. Há uma demanda por efetividade da ordem constitucional e proteção concreta aos direitos fundamentais, para que deixem de ser meros ornamentos de uma ordem apenas formalmente democrática e adquiram uma dimensão efetiva. Há uma malha de ilegalidades imperando na execução penal. Há total ausência de políticas públicas, que constituem obrigação do Poder Executivo. No cotidiano a Administração viola fundamentos constitucionais, notadamente a dignidade humana. As demais instituições envolvidas — Conselhos, Ministério Publico e Poder Judiciário —atuam formal e burocraticamente em processos, o que é evidente pelos pouquíssimos processos de interdição de estabelecimentos, existindo inúmeros funcionando em condições inadequadas e com infringência a dispositivos da lei de execução penal. Porém, a malha da ilegalidade real somente reforça a necessidade, cada vez maior, da intensificação da jurisdicionalização. Não será esta a primeira vez que se tenta retirar direitos consagrados na Constituição suprimindo, justamente, direito de excluídos. A consciência democrática do país repudia a proposta de desjurisdicionalização. Não haveremos de viver tão absurdo retrocesso histórico. Da efetividade dos direitos depende a conquista da democracia real. A legalidade no encarceramento e a garantia da jurisdicionalização no dia-a-dia da execução penal são indissociáveis da democracia.

Parecer Movimento Anti-terror

Parecer sobre proposta de projeto para “administracionalizar os benefícios da execução penal” Sumário 1. Introdução: o Movimento Antiterror e a resistência à legislação de pânico; 2. A proposta de Projeto de Lei para “administracionalizar os benefícios da execução penal”: texto aprovado pelo Conselho Nacional de Secretários de Estado da Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária – CONSEJ; 3. As razões da proposta do Projeto de Lei: supostas vantagens em sede de execução; 4. O Projeto e a Lei de Execução Penal – Lei n° 7.210/84: incompatibilidade com o sistema; 5. O Projeto de Lei e a Constituição da República de 1988 - inconstitucionalidade; 6. Considerações finais. 1. Introdução: o Movimento Antiterror e a resistência à legislação de pânico O Movimento Antiterror é formado por um grupo de operadores do Direito que atuam na área das Ciências Criminais e afins, todos comprometidos com a intransigente defesa do Estado Democrático de Direito e os princípios fundamentais da República, consagrados constitucionalmente, como o da cidadania e o da dignidade da pessoa humana. Sublinhe-se que a reação inicial do Movimento Antiterror surgiu com o Projeto de Lei nº 5.073/01 e o seu Substitutivo que, alterando a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), instituiu o Regime Disciplinar Diferenciado, com o nefasto isolamento celular de até 720 dias e maculou, destarte, princípios básicos do texto constitucional, verdadeiro Regime Da Desesperança, na feliz expressão cunhada pelo Prof. RENÉ ARIEL DOTTI. Agora, uma nova legislação de ocasião ameaça surgir, isto porque o Conselho Nacional de Secretários de Estado da Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária aprovou proposta de Projeto de Lei que visa “administracionalizar os benefícios da execução penal”. Cabe sublinhar que a denúncia foi trazida à baila pelo Prof. RENÉ ARIEL DOTTI, na cidade de Porto Alegre, em outubro de 2005, por oportunidade da realização do IV Congresso Transdisciplinar de Estudos Criminais do ITEC/RS, evento em homenagem ao Prof. Cezar Roberto Bitencourt. Durante o congresso, os palestrantes que tiveram ciência da iniciativa de alteração da Lei de Execução Penal aprovaram, à unanimidade, nota de contrariedade ao intento. Posteriormente, a nota de repúdio foi publicada no Boletim n° 156 do IBCCRIM, em novembro de 2005. A partir disso, o Movimento Antiterror iniciou ampla discussão sobre o tema, sendo deliberado que uma comissão redigiria o presente parecer, a fim de executar-se um trabalho coletivo. Desta forma, o Movimento Antiterror, com o apoio e a contribuição de todas as entidades que subscrevem este documento, é instado, em nome do Estado Democrático de Direito e da Constituição da República, a se manifestar sobre a proposta de Projeto de Lei que visa “administracionalizar os benefícios da execução penal”. 2. A proposta de projeto de lei para “administracionalizar os benefícios da execução penal”: texto aprovado pelo Conselho Nacional de Secretários de Estado da Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária - CONSEJ Em 10 de novembro de 2005, o Conselho Nacional de Secretários de Estado da Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária (CONSEJ) aprovou, por maioria de votos, a proposta do Secretário de Estado da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, Dr. NAGASHI FURUKAWA, também Presidente do CONSEJ, respeitante à “administracionalização de alguns direitos das pessoas presas, ocorrentes no cumprimento da pena privativa de liberdade.” A idéia veio justificada pelo fato de que “a política penitenciária busca continuamente, em virtude do superpovoamento prisional, novos modelos de gestão eficiente na administração dos estabelecimentos penais.” A introdução-justificativa do aludido projeto cita como “exemplo bem sucedido” a “parceria com sociedades civis, sem fins lucrativos, para gerência comum de presídios”. Seguindo a linha do “princípio da eficiência nos negócios públicos”, a sugestão legislativa refere, como exemplo, que “o Poder Judiciário paulista atribuiu à Secretaria da Administração Penitenciária, mercê de pareceres do Tribunal de Justiça, a competência para disciplinar a movimentação dos presos entre as várias unidades do sistema, bem como para traçar normas sobre as visitas às pessoas presas ou internadas.” Assim, a justificativa estabelece que “tanto aquela parceria como tais competências não se afastam, contudo, do controle jurisdicional, sempre atento para conhecer e apreciar qualquer lesão a direito individual ou coletivo.” A partir do caótico cenário da execução penal no país, a proposta de projeto foi alicerçada no argumento de que “com a pletora de feitos a atravancar os cartórios dos Juízos”, o que se busca é “a administracionalização dos benefícios requeridos pelos interessados no curso do cumprimento das penas impostas, sem que haja nenhuma afronta ao princípio da jurisdicionalização...” Então, diante desse dado objetivo - o invencível número de feitos penais -, quando o Juiz da Execução Penal não decidir sobre as hipóteses de progressão e regressão de regime, livramento condicional, indulto e comutação de penas, remoção interestadual decidirá a Administração Pública. Ou seja, o raciocínio é simples, diante da notória omissão do Judiciário, é melhor delegar o poder de decidir para o Executivo, sob pena de restarem relegados os direitos dos presos. Com o argumento que é servido com roupagem “garantista”, a proposta registra que “a administracionalização dos benefícios insere-se de forma congruente no resgate do valor do que faz (e não do que sente, pensa ou pretende) o preso durante a execução de sua pena.” “O administrador, observando a conduta externa de seus administrados na unidade prisional, mediante critérios preestabelecidos e conhecidos de todos, está plenamente apto, se for o caso, a aboná-la e deferir o requerimento de progressão de regime, livramento condicional, indulto ou comutação de pena.” Ainda de acordo com a introdução-justificativa, a adoção de tal medida não exclui os controles ministerial e judicial. Isto porque, segundo ela, “à semelhança do modelo anglo-saxônico, o administrador sempre prestará contas ao Juízo executório, que poderá rever a qualquer tempo, provocado pelo fiscal da lei ou pela parte prejudicada, os atos concernentes àqueles benefícios, e promover a responsabilização do funcionário público faltoso, em hipótese de ocorrência de quaisquer irregularidades nos procedimentos formulados e resolvidos nos estabelecimentos penais.” Seguindo esta tortuosa linha argumentativa, a proposta enfatiza que “a Administração Pública contemporânea imita o Poder Judiciário”, no que tange à legalidade, ampla defesa e motivação de seus atos, tentado fazer crer que não haverá qualquer prejuízo ao cidadão apenado ou ao sistema penal. Por fim, no que se circunscreve à Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210/84), a proposta em testilha acrescenta dois parágrafos ao artigo 73 da SEÇÃO II, Do Departamento Penitenciário Local. Eis a redação sugerida: Art. 73. A legislação local poderá criar Departamento Penitenciário ou órgão similar, com as atribuições que estabelecer. § 1º Se o juiz da execução exceder o prazo de trinta dias, sem proferir sentença, os pedidos previstos nos artigos 66, inciso III, letras b e e, inciso V, letra h, e 193 desta Lei serão decididos pela autoridade administrativa, com posterior revisão judicial e ouvidas as partes. § 2º Caberá às autoridades administrativas das unidades federativas decidir e promover, de comum acordo, a remoção do preso condenado ou provisório, sem prejuízo da indicação do estabelecimento prisional adequado para abrigá-lo, a cargo do juiz competente receptor, na hipótese de remoção interestadual (artigo 86, § 3º, desta Lei). 3. As razões da proposta do Projeto de Lei: supostas vantagens em sede de execução A proposta de Projeto de Lei aprovado pelo Conselho Nacional de Secretários de Estado da Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária estabelece um rol com seis razões que estão a justificar, como pensam alguns de seus membros, a adoção da “administracionalização dos benefícios” (em verdade, são direitos dos apenados, os quais, não devem ser confundidos com benefícios, como todos sabem de há muito). Segundo exposto no arrazoado de introdução disegno di legge , estas são as (supostas) vantagens em sede de execução penal: (a) Geração de vagas e rotatividade carcerária planejadas, uma vez que com “a administracionalização propugnada, os benefícios serão deferidos no tempo certo, imediatamente após (ou no mesmo dia) o cumprimento das condições objetivas para pleiteá-los”. Assim, ocorreria “a rotatividade prisional” que “poderá ser corretamente equacionada”, sendo “as progressões de regime, aliadas às solturas motivadas pela concessão de livramentos condicionais, determinarão o aumento do dinamismo interno do sistema.” (b) Individualização da pena e reincorporação do autor à comunidade, pois a administracionalização dos benefícios propiciará “um espaço mínimo à personalização da pena”, “para individualizar sua permanência na penitenciária e propor-lhe um projeto de reintegração social.” (c) Diminuição da tensão carcerária, “pois, garantidas a certeza da pena e suas alterações no espaço e no tempo, constrói-se no espírito do recluso a viabilidade de um projeto existencial compatível com seus anseios e as regras disciplinares”. Desta forma a medida trará “uma tensão carcerária suportável”, com “controle dos atos de insurreição, produzidos na maioria das vezes pela falta de informes sobre os requerimentos dos sublevados e a prorrogação injustificada das respectivas decisões.” (d) Construção de uma execução penal garantista, pois a nova redação do art. 112 da LEP “expungiu do procedimento de benefícios os erros trazidos pela valorização, na maioria dos casos depreciativa, da personalidade do preso.” Segundo as razões do Projeto, “revogado o parágrafo único do art. 112 em pauta, as garantias do sentenciado foram postas a salvo” e, assim, “de agora em diante, a par da fração de tempo requerida para a concessão do benefício, mede-se tão-somente a conduta ostensiva do preso, tomando-a por boa se suas ações, aferidas no cotidiano penitenciário, estiverem de acordo com os regulamentos da unidade prisional.” (e) Atividades do juiz de execução e do promotor de Justiça não serão excluídas, isto porque “à semelhança do modelo anglo-saxônico, o administrador sempre prestará contas ao Juízo executório, que poderá rever a qualquer tempo, provocado pelo fiscal da lei ou pela parte prejudicada, os atos concernentes àqueles benefícios, e promover a responsabilização do funcionário público faltoso, em hipótese de ocorrência de quaisquer irregularidades nos procedimentos formulados e resolvidos nos estabelecimentos penais.” Outro ganho, segundo o projeto é que “desembaraçados de uma quantidade excessiva de processos, magistrado e promotor desempenharão as suas competências e atribuições de modo exemplar, máxime no tocante às inspeções e visitas periódicas às prisões.” (f) Manutenção da legalidade na execução penal, uma vez que “a Administração Pública contemporânea imita o Poder Judiciário e segue-lhe as pegadas a propósito das decisões sobre os administrados”. Em síntese, segundo as razões do projeto, a legalidade estará assegurada, pois os processos administrativos estão amparados pelos princípios da ampla defesa e motivação das decisões. 4. A proposta de Projeto de Lei e a Lei de Execução Penal – Lei n° 7.210/84: incompatibilidade com o sistema Indiscutivelmente, a Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210/84) foi um grito de alforria para os presos brasileiros, na medida em que foi o marco final de um período de tratamento da execução penal com índole predominantemente administrativa. A partir do humanismo reformador imposto pela Comissão Redatora do Anteprojeto que deu origem à Lei de Execução Penal, o apenado, ao menos no plano normativo, deixou de ser tratado como mero objeto da Administração Pública, para ser sujeito de direitos em sede de execução penal. Com a edição da Lei de Execução Penal, o processo executório passou a estar amparado no princípio da legalidade e na tutela jurisdicional de forma continuada. Nesse sentido, se lançarmos um olhar retrospectivo pela história recente do país, especialmente a partir do excesso de leis penais da década de noventa publicadas, muitas delas redigidas sem qualquer técnica legislativa, descortinar-se-á, indiscutivelmente, quer sob o ponto de vista doutrinário ou quer a vertente político-criminal, que a Lei n° 7.210/84 é um dos poucos respiradouros dos princípios humanistas no atual sistema punitivo. A verdade é que a Lei de Execução Penal trouxe um novo sistema de execução de penas, reorganizado sistematicamente a partir (e principalmente) da tutela jurisdicional. O juiz, enquanto executor da decisão condenatória, tornou-se o garante da legalidade, não podendo ser eliminado em hipótese alguma, sob pena de supressão da jurisdição. Em resumo: o juiz funciona como base fundamental do sistema processual de garantias em sede de execução penal. Não restam dúvidas, de que a Comissão Redatora do Anteprojeto de Lei que deu origem à Lei de Execução Penal trabalhou com independência e visou restringir a atividade da Administração Pública, proporcionando ao apenado a apreciação de seus direitos pelo juiz. Normatizada, pois, a “jurisdicionalização” da execução da pena. Esta verdadeira evolução da retrógrada administracionalização para a jurisdicionalização constou em diversos itens da Exposição de Motivos da Lei de Execução do Penal, fundamentalmente quando os redatores afirmaram que “vencida a crença histórica de que o direito regulador da execução é de índole predominantemente administrativa, deve-se reconhecer, em nome de sua própria autonomia, a impossibilidade de sua inteira submissão aos domínios do Direito Penal e do Direito Processual Penal.” Ou ainda, quando referiram que “o projeto reconhece o caráter material de muitas de suas normas. Não sendo, porém, regulamento penitenciário ou estatuto do presidiário, avoca todo o complexo de princípios e regras que delimitam e jurisdicionalizam a execução das medidas de reação criminal. A execução das penas e das medidas de segurança deixa de ser um Livro do Código de Processo para ingressar nos costumes jurídicos do País com a autonomia inerente à dignidade de um novo ramo jurídico: o Direito de Execução Criminal.” O fenômeno administracionalização-jurisdicionalização foi identificado pela doutrina, a qual, de forma uníssona, aplaudiu o avanço histórico, bem como suas conseqüências garantistas em pleno regime autoritário. Nessa linha, destacou-se o trabalho fundamental dos Professores MIGUEL REALE JÚNIOR, RENÉ ARIEL DOTTI, RICARDO ANTUNES ANDREUCCI e SÉRGIO MARCOS DE MORAES PITOMBO que, desde 1985, vem orientando a dogmática pós-Lei de Execução Penal. Mais recentemente, em sua tese, o Professor SALO DE CARVALHO reconstrói o processo de evolução e identifica que a doutrina bem acentuou que o apenado deixou de ser objeto para ser titular de posições jurídicas de vantagem, fundamentalmente como sujeito de relação processual. A partir da Lei de Execução Penal, a jurisdicionalização passou a funcionar como eixo fundamental do sistema de garantias e restrições de direitos. Neste passo, como assinala MIGUEL REALE JÚNIOR, “a legislação ordinária antecipou-se à Constituição de 1988, que deu status constitucional às diretrizes já constantes da Parte Geral e da Lei de Execuções Penais de 1984.” Como é cediço, a partir da Constituição da República de 1988, a tutela jurisdicional em sede de execução penal recebeu redobrada importância, pois elevada ao patamar de garantia constitucional do cidadão. Basta lembrar, para tanto, que a exigência de apreciação judicial dos incidentes da execução penal é um importante fator de imparcialidade da decisão, na medida em que confere um distanciamento necessário entre o juiz e o interessado-apenado. A experiência na execução penal, aliás, indica que os direitos do preso são normalmente lesados naqueles poucos incidentes que, ainda hoje, são ditados administrativamente (pense-se, por exemplo, nos abusos que freqüentemente ocorrem nos casos de aplicação de sanções nos procedimentos disciplinares). Destarte, a pretensão de administrativizar-se a execução penal acaba por viciar todo o sistema no seu eixo fundamental, justamente na sua maior conquista, consubstanciada no princípio da jurisdição, corroendo a essência garantista da execução da pena e causando intolerável retrocesso institucional e humano. Isto porque, principalmente depois da vitória de 1984, foram abandonados os projetos orientados pela “ajurisdicionalidade” da execução penal, justamente porque neles é eliminada a importante conquista do apenado, a execução penal enquanto espaço de jurisdição. Doutra banda, também cabe destacar que, dez anos após a publicação da Lei n° 7.210/84, o Ministério da Justiça reafirmou, em 1994, o processo de jurisdicionalização quando da implementação das “Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil”. Disso tudo resulta, por óbvio, que a proposta de projeto de lei aprovado pelo CONSEJ está visivelmente na contramão da história do Direito Penitenciário. Inegável que os pretendidos “acréscimos” ao art. 73 da Lei de Execução Penal são, de fato, “circunstanciais”, pois atinentes aos casos de morosidade judicial. O texto disciplina que somente nos casos em que o julgamento dos processos nas Varas de Execuções Penais for retardado por mais de trinta dias a apreciação dos expedientes de benefícios regularmente instruídos restariam ao encargo da Administração. Todavia, não se deve dar guarida a tal aberração, nem pela via da exceção. Sintomático é que o mecanismo impõe temor aos juízes, pois endereça uma ameaça à judicatura. Ou, como muito bem cunhou o Professor NILO BATISTA, a surda por decurso de prazo! Em síntese, a proposta de projeto prevê que não sendo apreciado o pedido no lapso temporal, a Administração decidirá pelo juízo. Um tribunal de ocasião forjado por uma de atividade administrativa superveniente à condenação judicial. Não é crível que se pretenda estabelecer uma espécie de término da atividade do Estado-Jurisdição se o juiz não atuar no prazo de trinta dias. Não se pode olvidar que o apenado ainda está a cumprir pena sob a tutela judicial, não sendo delegável a tarefa de decidir sobre os seus direitos – mesmo que chamados de “benefícios” na proposta de projeto. Vê-se, claramente, que o processo de jurisdicionalização inserto na Lei de Execução Penal objetiva tornar eficaz o princípio da legalidade, assegurando os direitos dos apenados a partir da tutela jurisdicional. Por isso, constou no art. 1º do texto legal o conteúdo jurídico da execução penal e no art. 2o , que a jurisdição penal dos juízes ou Tribunais de Justiça originária será exercida, no processo de execução, na conformidade com a Lei e com o Código de Processo Penal. Além disso, o art. 66 estabeleceu expressamente a competência do juiz de execução penal, inclusive para decidir sobre os direitos do preso e, ainda, o art. 194 acabou por fixar o procedimento judicializado, restando, pois, as decisões sujeitas ao direito de recurso previsto no art. 197. É nítida, por conseguinte, a incompatibilidade da proposta do Projeto de Lei com a essência da Lei de Execução Penal. O projeto é fundado em uma patologia: invencível número de feitos penais. No entanto, a saída é escapista, por não atingir o núcleo do problema. O pseudo argumento garantista serve, na verdade, para inverter ideologicamente o discurso sobre os direitos humanos em sede de execução penal – pretendendo assegurar benefícios, exclui-se a jurisdição. Além de clara violação sob a ótica legal - mácula ao princípio da jurisdição -, a medida trará nefastas conseqüências para o sistema penitenciário que, desde já, podem ser diagnosticadas, ao menos, empiricamente. Em primeiro, ao contrário de terminar com a tensão carcerária, a pretendida alteração legislativa sugerida no Projeto NAGASHI poderá produzir pânico no já sofrido ambiente carcerário. Haverá disputa entre os presos (e entre os seus advogados também) para que os pedidos sejam apreciados pelo juiz e não pelo carcereiro “de ocasião”, representante da Administração “do momento”. O projeto estabelece prazo ao juiz, mas não o fixa para o administrador. Mais, a ordem de apreciação dos pedidos será estabelecida pelo administrador do estabelecimento penitenciário, ampliando seu poder sobre a massa carcerária, podendo atingir, inclusive, os direitos conquistados pelo apenado. Outro aspecto que tende a aumentar a tensão carcerária é o fato de o administrador do estabelecimento decidir sobre a remoção do interno, estando a possibilidade de dificultar ao apenado o convívio familiar ao alvedrio da administração. Em segundo, haverá discrepância de critérios, violação à isonomia, pois previsível que o tratamento do juízo não será o da administração, seja pela formação diferenciada do juiz e do administrador, seja pela pretendida neutralidade/imparcialidade do juiz, que possui enorme responsabilidade política e social nas democracias modernas e que está bem distante do jogo político da administração pública que, mais das vezes, é alterada por posições ideológicas que dão suporte aos partidos e aos governos. A própria nominação dos direitos públicos subjetivos como "benefícios" na proposta legislativa, é reflexo de ver-se o apenado como objeto e não como sujeito, ou seja: pura lógica inquisitorial administrativa. Em terceiro, a administracionalização afasta o juízo do debate sobre os benefícios (que, como se disse, são direitos), sendo previsível o aumento da rede de corrupção das casas prisionais diante da proximidade do administrador-decisor com o administrado-interessado. Após o exame das questões que envolvem a proposta de projeto, pode-se atestar que se trata de um projeto que esconde a motivação real: aumento de poder nas relações intra-muros. O administrador deterá poder absoluto sobre a vida do encarcerado, aumentando a facilidade de corrupção estatal/institucional já patológica nos presídios. Na realidade o projeto prevê a criação de um novo sistema que estará a conviver com o sistema judicial. Dois sistemas diferentes: judicial e administrativo. Entretanto, existe um único possível. O sistema é, de fato, o rígido sistema de garantias da Lei de Execução Penal que foi, inclusive, constitucionalizado no que tange ao princípio da jurisdição e tantos outros dogmas. Este sistema de execução penal garantista advém da existência de uma relação biunívoca entre garantias substanciais e instrumentais, assim como proposta, por exemplo, por LUIGI FERRAJOLI a fim de estruturar um modelo ‘utilitarista reformado’ embasado na máxima felicidade possível para a maioria não desviante e no mínimo sofrimento necessário para a minoria desviante. Então, no modelo de democracia constitucional exsurge o garantismo penal, como o sistema jurídico possível, escorado em duas órbitas de sólidos princípios constitucionais substanciais (penais) e instrumentais (processuais). As garantias são imprescindíveis tanto no plano estrutural como no plano funcional, na medida em que as garantias substanciais só serão efetivas quando objeto de uma instrumentalidade em que sejam asseguradas a imparcialidade, a veracidade e o controle. Segundo FERRAJOLI “la correlación biunívoca entre garantías penales y procesales es el reflejo del nexo específico entre ley y juicio en matéria penal.” Vê-se, por todo o exposto, que é insuportável a idéia de criação de um sistema administrativo-paralelo por meio de alteração da própria Lei de Execuções Penais. Como é sabido, não se pode resolver problemas administrativos por via da lei penal ou de execução penal, como sucedeu com a Lei n° 9.714/98 – que aniquilou o sistema de penas construído na reforma penal de 1984. Por outro lado, cabe lembrar que a lei dos crimes hediondos (Lei n° 8.072/90), bem como a lei que aumenta as penas para os delitos de falsificação de medicamentos, surgiram (casuisticamente) em ano eleitoral, como forma de produzir ilusão de segurança, por meio de maior repressão penal. Por isso é que desde esta perspectiva, há de se criticar a proposta de projeto aprovada pelo CONSEJ, por sua total incompatibilidade com o sistema atual, fazendo coro com o jurista GUSTAVO ZAGREBELSKY quando afirma que “el legislador debe resignarse a ver sus leyes tratadas como ‘partes’ del derecho, y no como ‘todo el derecho” . 5. A proposta de Projeto de Lei e a Constituição da República de 1988 - inconstitucionalidade Além da proposta ser flagrantemente incompatível com o sistema judicializado estruturado pela Lei n° 7.210/84, nela identifica-se visível eiva de inconstitucionalidade. Ao mesmo tempo em que a proposta de projeto de lei inclui um corpo estranho no atual sistema de execução penal e estabelece uma forma de delegação da jurisdição (se o juiz não apreciar o pedido no lapso de trinta dias), está negando o princípio da jurisdição, marco de todos os regimes democráticos. Esta espécie de denegação da jurisdição, em realidade é negação, pois revela negar ao preso o acesso à Justiça. Como referido anteriormente, a Lei de Execução Penal é caracterizada essencialmente por sua jurisdicionalidade no tratamento das questões executórias, sendo esta, pós-Constituição da República de 1988, garantia constitucional inafastável. A Constituição da República disciplinou os postulados que regem a liberdade individual em sede de execução penal, como também acolheu os preceitos básicos incluídos na Lei de Execução Penal , conduzindo a política penitenciária sob a égide de princípios pautados pelo respeito aos direitos do indivíduo sob a custódia do Estado. Atualmente, a principiologia constitucional é base para o sistema de execução penal, servindo de diretriz aos aplicadores da lei, os juízes (e somente estes, por imposição constitucional). O Estado-Juiz deve, então, zelar pelos direitos e garantias constitucionais – também e principalmente – na esfera da execução penal, mormente quando se sabe que é nesta fase que ocorre a maior intervenção na liberdade do indivíduo. Adequada e justa a concepção adotada por J.J. GOMES CANOTILHO quando leciona que o princípio básico do Estado de direito é o da eliminação do arbítrio no exercício dos poderes públicos com a consequente garantia de direitos dos indivíduos perante esses poderes. Como afirmam CANOTILHO e VITAL MOREIRA, hoje está “definitivamente superada a idéia da Constituição como um simples concentrado de princípios políticos, cuja eficácia era a de simples directivas que o legislador ia concretizando de forma mais ou menos discricionária.” É inquestionável, segundo os autores, a jurisdicidade, vinculatividade e atualidade das normas constitucionais. “A constituição é, pois, um complexo normativo ao qual deve ser assinalada a função da verdadeira lei superior do Estado, que todos os seus órgão vincula.” Por isso, a proposta de projeto de lei não segue o referencial constitucional, mormente no que tange aos princípios relativos à Jurisdição, fundamentalmente, princípio do juiz natural, princípio da imparcialidade do juiz e princípio da indeclinabilidade. Afinal, o texto constitucional prevê expressamente que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV, da CF) e que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art. 5º, LIII, da CF). Nesse ponto, o desconhecimento da principiologia fundamental do processo penal – que foi tão bem exposta na doutrina nacional por autores como Paulo Cláudio Tovo e Jacinto Nelson de Miranda Coutinho – é visível no disegno di legge. Além disso, a tarefa de interpretação da norma ao fato penal concreto é atividade eminentemente judicial. No sistema de garantias não há espaço – como quer o projeto em exame - para qualquer ato administrativo que possa (tentar) romper com o atual sistema de direitos humanos constitucionalizados, logo, direitos fundamentais. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que o projeto de lei que delega jurisdição visando “administracionalizar os benefícios da execução penal” é inconstitucional pois viola o princípio da jurisdição e, por reflexo, o próprio princípio da legalidade penal e sua garantia processual, que Nicolaz Gonzales-Cuellar Serrano, monografista no tema, adverte que gera, também, uma garantia jurisdicional executória (princípio de garantia processual na fase da execução da pena, nulla poena sine executione). O Brasil, país em que o Estado social ainda não despertou, experimenta longa simulação de modernidade que, ao mesmo tempo em que não permite que se chegue ao pleno caos, enseja escândalos que fazem retroceder a história da humanidade no seu próprio curso (leia-se, por tudo, o repugnante RDD!). A execução penal no Brasil vive, talvez, um dos momentos mais dramáticos da história e uma destas hipóteses de manifestação de abuso de poder e de retrocesso é a proposta que impõe a administracionalização da execução da pena. Não se deve admitir tamanho retrocesso, pois constitui função institucional do Juízo da Execução o zelo pela efetivação da Lei de Execução Penal e da Constituição da República sempre em defesa do cidadão preso. 6. Considerações finais Em sua edição de novembro de 2005, o editorial do Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais aborda com sensibilidade e competência o assunto dos “novos ataques à execução penal”. O editorial observa que a partir da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), o regime do direito brasileiro de execução penal foi construído com base em três pilares fundamentais: 1º) Progressividade; 2º) Individualização; 3º) Jurisdicionalização. Após analisar as vantagens da “progressividade na arquitetura original” da lei de execução penal, o texto indica os movimentos de regresso do sistema a partir dos anos 90. Quanto à idéia da individualização – que deve existir nos três momentos do dinamismo penal, isto é, cominação, aplicação e execução da pena – o editorial o concebe como “um procedimento permanente de ajuste entre a pena e o condenado, tendo por método a classificação e por instrumento as comissões técnicas de interdisciplinares. Atuavam essas comissões, segundo a arquitetura original da lei, seja pela classificação inicial (com os exames criminológico e de personalidade), seja pelos pareceres intercorrentes que instruíam decisões judiciais e administrativas capitais para o curso do processo. A partir da individualização, deixava a pena de ser um dado estanque ao longo da execução, reclamando-se, ao contrário, que ela se executasse de forma dinâmica, promovendo-se e aquilatando-se, desse modo, a capacidade e a disposição do condenado para interagir com a sociedade”. E a propósito do terceiro e último pilar da LEP, o editorial salienta que a jurisdicionalização da execução penal não indica, simplesmente, a presidência da execução por um juiz de Direito. “Quando nos definimos pela jurisdicionalização, adotamos a fórmula do processo judicial, com todos os rigores, ônus e garantias que ela comporta. A jurisdicionalização implica a existência indispensável também do Ministério Público e do defensor na execução penal, com a interlocução de todos eles segundo postulados garantistas mínimos como o da ampla defesa e do contraditório. Ainda mais que isso, ela assegura o princípio publicístico para o mundo da execução penal, estatuindo que a execução da pena não se decide intramuros, nas rotinas burocráticas da Administração Pública, mas na transparência e na regularidade que somente o processo judicial pode assegurar e cumprir. Pensar em legalidade da execução penal à revelia da jurisdicionalização, portanto, seria verdadeiramente pretender o irrealizável, pois é óbvio que a Administração Prisional, com seus compromissos políticos imediatistas e não raramente eleitorais, jamais teria como estar adstrita a um tal programa. Nesse sentido,abrir mão da jurisdicionalização – isto é, abrir mão da definição da execução penal a partir do processo judicial e tudo o que ele implica – significa, em última análise, desistir derradeiramente da própria idéia de legalidade, fazendo a condição jurídica do condenado retornar a um estado grotesco de especial sujeição de poder do administrador, a quem se elegerá, nesse passe mágico, à condição de um soberano absoluto da sorte e do destino do outro”. A Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, consagrou o regime disciplinar diferenciado. Alterando a Lei de Execução Penal, o novo diploma prevê o recolhimento a cela individual pelo prazo de 1 (um) ano, sem prejuízo de nova imposição “até o limite de um sexto da pena aplicada” (art. 52, I e II). O RDD nada mais é que um eufemismo usado para restaurar o malsinado isolamento celular contínuo, previsto pelo art. 30 do Código Penal em sua redação original. Com uma circunstância qualificada pelo arbítrio: enquanto no modelo do Código de 40, o isolamento não poderia exceder 90 dias, o novo regime tem os limites mínimo e o máximo típicos de uma programa institucional de tortura: 360 dias até 1/6 do total da pena! Para ilustrar a marginalização da sucursal do inferno, representada pelo Regime da Desesperança (RDD) introduzido ao arrepio das conquistas da Constituição de 1988 e da Lei de Execução Penal que a antecedeu, nada melhor que o depoimento pessoal de FÉDOR DOSTOIEWSKI (1821-1881). Relatando as suas memórias do cárcere, na intensidade dos maiores sofrimentos, o imortal escritor russo disse que “o famoso sistema celular só atinge, estou disto convencido, um fim enganador, aparente. Suga a seiva vital do indivíduo, enfraquece-lhe a alma, amesquinha-o, aterroriza-o, e, no fim, apresenta-no-lo como modelo de correção, de arrependimento, uma múmia moralmente dissecada e semi-louca” (Recordações da casa dos mortos). Foi também em São Paulo (de onde surge o Projeto NAGASHI) que se realizou, em fevereiro de 1975, o V Congresso Nacional de Direito Penal e Ciências Afins, nos salões e espaços históricos das Arcadas. Os profissionais e estudiosos discutiram as propostas legislativas de reforma do sistema criminal, incluindo o Código Penal de 1969, revisto em 1973 e os anteprojetos do Código de Execuções Penais e de Processo Penal. O seu coordenador científico foi o mestre MANOEL PEDRO PIMENTEL, Catedrático de Direito Penal e escolhido Secretário de Estado da Justiça. A conclusão 15ª aprovada por aquele evento foi a seguinte: “A execução da pena deve ser feita sob um sistema interacionista, dinâmico e que garanta maiores poderes ao Juiz na individualização concreta da pena, com efetiva fiscalização jurisdicional e que proteja todos os direitos da pessoa humana não atingidos pela condenação”. (Grifos nossos). Aquela conclusão resultou da proposta do Professor RENÉ ARIEL DOTTI, autor da tese As novas dimensões na execução da pena. À reunião de Secretários de Justiça (CONSEJ) em novembro de 2005, que aprovou a proposta da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, compareceram 17 titulares. Votaram contra o Projeto NAGASHI: Acre, Amazonas, Bahia, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. Trata-se de um início de uma salutar reação para resguardar o princípio constitucional do acesso à jurisdição e seus consectários lógicos, entre eles, a preservação da dignidade humana elevada à categoria de fundamento da República e, em especial, o respeito à integridade física e moral do presidiário. Não será com a supressão de direitos e garantias que se conseguirá resolver o grave problema do sistema carcerário nacional e o congestionamento das varas de execução criminal ou daquelas que têm competência cumulativa. Essa ideologia da mutilação constitui uma grave tentativa no cenário e na história dos Direitos Humanos e gera o perigo de restrições de direitos civis e políticos declarados na Constituição e textos internacionais sempre que as estruturas administrativas de implementação revelarem as suas carências e impossibilidades. Mas o remédio para o conflito entre os direitos e a crise de administração jamais poderá ser a supressão daqueles e sim o fortalecimento das condições desta. Como é curial, a violação dos direitos e garantias da pessoa presa está, geralmente, na base de todas as rebeliões carcerárias. Daí porque, o controle jurisdicional da execução da pena deve ser contínuo e sem prejuízo das atividades administrativas. O Juiz, a Administração, o Ministério Público, a Defensoria e a Comunidade são as expressões de força e esperança para atenuar, enquanto não seja possível reverter, as imensas dificuldades do sistema penitenciário. Mas, invocando Sófocles quando aguardava a salvação dentro da tragédia, resta dizer: “Todos ao trabalho, porque a lição do humanismo primigênio é que entre tantas coisas maravilhosas, a grande maravilha é o homem, o grande o pequeno; o pequeno protegido pelo grande e o grande ajudado pelo pequeno. Eis aí um bom muro”. MAT Movimento Antirerror [Legal] ITEC/RS Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais Associação Juízes para Democracia ABPCP Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais IBCCRIM Instituto Brasileiro de Ciências Criminais AASP Associação dos Advogados de São Paulo AIDP – Grupo Brasileiro Associação Internacional de Direito Penal ICC Instituto Carioca de Criminologia IDDD Instituto de Defesa do Direito de Defesa Movimento da Magistratura Democrática Fluminense MMPD Movimento do Ministério Público Democrático ARP Associação pela Reforma Prisional Instituto Pro Bono

A ponta do Iceberg

Marcelo Semer Às vésperas da recente decisão do STF sobre a constitucionalidade da resolução antinepotismo do Conselho Nacional de Justiça, uma desembargadora do Estado de Alagoas se jactava do fato de ter dez parentes empregados em seu tribunal. Afinal de contas, não deviam ficar ao desabrigo, vivendo monasticamente em uma gruta, apenas por serem seus familiares. Após a decisão da Corte Suprema, a magistrada não se fez de rogada e respondeu que, então, substituiria os parentes por dez amigos. Essa é uma versão caricata, conquanto veraz, do patrimonialismo impregnado na administração pública. Um pouco dele se desnudou com a luta antinepotismo no Judiciário. A expressiva maioria dos juízes se mostrou contrária à contratação de parentes em cargos comissionados. A resistência, no entanto, foi significativa nas altas esferas. Presidentes e corregedores de tribunais perfilaram-se unidos bradando pela ilegalidade da ação do CNJ, enquanto desembargadores concederam liminares pelo país afora em causas de interesses de seus colegas próximos. Soube-se, assim, que o nepotismo era contexto no Judiciário, e não somente circunstância. Mas a ele se aferraram especialmente os donos do poder, a cujas famílias o emprego podia favorecer. A proliferação de cargos de livre provimento, que permitem a políticos, administradores e juízes nomearem seus parentes, amigos e apaniguados, é um retrato falado desse patrimonialismo. Os cargos são disputados e distribuídos por motivações das menos profissionais, e seus ocupantes são eternos devedores -quando não efetivamente contribuintes- daqueles que os indicam. Mantê-los em tal profusão significa institucionalizar o proveito privado do interesse público. A decisão do STF é histórica e deve impor o fim do nepotismo no Estado brasileiro, por prestigiar a supremacia dos princípios constitucionais. No caso, a impessoalidade e a moralidade administrativa, imperativos aos Poderes. Antes de meras normas programáticas ou letras mortas de pura poesia, os princípios estão no ápice da pirâmide normativa, no dizer de Fábio Konder Comparato. São eles que não podem ser contrariados pelas regras, e não o reverso. Mas o próprio STF se vê diante de uma decisão tão ou mais importante do que a que acabou de proferir sobre o nepotismo. Está na iminência de tornar as ações de improbidade imprestáveis contra prefeitos e outras autoridades. Essa ação tem sido o principal recurso jurídico para responsabilizar o mal governante, muitas vezes protegido pelas bancadas parlamentares, maiorias fiéis aos palácios de governo. Se o julgamento prosseguir como está, com seis ministros votando pela incompatibilidade da Lei de Improbidade com os agentes políticos, apenas funcionários de baixo escalão poderão suportar a apreciação judicial de suas condutas. Isso é menos do que a igualdade, pois é justamente nas esferas de comando que a malversação de bens, recursos e valores se apresenta mais nociva. A proteção do poder não surpreende, todavia, neste país acostumado ao "Você sabe com quem está falando?", típico das autoridades flagradas no ilícito. Há entre nós uma série de mecanismos legais segundo os quais o quociente da autoridade garante benefícios desproporcionalmente distribuídos. Mesmo sob o prisma do princípio da isonomia, que encima nossa pirâmide normativa, ainda vivemos uma síndrome dos desiguais. O foro privilegiado de autoridades é um exemplo, herança longínqua das Ordenações Filipinas, que vigeu aqui na época do Brasil colônia. Reproduzimos hoje, com pequenas variações, a regra antiga de que fidalgos de grandes Estados e poder somente seriam presos por mandados especiais do rei. Não há sentido, no entanto, em que uma pessoa acusada de homicídio possa ter alterado o foro de seu julgamento uma década após os fatos porque se elegeu deputado estadual, como aconteceu com o coronel Ubiratan. No novo órgão julgador, acabou beneficiado por uma interpretação benevolente e inusual da lei processual, que lhe valeu a isenção da responsabilidade por mais de uma centena de mortes. A igualdade e a condição republicana não nos permitem conviver com a imunidade processual dos parlamentares, que os coloca acima da mesma lei que alcança os cidadãos; admitir uma Justiça própria para os militares, se todos os demais respondem por seus atos na Justiça comum; preservar a prisão especial para universitários em uma sociedade que nega o acesso ao ensino superior à maior parte de seus filhos. O nepotismo é apenas a ponta do iceberg desta sociedade desigual, na qual autoridades buscam proteção, e os agentes públicos aprumam as suas próprias vantagens. São ministros que recebem como conselheiros de empresas, dirigentes de estatais que acumulam informações para o retorno à lucrativa iniciativa privada, parlamentares remunerados por vias transversas, com a multiplicação de verbas de gabinete que se autoconcedem, juízes que zelam pela legalidade da remuneração dos demais, mas ignoram o excesso de seus próprios limites. Marcelo Semer, 39, é juiz de direito em São Paulo e presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia. Artigo publicado no Jornal Folha de S. Paulo, no dia 07/03/06

Interdição parcial de Cadeia no Maranhão

ESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO VARA DE EXECUÇÕES CRIMINAIS PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE INTERDIÇÃO PARCIAL DE PRESÍDIO REQUERENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL PROMOTOR : DANILO JOSÉ DE CASTRO FERREIRA SECRETARIA JUDICIAL DA VEC DESPACHO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA Visto, etc. O Ministério Público Estadual requereu a presente INTERDIÇÃO PARCIAL DOS ESTABELECIMENTOS PENAIS INTEGRANTES DO SISTEMA PENITENCIÁRIO DE PEDRINHAS, alinhavando, em resumo, os seguintes argumentos: I. A POSTULAÇÃO MINISTERIAL 1) A Vigilância Sanitária do Estado do Maranhão produziu um relatório técnico sobre cada unidade do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, condenando as suas condições de salubridade, representadas por “celas superlotadas, fétidas, escuras, úmidas, sem colchões, água imprópria ao consumo humano”, no Pavilhão Especial, no Pavilhão de Idosos, no Pique (Pavilhão de Doentes Infectados), no Pavilhão Feminino, no Fundão, na Casa de Detenção e na Penitenciária São Luis, incidindo sobre as mesmas situações peculiares, ou assemelhadas, mas tendo em comum as condições cruéis e degradantes para a dignidade da pessoa humana. 2) Por fim, relatando dados de 2004, o MPE pede a interdição parcial da Penitenciária de Pedrinhas, da Casa de Detenção, da Penitenciária São Luis, das Centrais de Presos de Justiça do Anil e de Pedrinhas, proibindo o ingresso de qualquer condenado a qualquer título naquelas unidades prisionais, salvo relevante interesse público, a critério da Vara de Execuções Criminais, e por solicitação da Secretaria de Justiça e Cidadania deste Estado, bem como a fixação de um cronograma para a viabilizar a redução do número de internos nas unidades até o limite máximo de capacidade de cada uma delas. 3) Acolho como parte integrante deste relatório o trecho da reclamação que menciona os dados dos relatórios técnicos, Unidade por Unidade, porquanto exaustivo e dispensável sua inclusão nesta peça. II. A SITUAÇÃO FÁTICA ADREDE AO PEDIDO DE INTERDIÇÃO PARCIAL 1. Breve histórico do complexo de Pedrinhas Inaugurado nos anos 60 como modelo de estabelecimento penal agrícola, o Complexo Penitenciário de Pedrinhas com o passar dos anos – força da passagem de sociedade rural para urbana – sofreu o reflexo da explosão demográfica nas periferias, onde estouram os índices de criminalidade, por falta de políticas públicas de redução da exclusão social. As suas condições transformaram-se. De presídio modelo passou a desumano depósito de pessoas que, em menor proporção, “se assemelham àquelas em que as vítimas do holocausto eram mantidas até serem atiradas nos fornos crematórios, durante a Segunda Guerra Mundial", no dizer de César Cury, juiz da 3ª Vara Criminal - Niterói – RJ, em situação análoga. 2. O Estado policial, da lei e da ordem. O brasileiro, sem chegar a sujeito de direito, continuou objeto de submissão aos interesses das elites dominantes, instrumento de manipulação, controle político e social, com suas reclamações tidas como “caso de polícia”. A situação miserável de populações rurais empurradas às periferias das metrópoles, também passou a ser encarada como “questão policial”, sempre que afloravam suas crescentes demandas. Os órgãos de segurança pública por séculos, e até hoje, são utilizados para o exercício desse controle social de massa, reprimindo, eliminando, segregando e penalizando os recalcitrantes. 3. O aumento da criminalidade e a superpopulação carcerária As pesquisas abundam provando que, nas sociedades capitalistas em desenvolvimento, o aumento da violência e da criminalidade vinculam-se às suas difíceis condições de existência, qualidade de vida, alta competição do mercado, ausência de políticas sociais públicas, como a educacional, um forte instrumento de ascensão social. No Brasil não há estatísticas sérias sobre homicídio até 1980. Os quadros abaixo mostram o êxodo rural, o crescimento da população prisional, e o aumento do número de homicídio por grupo de cem mil habitantes (dados do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça), assim: Ano Homicídio p/grupo 100mil h. 1980 11,4% 2000 26,7% Total Cidades População Homicídios(%) 27 75% 50% 5.480 25% 50% Ano Total Presos Preso/100mil/ha %Pop. 1992 114.377 74 0,07% 2002 290.000 164 0,17% Os dados do DEPEN revelam que, todo mês, o sistema gera um déficit de vagas da ordem de 3.494, consistente na diferença entre as entradas (9.391) e as liberações (5.897) de presos. Dos 308.304 presos, 68.101 são provisórios ou condenados em delegacias. A capacidade de vagas do sistema brasileiro é de cerca 160 mil vagas, inclusas as unidades sob a gestão da Secretaria de Segurança Pública dos estados. O inferno seria perfeito se cumpridos, no país, os mais de 400 mil mandados de prisões emitidos. 4. O Sistema Penitenciário no Brasil: Falta de recursos, caos e horror. Retirar os presos das delegacias, no Brasil, exige investir agora um bilhão e duzentos milhões reais, e mais de cinco bilhões de reais até 2007, para suprir o déficit crescente de vagas (Ministério da Justiça – 2004). O foco atual da questão não é só construir mais presídios, mas a urgência em manter fora das prisões vasto percentual de presos que não devia entrar e, outro tanto, que não sai devido a burocracia. Alguns, às vezes, “vão ficando” por “assumir” novos delitos nas prisões, ou é “assumido” no caos e sob o domínio de forças poderosas, entre agentes e criminosos, gerentes em muitos presídios. A síntese do sistema são cadeias e presídios abarrotados, pessoas amontoadas e vivendo de forma indigna, abjeta. 5. O Complexo Penitenciário de Pedrinhas: participação da comunidade, unidade dos órgãos e esperança de mudanças. Não cabe hoje achar culpados. O Complexo de Pedrinhas é uma herança de quase 30 anos. A ênfase, agora, é o salto positivo da criação da Secretaria de Justiça e Cidadania do Maranhão. A preocupação não é mais só com segurança e disciplina. A Secretaria diminuiu a corrupção do agente estatal e a tortura. Está separando presos por periculosidade e regime prisional. Ampliou a oferta de trabalho aos presos, com a malharia, a fábrica de bolas, os serviços gerais e a burocracia, além de convênios vários com o Ministério da Justiça, com o Banco da Amazônia na criação de galinha caipira e horta comunitária, e o projeto “Liberdade pelo Trabalho”. Há hoje uma harmonia entre os órgãos da execução penal e a vontade inexorável de abrir o sistema à participação da comunidade. Contudo, como se verá, estamos longe do bom. É preciso haver entre as Unidades troca de dados sobre cada preso, pois, às vezes, não há registro nenhum. É preciso o controle estatístico até de coisas elementares, como consumo de material de higiene e o da sua entrega ao preso; ou sobre assuntos importantes diretamente vinculados ao preso (benefícios, morte violenta e natural, fugas, atendimento médico-hospitalar, etc). É preciso registro de dados com objetivo de individualizar a pena e separar o preso por Unidade, bem como o controle de movimentação de presos entre as Unidades, ou controle de punição disciplinar ou estatística de existência da punição. Todavia, o ideal é se convergir as direções como está acontecendo. 6. Os principais entraves para a melhoria geral do sistema. Os avanços, todavia, serão sempre solapados pelo amontoado de presos em péssimas condições de existência. De nada vale assegurar trabalho, estudo e lazer, se a superlotação e a falta de agentes e técnicos prisionais impedem o mínimo de ações de laborterapia adequadas à ressocialização. As “portas largas” das cadeias públicas à entrada de novos presos são outro grave problema, inchando os cárceres, desviando recursos humanos, materiais, financeiros, e escasseando os espaços destinados a atender quem deve ser mantido preso. O terceiro grave estorvo é que tais “portas” retêm a saída de uma gama de gente nos cárceres, com benefícios e penas vencidos. O quarto grande entrave, são os elevados custos orçamentários para manter presos provisórios e definitivamente condenados, com benefícios vencidos ou penas extintas, que poderiam estar em liberdade mas permanecem presos a um custo de mais de mil reais mensais. IV. INTERDIÇÕES SE ESPALHAM E ABREM PRECEDENTES JUDICIAIS Com o agravamento da crise carcerária, nos últimos anos, a justiça tem feito interdições de ofício ou a pedido do MP para barrar o crescente estado de caos, imposto pela superlotação. Abaixo colaciono algumas ocorrências: Agência Folha - 18/11/2005 - 01h02 Justiça manda interditar penitenciária de Caxias do Sul A Justiça fez a interdição parcial da Penitenciária Industrial de Caxias do Sul (RS), que abriga 746 pessoas e tem capacidade para 298, proibindo o ingresso de novos presos condenados ou provisórios por 60 dias, por ordem da juíza Sonáli da Cruz Zluhan, de Caxias do Sul - RS. Publicidade da Folha Online - 18/09/2003 - 10h19 Justiça interdita carceragem superlotada de delegacia em Niterói O juiz César Cury, da 3ª Vara Criminal de Niterói, RJ, interditou a carceragem da 76ª delegacia. No local estavam mais de 500 presos em um espaço com capacidade para 150. O juiz proibiu o ingresso de novos presos e fixou o prazo de 180 dias para o governo transferir os presos. Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça de Santa Catarina Resenha Dia 19/05/2003 Juiz de Tubarão limita população carcerária O juiz corregedor Emanuel Schenkel do Amaral e Silva, fará nessa semana a interdição parcial do Presídio Regional de Tubarão que abriga mais de 120 detentos, mas com capacidade para 50 vagas. Duas barracas improvisadas de cabos de vassouras e cobertores estão no pátio de sol, amontoando uns 100 presos ao relento e sob chuvas. Notícias de: 02/12/2005 - Fonte: Dourados agora Juiz fecha a Máxima Harry Amorim Costa para novos presos PHAC foi interditada pela Justiça e não recebe novos presos Ginez Cesar O presídio de segurança máxima Harry Amorim Costa sofreu interdição parcial, por ordem do juiz de Execuções Penais de Dourados, Celso Schuchi. A medida visa atingir a capacidade que comporta o Complexo, ou seja, 538 presos. Tem, hoje, cerca 1.300 pessoas. O preso de Comarcas será aceito por permuta e em número igual de pessoas, proibindo, ainda, o ingresso de presos provisórios, hoje ¼ do total. Juiz manda interditar Cadeia Pública Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. document.getElementById('cloak6d5e2bd937030ef8337446b4ba02e4d8').innerHTML = ''; var prefix = 'ma' + 'il' + 'to'; var path = 'hr' + 'ef' + '='; var addy6d5e2bd937030ef8337446b4ba02e4d8 = 'tiana' + '@'; addy6d5e2bd937030ef8337446b4ba02e4d8 = addy6d5e2bd937030ef8337446b4ba02e4d8 + 'folhabv' + '.' + 'com' + '.' + 'br'; var addy_text6d5e2bd937030ef8337446b4ba02e4d8 = 'tiana' + '@' + 'folhabv' + '.' + 'com' + '.' + 'br';document.getElementById('cloak6d5e2bd937030ef8337446b4ba02e4d8').innerHTML += ''+addy_text6d5e2bd937030ef8337446b4ba02e4d8+''; O juiz da 3ª Vara Criminal, Euclides Calil Filho, a pedido do promotor de justiça, fez a interdição parcial da Cadeia Pública de Boa Vista. Fica vedado o ingresso de novos detentos. A sua capacidade é de 220 presos e hoje têm 394. Fica o DESIPE de encontrar alternativas para as custódias. “Vemos esta decisão como muito positiva e acreditamos que os problemas de superlotação possam ser resolvidos” comentou o promotor. O efeito dessa mudança de posição do ministério público e da justiça de primeiro grau, é que muitos casos têm ido aos tribunais estaduais, que constroem uma jurisprudência escorreita sobre o assunto, como se pode extrair do excertos abaixo: “2039501 – MANDADO DE SEGURANÇA – INTERDIÇÃO DE PRESÍDIO – ATO QUE INVOCA O ART. 300 DAS NSCGJ/MS, MAS QUE O JUSTIFICA EM FUNÇÃO DE SITUAÇÃO DE FATO PREVISTA NO ART. 294 DO MESMO REGULAMENTO – INOBSERVÂNCIA DE FORMALIDADE LEGAL – PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO SUSCITADO NA SESSÃO – PRELIMINAR REJEITADA – OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE CONFIGURADA – ORDEM CONCEDIDA – Afasta-se a preliminar de ausência de direito líquido e certo do impetrante se o fato aponta para a existência de tal direito. Se as alegações para a interdição de presídio foram aquelas previstas no art. 294 das NSCGJ, não se pode determinar tal ato sem a observância do procedimento administrativo ali previsto. (TJMS – MS 2004.007721-1/0000-00 – Capital – S.Crim. – Rel. Des. João Carlos Brandes Garcia – J. 18.04.2005)” “Não configura ato de arbítrio, mas obrigação do juiz das execuções criminais, prevista no art. 66, VIII, da LEP, interdição (parcial) de Presídio Municipal com evidente e intolerável superlotação de penitentes. O poder dever de interdição por funcionamento do estabelecimento prisional em condições inadequadas não é condicionado à manifestação prévia do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (TJRGS, MS nº 694122391, Terceira Câmara Criminal, Novo Hamburgo, Rel. Des. Aristides Pedroso de A. Neto, 03-11-94.)”. III. ÂNGULOS DIVERSOS: ANÁLISE DE SOLUÇÕES VARIADAS 1. Uma contribuição para execução penal é a integração dos poderes e instituições, olhando interdisciplinarmente a busca de soluções. Os poderes, as instituições e os seus órgãos não podem mais esconder-se do grave problema do excluído de todos os excluídos. A situação é insustentável. O receio vem da força crescente das organizações facínoras mães de novas gerações de criminosos, audazes e brutais, produtores de mais criminalidade e violência. Ou o Poder Público se une com as organizações não governamentais, assistenciais, pias e da Comunidade Organizada, ou não vai vencer a galopante fúria do Poder Paralelo do Crime, que corrompe e destrói toda obra de contenção que hoje se tenta fazer. A solução não passa pelo rigor da clausura e nem exacerbação da pena. Mas, não nos cabe esta seara de abstração sobre as causas e efeitos da criminalidade, e os meios de prover a segurança pública. Porém, compete-nos examinar os recursos legais e de política criminal e penitenciária para contribuir na melhoria das condições do encarceramento e evitar ser o apenado desaguadouro natural de mais ódio e vingança contra uma sociedade que não contribui com sua recuperação, e deixa-o ser presa fácil de bandos e do crime organizado. 2. 30 meses sem rebelião e baixo índice de evasão na saída temporária são termômetros de uma rota eficaz, no Complexo de Pedrinhas. Trinta meses (Jun/03 a Dez/05) sem rebeliões nas Unidades de presos condenados e a diminuição de quase 50%, em média, entre 2002/2003, de evasões nas saídas temporárias, para uma média 7.8%, em 2005, ajuda compreender como melhorar o sistema. Nas unidades onde existe uma resposta mais rápida aos pedidos dos presos, se vê calmaria. Por quê? Há uma esperança de, num prazo razoável, o preso ter seu pedido atendido ou não. Onde isto não se dá, a inquietação e a revolta produz rebelião como a da CCPJ de Pedrinhas, em 11.12.05. IV. A SINTOMATOLOGIA, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO PENITENCIÁRIO NO MARANHÃO 1. Quais são os principais problemas? Após uma experiência de três anos no Complexo e nas cadeias do Sistema de Segurança, através da VEC, ousamos expor alguns problemas e propor algumas soluções. As questões são conjunturais e antigas como o próprio presídio. Elas podem cambiar em meses ou anos, significando não serem permanentes tais soluções, mas, com vontade e coragem podemos chegar ao possível. Eis alguns vetores: a) Baixo índice de substituição de penas privativas de liberdade por penas restritivas de direitos; b) Alta incidência da prisão, mesmo presentes os requisitos para relaxamento de prisão, a fiança ou a liberdade provisória; c) Demora na concessão de benefícios aos presos com requisitos preenchidos, e a falta de extinção de pena de réu preso; d) Ausência de secretário de vara, defensor público, juiz e promotor nas centrais de inquéritos, ou varas plantonistas, para o exame de manutenção ou não da prisão em flagrante, impede a liberdade do preso que não deve ser levado a prisão (CF, 5º,LXVI). e) Falta de condições às varas criminais para que possam julgar réus presos com a celeridade da lei, redundando a demora no julgamento de réu preso e permitindo a mistura do preso de boa conduta pregressa, na mesma cela, com presos mais perigoso; f) Remoção ao Complexo de Pedrinhas de presos das comarcas interioranas, só quando de excepcional interesse público, seja por ser membro de bando criminoso ou do crime organizado; g) Presos provisórios nas CCPJs e na Casa de Detenção aceitos mediante ofício policial, sem ordem judicial ou prisão em flagrante; h) Baixo número de agentes prisionais por cada grupo de cem presos e a ausência da Defensoria Pública no Complexo de Pedrinhas; i) Falta de participação da comunidade na gestão prisional e no tratamento penal (gestão compartilhada); j) Celas superlotadas, fétidas, escuras, úmidas, sem colchões e com água imprópria ao consumo, com até 15 presos em 16 m2, fato agravado pela falta de trabalho, estudo, lazer e banho de sol regular; k) Revistas vexatórias e atendimento nem sempre digno aos familiares; l) Desfazimento de lares, laços familiares e comunitários de presos, que ficam a mercê de preconceitos, e presa fácil de criminosos mais perigosos ou bandos; m) Dezenas de presos com doenças infecto-contagiosas (lepra, tuberculose, Aids, etc), e mais de 100 portadores de transtornos mentais, junto com dois mil presos nas seis unidades, sem tratamento médico; n) Falta de assistência médica, odontológica, enfermaria adequada e de remédios, aliado ao ócio generalizado em algumas Unidades, perigoso e nefasto à reintegração social do apenado; o) Alto consumo de entorpecentes num conluio entre traficantes e maus servidores, aliado aos maus tratos físicos e psicológicos, além de suspeita de mortes violentas por queima de arquivo, hoje bem menor; p) Contenção da progressão de regime à falta de pessoal e de vaga em albergue, mesmo que possa ser recolhido em prisão domiciliar; q) Condições gerais de cumprimento da pena tidas como cruéis e degradantes à dignidade da pessoa humana. 2. Quais os principais reflexos da interdição parcial Alguns efeitos desta decisão são imediatos e, outros mediatos, após maduras condições, como fruto de salutar debate, contudo, todos, encaixam-se no elenco de determinação ou recomendação derivado da ação fiscalizadora da execução. Assim, os resultados esperados são: a) Ampliação e fortalecimento do debate sobre: 1. Maior aplicação das penas alternativas; a fixação, na comarca, do preso do regime semi-aberto, se não provado ser perigoso; acelerar a progressão de regime para o aberto ou domiciliar, livramento condicional e extinção de pena; 2. A instalação dos conselhos da comunidade para cooperar na fiscalização das penas alternativas, das cadeias podendo indicar mecanismos de redução do encarceramento, das obrigações do sursis processual e penal, do livramento condicional, da prisão domiciliar e albergue, do trabalho externo, etc; 3. A criação de presídios regionais, com a chance da execução penal ser centralizada nas cidades onde se construírem os presídios; 4. Promover estatísticas sobre o reflexo destas medidas na reincidência e na redução da criminalidade. b. Soluções administrativas para as questões relativas a: 1. Treinar permanentemente os agentes penitenciários para serem agentes ressocializadores; 2. Separar os presos segundo periculosidade e regime prisional; 3. Controlar e fiscalizar os recursos disponíveis, para a redução de custos com disciplina e segurança e investimento no tratamento penal para ressocialização; 4. Inadmitir preso mediante simples ofício da autoridade policial; 5. Acabar a incidência do tráfico de drogas, excluindo-se os servidores penitenciários envolvidos nessa prática; 6. Identificar e tratar os doentes com transtornos mentais (ou dependentes de drogas), e retirá-los para lugar adequado e também os presos com mais de 70 anos; 7. Cumprir o dever estatal de dar assistência integral ao preso, num ambiente propício e concedendo seus benefícios legais no prazo; 8. Abolir a revista vexatória de parente e amigo do preso, podendo, para tanto, usar-se detector de metais ou cão farejador contra entrada de armas e tóxicos. 3. A execução penal como fator de interiorização, regionalização e integração das ações voltadas à aplicação das penas e medidas alternativas e otimização do processo de execução penal e dos resultados da ressocialização. a. Propostas para manter presos não perigosos nas comarcas 1. Instalar o Conselho da Comunidade, órgão da execução penal; 2. Examinar criteriosamente a manutenção do auto de flagrante ou a necessidade da prisão preventiva ou temporária, para evitar a prisão de pessoas de bons antecedentes e não perigosos, atendendo o que diz a CF de que ninguém será levado à prisão ou nela mantido, se a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança (CF, 5º,LXVI); relaxando de imediato a prisão ilegal (CF, 5º, LXV); respeitando o princípio da presunção da inocência como sagrado, e só se mantendo a prisão onde couber a preventiva, ou nas hipóteses de crime hediondo ou previsões legais semelhantes (CF, 5º, LVII). 3. Na fase de postulação ou instrução criminal, analisar, em tese, se: - o delito corresponderá a uma pena de prisão que não possa ser substituída por alternativa, sursis processual ou sursis da pena; 4. Na fase decisória, analisar, em tese, se: - não cabendo a substituição da pena face as circunstâncias extras e judiciais do fato, a condenação no regime semi-aberto propicia que a pena se cumpra na comarca, com trabalho externo e recolhimento na cadeia nos horários de lei (Art. 103,LEP - sobre a permanência do preso na cadeia pública, perto ao seu meio social e familiar, no interesse da administração da justiça criminal). 5. Progressão de Regime para o Aberto (Casa Albergado ou Prisão Domiciliar) – Mais de 20 presos progredidos do regime semi-aberto ao aberto nas comarcas do interior estão na Casa dos Albergados (São Luis), longe da família e da comunidade. Esta adoção, sempre mais comum, conflita-se com o princípio maior da execução penal que prega o contrário. O STJ e o STF situam que a falta de casa albergue na comarca justifica a prisão domiciliar. A idéia é não manter o preso em regime mais gravoso e facilitar sua volta ao convívio dos familiares. 6. Prisão domiciliar - A prisão domiciliar será sempre aconselhável nas hipóteses do artigo 117, LEP, quando se tratar de condenado maior de 70 anos, condenado acometido de doença grave, condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental, condenada gestante, e, agora, por construção jurisprudencial, quando inexistir prisão albergue na comarca e o preso é condenado no regime aberto ou para ele progride. 7. O inimputável – O Município deve ser acionado para criar equipe multidisciplinar para – com recursos do SUS – cuidar dos doentes com transtornos mentais, quando o número de inimputáveis na comarca comportar. Caso contrário, o ideal é regionalizar o serviço para ampliar o número de atendidos. Cabe ao MPE acionar o Município ou Secretaria de Saúde para fazer cumprir a obrigação. O doente mental não pode ser levado ao Presídio, e permanecer sem tratamento médico; 8. Realizar convênios com as secretarias competentes do Município e do Estado, através do Conselho da Comunidade, com o objetivo de criar anexos nas cadeias públicas para abrir vagas nas comarcas para os regimes semi-aberto e aberto. V. Atender o pedido ministerial abre caminho para uma solução definitiva da questão. A única alternativa para cumprir os objetivos da Lei de Execução Penal é juntar os esforços de todos os órgãos da execução, sobretudo dos promotores, juízes e dos órgãos do executivo nas três esferas. Os dados de outubro de 2005 disponíveis na VEC, são apavorantes, ei-los: Estab. Penal Qt.Vaga Out/05 -Qt.Preso % Aument. Penitenciária Pedrinhas 390 881 +125% Detenção/Anexo 350 774 +121% CCPJ Pedrinhas 150 258 +72% Penitenciária São Luís 106 161 +61% CCPJ Anil 51 178 +249% TOTAL: 1.047 2.074 +99% O excesso de lotação hoje é de 1.027 presos ao se comparar o número de vagas com o número de presos. Enfim, é o dobro da capacidade de vagas do Complexo. Ora, não é missão da execução penal ser gestor de crise permanente - dos horrores dos motins. Piora o quadro com o pipocar de interdições de cadeias públicas em várias comarcas. Manter o Complexo nas condições de hoje importa em negar ao penitente o princípio fundamental da dignidade humana, sobretudo, em pisotear o saber científico produzido nos últimos 200 anos, com o objetivo de “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (Art. 1º da LEP). A solução não é de interdição pura do estabelecimento penal. A questão é a fixação de um percentual máximo de presos a comportar cada unidade prisional do Complexo, segundo o seu número de vagas e suas condições de salubridade. A equação é simples. A cada vaga corresponde um preso. Fixado a número real de vagas (resultado da diminuição de celas salubres menos as insalubres) e o número de presos existentes em cada cela, por Unidade, por todo o Complexo, programar-se-á um calendário de retirada do excedente até atingir o número teto, ou seja, o número real de vagas. VI. AS CONDIÇÕES PRISIONAIS NO BRASIL AFRONTAM O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. CONQUISTA DA HUMANIDADE OBTIDA EM MILÊNIOS DE CONFLITOS ENTRE GOVERNANTES E GOVERNADOS. 1. A Declaração Universal dos Direitos do Homem – A Assembléia Geral das Nações Unidas, reunida em 09/12/1946, proclamou que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (Artigo I), e que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante” (Artigo V), 2. A Convenção Americana de Direitos Humanos – O Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, ratificado pelo Brasil 1992, regula que toda pessoa tem direito ao respeito a sua integridade física, psíquica e moral; não será submetida a torturas, a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes; e o preso será tratado com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano; ficando os processados separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, recebendo tratamento adequado à sua condição de não condenados; e por fim proclama que as penas privativas de liberdade objetivam essencialmente a sua reforma e a sua readaptação social. 3. A “Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes” - O Brasil, em 1989, ratificou a Convenção adotada pela Resolução n. 36/46 da Assembléia Geral das Nações Unidas em 1984. O texto fixa que cada Estado-parte proibirá, em qualquer território de sua jurisdição, atos que constituam tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes mesmo não se tratando tortura tal como definida internacionalmente, se cometidos por funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. 4. As regras mínimas para o tratamento dos reclusos - Elas foram adotadas pelo "Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e o Tratamento do Delinqüente” (Genebra, 1955) e apro-vadas pelo Conselho Econômico e Social da ONU, consagradas na Resolução n. 10, relativa a situação do reclusos, e Resolução n. 17, referente aos direitos dos reclusos, tomadas em 31.07.1957 e 13.05.1977, fixando princípios fundamentais de proteção à pessoa presa para preve-nir a tortura e o tratamento cruel ou desumano de pessoas presas, e, estabelecendo, em especial, que os reclusos serão tratados com o respeito devido à dignidade e ao valor inerentes ao ser humano, devendo continuar a gozar os direitos e as liberdades fundamentais enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. A Assembléia Geral das Na-ções Unidas definiu ainda um “Código de conduta para os funcionários”, em 17/12/1979 e os “Princípios de ética médica” em 18/12/1982, sendo o primeiro aplicável aos servidores prisionais, e o segundo ao pessoal de saúde, sobretudo aos médicos para proteção de pessoas presas ou detidas, contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes. Esses documentos comprometem esses funcionários e profissionais na obrigação de preservar os direitos e a dig-nidade do preso, contra abusos que possam violá-los. 5. O princípio da dignidade da pessoa humana como pilar da ordem constitucional brasileira a) Na esteira desses documentos universais, a República Federativa do Brasil funda-se no princípio da dignidade da pessoa humana (Art.1º,III,CF), e garante que “todos são iguais perante a lei” (Art.5º,I), com a norma de que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Fixa que a lei punirá “qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (5º,XLI). Estabelece a CF que não haverá penas cruéis (5º,XLVII,e), e a lei disciplinará o princípio da individualização da pena (LVI), a ser “cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” (XLVIII), garantindo-se “aos presos o respeito à integridade física e moral” (XLIX). 6. As regras jurídicas que balizam a discussão do tema no direito pátrio a) A competência do juízo da execução é ponto pacífico. O artigo 65 da LEP rege que a “execução penal competirá ao juiz indicado na lei local de organização judiciária...”; b) Compete à Vara de Execuções Criminais da Comarca de S.Luis as “execuções criminais; correição de presídios e cadeias; e habeas corpus” (Lei Complementar Estadual nº 14/91, art. 9º, 33); c) Outrossim, entre as competências do juízo da execução penal (Art. 66, VI, LEP), estão a de fiscalizar o correto cumprimento da pena e, a de interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal funcionando em condições inadequadas ou infringindo dispositivos da LEP (66, VIII). d) Matéria de natureza administrativa – Não há natureza judicial na interdição se ela não acarreta à Administração providência oriunda de excesso ou desvio na execução, e da qual derive sanção aos seus agentes ou ao próprio estado. No caso presente a interdição tem característica administrativa, considerando que a solução deferida não envolve a obrigação de disponibilizar bens e serviços sem dotação orçamentária previamente asseguradas pela administração. Assim se inclina a jurisprudência nascente, como o aresto invocado pelo MPE em sua peça, que ora transcrevo: “Desnecessidade do devido processo legal para a interdição pelo juiz – TJRS: ‘Mandado de Segurança. Interdição parcial de presídio. Devido processo legal. Tratando-se de medida administrativa da autoridade judicial que nenhuma providência impôs ao estado-administração e que não demanda procedimento especial, não há que se falar em direito de defesa do impetrante. Sendo a interdição medida extrema, somente aceitável quando inviável o pronto e eficaz equacionamento das irregularidades, mostra-se abusiva quando perfeitamente solucionáveis as lacunas evidenciadas pela falta de segurança, tendo o estado o direito de repará-las, sem ver-se privado de parte do estabelecimento prisional. Não demonstrada à saciedade a insubsistência ou abusividade da decisão impeditiva de novas transferências de apenados, não cabe conceder-se a ordem, neste ponto. Ordem parcialmente concedida, para manter-se apenas a transferência de novos presos, salvo autorização expressa do juiz local. (RJTJERGS 216/91) VII. OS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA DECISÃO ADMINISTRATIVA 1. A prova material de tratamento degradante está nos laudos da vigilância sanitária, nos documentos oficiais comprovando excesso de população carcerária em quase 100% (cem por cento), nas inspeções periódicas deste juiz nas unidades do Complexo de Pedrinhas, elementos trazidos à colação e suficientes ao convencimento do juízo. 2. Por essas provas, constata-se que as Unidades do Complexo, por décadas, tiveram as suas condições estruturais deterioradas (estruturas físicas, elétricas e hidráulicas, insolação e aeração, condicionamento térmico, baixa salubridade etc), enquanto agravava a situação de subsistência dos internos, com negação de vasta parcela de direitos não atingidos pelo conteúdo da sentença penal condenatória, em oposição à regra que manda respeitar “todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei” (Art. 3º.LEP). 3. O Poder Estatal não assegura aos presos do Complexo de Pedrinhas: a) o disposto no artigo 83, LEP, ratificando que “o presídio, pela sua natureza, terá em suas dependências áreas e serviços para assistência social, educação, trabalho, recreação e prática esportiva”. b) o disposto no artigo 84, LEP, que reza que o preso provisório ficará separado do definitivamente condenado, enquanto o seu § 1º anuncia que o preso primário cumprirá pena em seção distinta da dos reincidentes. c) A previsão do artigo 88, LEP, dispondo que, nos regimes fechados e semi-abertos, o condenado terá cela individual com aparelho sanitário e lavatório, ambiente salubre à existência humana, e área mínima de seis metros quadrados a cada preso. d) a previsão da LEP, art. 92 e Par. Único, de que, nas dependências coletivas, será feita a seleção adequada dos presos, e observará o limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de individualização da pena. 4. Da dissonância entre os direitos proclamados e as condições reais de existência dos presos do Complexo de Pedrinhas, exsurge a urgência de se fixar os estritos limites do conteúdo da condenação e acautelar os direitos não atingidos por ela, ou seja, estancar a continuidade de negação dos direitos humanos inerentes aos presos. Ademais, não é o caso de delongar-se na concessão da medida, o que implicaria em: a) inevitáveis danos a imagem, a honra e a dignidade dos internos, além dos riscos potenciais a sua incolumidade física e mental. b) na continuidade da superlotação crescente, negando o tratamento penal humano e adequado, e aumentando os custos globais do cárcere; c) manter assustada a população com motins e rebeliões; crescendo a reincidência e criminalidade ao misturar-se presos sem antecedentes com perigosos delinqüentes; d) E, afinal, abolir a aparência de funcionamento do caos, quando só uma mínima parcela dos órgãos se envolve com a execução penal, mesmo sendo necessária e possível a participação de todos à solução definitiva da questão. VIII. AS CONCLUSÕES DISPOSITIVAS Diante do exposto, acolhendo as provas existentes na inicial, com a finalidade de corrigir gravíssimas inadequações e distorções no Complexo de Pedrinhas, de plano, CONCEDO a INTERDIÇÃO PARCIAL DOS ESTABELECIMENTOS PENAIS INTEGRANTES DO SISTEMA PENITENCIÁRIO DE PEDRINHAS, entendidas, assim, a Penitenciária de Pedrinhas, a Casa de Detenção, a Penitenciária São Luis, as Centrais de Presos de Justiça do Anil e de Pedrinhas, exceto o Presídio Feminino, por estarem previstas novas instalações em breve, adotando as seguintes deliberações: 1) Fica proibido o ingresso de qualquer preso a qualquer título nas unidades prisionais acima, até ser alcançada a equação uma vaga por preso, cf. número oficial de sua Direção; 2) Em caráter excepcional, admitir-se-á preso de outra comarca face relevante interesse público, a critério da Vara de Execuções Criminais, por solicitação do Juiz Deprecante ou da Secretaria de Justiça e Cidadania deste Estado. 3) As direções das unidades fornecerão a esta VEC, no prazo de 10 (dez) dias: 1) o número de celas insalubres; 2) a relação dos nomes e filiação dos internos, por cela, contendo em detalhes: a) o número da cela ocupada; b) se tem carta de sentença (guia), ou não, informando a data da sentença, vara e comarca do juiz prolator ou do decreto de prisão preventiva; data da prisão, tipo penal e pena aplicada; c) data da prisão, número do auto de prisão em flagrante e delegacia de origem, sendo preso provisório se tem sentença com recurso e quem recorreu; d) se existem outros processos, em que vara e comarca, com ou sem sentença condenatória, com ou sem recurso e de quem, data da prisão e tipo penal; e) se o preso é maior de 70 anos. 4) Fixo provisoriamente o número máximo de presos para cada Unidade do Complexo de Pedrinhas, por sua atual capacidade, ao critério de uma vaga por preso, assim: a) Penitenciária de Pedrinhas 390 b) Casa de Detenção/Anexo 350 c) Central de Presos de Justiça de Pedrinhas 150 d) Penitenciária São Luís 106 e) Central de Presos de Justiça de Anil 51 1.047 5) A fixação definitiva do número real máximo de vagas* por Unidade far-se-á após informações das respectivas direções acerca do número de celas insalubres, as quais não serão computadas como vagas reais, a não ser que sejam sanados os problemas existentes. (*resultado do número de celas salubres menos as insalubres). 6) O número provisório de excedente de 1.027 presos das Unidades a ser retirado obedecerá o seguinte calendário: MÊS/ANO EXCEDENTE %RET. QT.PRESO SALDO a) JAN/2006 1.027* – 05% 51* 982* b) FEV/2006 982 – 05% 49 933 c) MAR/2006 933 – 05% 46 887 d) ABR/2006 887 – 10% 88 799 e) MAI/2006 799 – 10% 79 720 f) JUN/2006 720 – 10% 72 648 g) JUL/2006 648 – 10% 64 584 h) AGO/2006 584 – 10% 58 526 i) SET/2006 526 – 15% 78 448 j) OUT/2006 448 – 15% 67 381 k) NOV/2006 381 – 20% 76 305 l) DEZ/2006 305 – 20% 61 244 m) JAN/2007 244 – 30% 73 171 n) FEV/2007 171 – 30% 51 120 o) MAR/2007 120 – 100% 120 000 * As frações não são utilizáveis. 7) Os diretores de Unidades, até o dia 10 do mês subseqüente, deverão informar o número de preso liberado ou retirado da sua Unidade, e seu destino, de acordo com a programação acima. Não tendo sido atingida a meta do mês, justificar o motivo pelo qual a mesma deixou de ser cumprida; 8) No prazo máximo de 13 (treze) meses, fica a critério da Secretaria de Justiça e Cidadania promover reformas nas unidades existentes ou construir novas unidades prisionais, na Capital e no Interior, para abrir mais vagas aos presos oriundos das cadeias públicas; promover retirada dos presos excedentes ao fim do prazo antes fixado, por força desta medida; e envidar as providências indispensáveis para agilizar as saídas dos presos com benefícios vencidos ao longo do mesmo período. 9) Notifiquem-se a Promotoria de Execuções Criminais, a Procuradoria Geral de Justiça, as Direções Prisionais da Unidades atingidas, o Senhor Secretário de Justiça e Cidadania, o Sub-Secretário para Assuntos Penitenciários, bem como o Secretário de Segurança Pública, para tomar ciência desta decisão e providências que julgarem cabíveis. 10) Enviem-se uma cópia desta decisão ao Senhor Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão e ao Senhor Corregedor-Geral de Justiça para que dê ciência aos colegas juízes criminais e das execuções criminais, pedindo, desde já, a solidariedade, o apoio e a sua contribuição com medidas concretas para minorar a questão da superlotação nas cadeias e presídios, nos casos que dependam de suas jurisdições. 11) Cientifique-se, também, aos Excelentíssimos Senhores Juizes Criminais Federais para ordenarem aos Senhores Delegados de Polícia Federal a não encaminharem ou transferirem nenhum preso de Vossa jurisdição ao Complexo de Pedrinhas, senão por ordem expressa deste juízo das execuções, obedecendo-se o critério de relevante interesse público acima ressalvado. No prazo de dez dias será baixada portaria designando uma equipe técnica multidisciplinar para monitorar o cumprimento desta, elaborando relatório mensal sobre as liberações e retiradas de presos, Unidade por Unidade, para o cumprimento das metas estabelecidas, detectando as dificuldades e sugerindo o modo melhor de superá-las. Oportunizo a que, no prazo de 5 dias, a Secretaria de Justiça e Cidadania e a Promotoria de Execuções Criminais, em separado, indiquem um representante para participar da equipe acima mencionada. Publique-se esta no Diário de Justiça do Estado e no átrio desta Vara. Após as comunicações de praxe, voltem-me conclusos. São Luís – MA, 19 de dezembro de 2005. Juiz Fernando Mendonça Auxiliar respondendo pela VEC

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