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Nem Direito, nem Psicologia: quando o nada deixa de conduzir a lugar nenhum*

Durante muito tempo, os argumentos despidos de lógica inteligível ou ainda aqueles baseados em "achismos" e preconceitos — já que construídos em premissas que não encontram qualquer semelhança com a realidade — eram simplesmente ignorados, sob a consideração de que, não conduzindo a lugar nenhum, estariam fadados ao esquecimento. Ainda hoje, a grande maioria de falas absurdas não gera qualquer repercussão. Porém, tal desprezo cobra um paradoxalmente caro preço: por serem bobagens, são ignoradas; por serem ignoradas, as falácias e as mentiras não são contestadas e ficam por isso mesmo, eternizando-se por meio do velho artifício segundo o qual "a mentira dita mil vezes se torna uma verdade". Assim, muitos desses desvios da razão começaram a integrar o patrimônio "cultural" da humanidade. Acreditando-se no império da razão, da ciência e do conhecimento, principalmente no campo acadêmico, não se teve a devida apreensão do desenvolvimento desse processo de desconstrução da racionalidade. Não se atentou, inclusive, para a forma como essas falas foram se integrando e até se organizando, impulsionadas por motivações de caráter financeiro ou de ordem pessoal, na busca de lucratividade ou de algum tipo de projeção. Deixaram, pois, de ser produto de algum ser alucinado ou meras distrações, para serem carregadas de intencionalidade e se difundir de modo mais articulado e com fórmulas de expressão cada vez mais sofisticadas, a tal ponto de o absurdo se apresentar como se fosse ponderação racional e lógica. E na medida em que ganham espaço, passam a ser agressivas a tudo que possa revelar sua fragilidade científica. O discurso de ódio é uma forma de desviar o olhar da origem do pensamento descomprometido com os fatos, com a racionalidade e com a ciência. Do ponto de vista da disputa política, o desprezo à razão, ainda que baseado em argumentos que se pretendam apresentar como lógicos e racionais, busca destruir as certezas que são fruto das experiências históricas, para abafar sonhos e projeções. Anula a história e conta a sua própria estória. O efeito grave da difusão, sem contestação, das intervenções descompromissadas com o conhecimento é o de que a percepção da verdade fica cada vez mais difícil. Então, urge que sejam rebatidas. A dificuldade é que como essas ideias são desapegadas dos fatos e dos dados históricos, constituindo, portanto, crenças, quem nelas acredita não se importa muito com evidências. Embora pareça simples, porque baseado em inúmeros estudos e esteja sedimentado no conhecimento humano produzido há séculos, não é nada fácil convencer um terraplanista de que a Terra é redonda. Assim, qualquer tipo de distorção proposital da realidade, mesmo em forma de escracho, pode ser dita até com ares de autoridade intelectual. É apenas desse modo que se devem visualizar tanto a recente publicação de um texto que diz promover uma análise psicológica do Direito, mas que não fala nem do Direito, nem da Psicologia, partindo do nada para chegar a lugar nenhum, quanto à árdua tarefa de o rebater. Além de muito difícil, a tarefa pode ter efeito muito reduzido, porque quem se expressou a favor do texto, mesmo sendo impossível extrair de seu conteúdo algum tipo de compreensão, não terá, por certo, ouvidos para uma contraposição. E quem já não deu muita bola para aquilo não carece de maiores convicções para tanto. De todo modo, a omissão neste momento histórico é o pior a fazer. Como dito, o texto não tem começo, meio e fim. Não traz problematização sobre um fato. Não possui premissa. Não delineia objetivos. Do ponto de vista acadêmico, revela-se um texto inepto. De todo modo, enfrentando o desafio de escrever a respeito, identificamos como ponto de partida do texto a narrativa de que o TST promoveu 38 mudanças em sua jurisprudência em favor dos trabalhadores nos anos de 2003 e 2012, e que isso desagradou a empresários. Esse descontentamento dos empresários teria feito com que o legislador promovesse, em 2017, a reforma trabalhista, na qual 34 daqueles 38 entendimentos jurisprudenciais foram revertidos (neste ponto, o texto ao menos tem o mérito de reconhecer o que os reformistas sempre negaram: que a "reforma" trabalhista reduziu direitos dos trabalhadores e trabalhadoras). A conclusão do texto é a de que caso essa jurisprudência "generosa" com os trabalhadores, baseada em ativismo judicial, mantenha-se, corre-se o risco da extinção da Justiça do Trabalho, cabendo, pois, aos órgãos de cúpula do Judiciário trabalhista "corrigir o rumo da prosa, naquilo que tem havido de excessos, e cumprir da melhor forma possível a nobilíssima missão de pacificar os conflitos sociais, na esteira do dístico de nossa bandeira do TST, calcada no profeta Isaías: 'Opus justitiae pax' (a obra da Justiça é a paz)". Esse desfile narrativo, no entanto, se passa sem qualquer explicação. Toma-se a jurisprudência pacífica do TST produzida até 2002 como o padrão do que seria o "correto", sem avaliar, por exemplo, se essa jurisprudência estava em conformidade com a Constituição Federal de 1988. Aliás, a Constituição Federal só aparece para ser invocada como fundamento da "flexibilização" de direitos, logo ela que, bem ao contrário, alçou os direitos trabalhistas ao patamar de direitos fundamentais, acobertados, inclusive, por cláusula pétrea. Faz-se uma crítica à forma de concepção das novas súmulas, sem mencionar como as anteriores foram constituídas (vide, por exemplo, a Súmula 331) e pressupõe-se que as súmulas anteriores eram perfeitas e as que se produziram depois, que beneficiaram os trabalhadores, foram erradas porque deixaram os empregadores desnorteados e os trabalhadores em situação de falsas expectativas, isto porque, segundo o texto, todas essas decisões com interpretações favoráveis aos trabalhadores "serão reformadas futuramente". Não há nada no texto, no entanto, que fale sobre os efeitos produzidos na realidade social — na economia e no mundo do trabalho — nos dois períodos mencionados. Se houvesse ao menos um pouco da preocupação de falar sobre a realidade, teria de se reconhecer: primeiro, que a Constituição Federal de 1988 ampliou sobremaneira o rol de direitos dos trabalhadores e alterou a posição jurídica desses direitos, sobrepondo-os aos interesses econômicos individuais; segundo, que a jurisprudência da década de 90 foi extremamente reducionista quanto ao alcance desses direitos, bastando lembrar, por exemplo, do que se fez com o inciso I do artigo 7º e o artigo 9º; terceiro, que a reação da jurisprudência em 2003 se deu em razão do reconhecimento do estágio elevado de sofrimento a que foi conduzida a classe trabalhadora em razão dos entendimentos dominantes da década de 90; quarto, que a economia brasileira, nos períodos em que a jurisprudência do TST e do STF serviu como o aparato de proteção dos interesses do capital, afundou completamente; e quinto, que a reconstrução bastante tímida do projeto constitucional em direção ao Estado social baseado na primazia da valorização do trabalho humano fez com que, de 2003 a 2013, o Brasil experimentasse uma recomposição de sua economia e mínima inserção social. Aliás, se os fatos fossem considerados, teria que reconhecer que de 2014 em diante e, notadamente, depois da "reforma" trabalhista, o sofrimento no trabalho aumentou e a saúde econômica do país só piorou. O texto refere ao sofrimento das empresas, mas não relata, em momento algum, quais foram os lucros obtidos por essas empresas em todo esse percurso histórico. Esse espaço é curto para isso, daí porque remetemos o leitor aos balanços publicados pelas grandes empresas e bancos nos anos referidos, que demonstram como, no geral, as políticas de restrição de direitos aumentaram a concentração da renda produzida. Para falar de Direito do Trabalho, o dado histórico relevante é o sofrimento da classe trabalhadora. Como o texto despreza o Direito, embora diga que faz uma análise psicológica do Direito, nada se fala sobre os trabalhadores e trabalhadoras. Ocorre que o conteúdo do Direito do Trabalho são as normas de limitação da exploração econômica sobre a força de trabalho. O artigo 7º da Constituição Federal é expresso no sentido de que o que se elenca são "os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais" e não os direitos dos empregadores. O direito dos empregadores, dentro da lógica capitalista abarcada pela Constituição, é o de explorar a força de trabalho alheia no contexto de seu empreendimento, desde que respeitados os "direitos dos trabalhadores". O Direito do Trabalho é o limite dos interesses do capital. E não há nenhum sentido lógico e histórico em conceber um Direito do Trabalho que seja o direito do empregador de obter fórmulas ilimitadas de extração de valor do trabalho humano. O texto, por isso, despreza a própria história do Brasil, marcada pelo sofrimento da classe que vive do trabalho, pela opressão, pelos baixos salários, pelos elevados índices de acidentes do trabalho etc. Não cabe em nenhum relato histórico sério e comprometido com a realidade falar, no Brasil, em empregadores como vítimas de direitos excessivos dos trabalhadores, ainda mais provenientes de um ativismo da magistratura trabalhista. De fato, nunca houve uma jurisprudência excessivamente protetiva dos direitos dos trabalhadores no Brasil. Muito pelo contrário. Vejamos os exemplos trazidos no próprio referido texto. Segundo se sustentou, o novo teor da Súmula 277 se deu em contrariedade à lei (Lei 10.192/01), sendo exemplo de ativismo judicial em favor dos trabalhadores. Só se esqueceu de dizer que a negativa da ultratividade representa afronta ao §2º do artigo 114 da CF, cuja redação, com a alteração promovida em 2004, no bojo da reforma do Judiciário, deixa clara a intenção da consagração desse direito, senão vejamos: No texto originário: "Artigo 114, §2º — Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho". Redação atual: "Artigo 114, § 2º, CF — Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente". Ainda que assim não tenha reconhecido o ministro Gilmar Mendes, na ADPF 323, em decisão monocrática proferida em 14/10/2016, o que se tem, no caso, é mais um exemplo de que como a jurisprudência não garantiu aos trabalhadores um direito constitucionalmente consagrado do que de um ativismo judicial ampliativo de Direito. São atacadas as decisões judiciais que acolhem responsabilidade do Estado na terceirização, negam validade à terceirização e garantem igualdade de salários entre trabalhadores efetivos e terceirizados. Primeiro, não há nenhuma relação de causa e efeito com relação a essas decisões que merecesse algum comentário. Segundo, novamente o que se tem são exemplos que provam exatamente o contrário. De fato, como se toma a Constituição Federal como referência jurídica e não o que se resulta do desejo de alguém isoladamente, o reconhecimento necessário nesta temática é que a jurisprudência trabalhista, desde 1993, reduziu consideravelmente a rede de proteção jurídica trabalhista. Com efeito, não há nenhuma norma constitucional que autorize a terceirização no serviço público, conforme já manifestava o ministro Ayres Britto. Então, reconhecer a responsabilidade subsidiária do Estado não é ampliação de direitos e, sim, minimização dos efeitos da indevida redução de direitos. Terceiro, a terceirização, anteriormente vedada pela Súmula 256, foi reconhecida como válida, em 1993, pela Súmula 331, significando, pois, uma redução do patamar de proteção jurídica dos trabalhadores. Além disso, a Constituição Federal, que inibe a prevalência dos interesses econômicos sobre a condição humana, não concebe a validação de qualquer forma jurídica em que o trabalhador seja comercializado. O caput do artigo 7º da CF deixa claro que os direitos dos trabalhadores servem à melhoria de sua condição social e não à sua transformação em objeto de comércio. A marchandage é coibida desde o Tratado de Versalhes. E, quarto, a igualdade salarial para o trabalho de igual valor é um preceito fundamental do Direito do Trabalho, consagrado, inclusive, na Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 23), que a tática empresarial da terceirização não tem como superar. Por fim, o texto traz uma crítica à resistência em se assumir a prevalência do negociado sobre o legislado, preconizando a não intervenção do Estado nas relações coletivas de trabalho. O argumento supostamente jurídico para essa defesa são os incisos VI, XIII, XIV e XXVI do artigo 7º da CF, que fazem referência ao reconhecimento dos acordos e convenções coletivas (XXVI) e autorizam a regulação negocial de direitos por essa via. Não se tem em tais dispositivos, no entanto, uma autorização para que o poder econômico imponha redução de direitos aos trabalhadores, até porque esses incisos estão inseridos no rol do artigo 7º, que trata dos direitos dos trabalhadores e não dos direitos dos empregadores e que estabelece tais direitos como instrumentos de melhoria da condição social dos trabalhadores, não podendo, por conseguinte, ser vistos como mecanismos a serviço de iniciativas empresariais voltadas ao aprimoramento dos negócios e à obtenção de vantagens na concorrência econômica. Além disso, a eficácia desses dispositivos está atrelada à consagração de outros três direitos: a garantia contra a dispensa arbitrária (inciso I do artigo 7º), a vedação da interferência do poder público na organização sindical (inciso I do artigo 8º) e o amplo direito de greve (artigo 9º). De forma sintomática, o texto que propõe ampliação da negociação coletiva, e não intervenção do Estado nas relações de trabalho, nada fala da negação aos trabalhadores desses direitos, que são essenciais à livre negociação. Novamente, portanto, o que se demonstra é um rebaixamento jurisprudencial dos direitos constitucionais. Aliás, esses e tantos outros direitos não foram assegurados até hoje aos trabalhadores, destacando-se o preceito que garante a progressividade da condição social aos trabalhadores e que coíbe, por consequência, o retrocesso social. Esse rebaixamento, ademais, que se viu mitigado no período de 2003 a 2013, foi retomado pelo STF a partir de 2014 e se aprofundou pelas mãos do legislador em 2017, chegando ao fundo do poço em 2020, com a produção dos efeitos danosos que estão à nossa volta: precarização, informalidade, desemprego e desalento. Muito mais poderia ser dito para demonstrar como o que se tem em mãos é um artigo que, escondendo o fato de que o legislador da "reforma" confunde-se, em certa medida, com o próprio autor do texto, não reflete minimamente a experiência jurídica nacional se considerados, como deve ser, os parâmetros jurídicos traçados pela Constituição Federal, a razão de ser do Direito do Trabalho e a história do mundo do trabalho no Brasil. Mas o espaço concedido para essa abordagem (cerca de 15 mil caracteres) não é suficiente para ir adiante com mais fatos e argumentos, que, no fundo, apenas se repetiriam na explicitação de como todos os exemplos citados no texto em questão constituem prova do contrário do que tenta demonstrar. Uma utilidade, de todo modo, não se lhe pode negar: o de revelar como ainda será longo e difícil o caminho a ser percorrido para que consigamos superar a fase colonial e as bases escravistas, atreladas, no Brasil, a crendices, preconceitos, elitismos oligárquicos e dogmas neoliberais. O maior problema é saber se teremos tempo para atingir esse objetivo tão necessário e urgente, isto porque, diante da proliferação cada vez mais intensa do desprezo ao conhecimento baseado em fatos, evidências, raciocínios lógicos, pesquisas e estudos comprometidos com a constituição e a elevação da condição humana, o que se vislumbra mais próximo no horizonte é o colapso da humanidade.  *Jorge Luiz Souto Maior é desembargador do TRT-15 e livre-docente em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP).  Artigo publicado originalmente no site Consultor Jurídico - Conjur no dia 27 de outubro de 2020. 

Terceirização, isonomia salarial e o STF desconstruindo o pensamento alheio*

No início dos anos 80, eu era estagiária de Direito e li uma petição da parte contrária. Fui ler na íntegra um acórdão que o advogado mencionava. Na época, as coisas eram mais difíceis. Não tinha um computador para dar um clique e ler o julgado. Fui à biblioteca, tirei xerox e comecei a me dedicar à leitura. Qual não foi o meu choque ao constatar que o advogado tinha enganado o juiz ao indicar o trecho de um acórdão que concluía de forma oposta ao que ele dizia. Fiquei verdadeiramente inconformada com a falta de ética, mais ainda por vir de uma pessoa mais experiente, com número da OAB, que indicava anos e anos de advocacia. Passaram-se mais de duas décadas e fato semelhante se repetiu, não em um processo verdadeiro, mas num júri simulado/aula, cujo tema era a justiciabilidade dos direitos humanos, e tinha como mote o direito à educação. Às tantas, o grupo adverso menciona o paradigmático acórdão do STF, de lavra do ministro Celso de Mello, referente ao RE 436.996, que eu conhecia muito bem, e que determinou que o município deveria garantir acesso à creche e ao ensino fundamental. Mas o aluno deu sentido inverso ao que constava do acórdão. Confesso que o sangue me subiu à cabeça. Inaceitável distorcer o pensamento de um magistrado! Não tenho a verve de advogada de júri, mas a indignação fez com que eu fizesse a defesa mais contundente que poderia fazer! Pois bem, a história se repete, agora de forma mais gravosa, porque é a vez de um ministro do STF desvirtuar o pensamento de um professor em um julgamento! O Supremo Tribunal Federal julgou a equiparação de direitos trabalhistas entre terceirizados e empregados de empresa pública tomadora de serviços, com repercussão geral, no processo RE 635.546, nos seguintes termos: "Decisão: O tribunal, por maioria, apreciando o tema 383 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Edson Fachin e Ricardo Lewandowski, que negavam provimento ao recurso. A ministra Rosa Weber acompanhou o relator com ressalvas quanto à tese. Os ministros Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Luiz Fux (presidente) davam provimento ao recurso com fixação de tese. Os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes também davam provimento ao recurso, mas com tese diversa. Nesse sentido, o julgamento foi suspenso para deliberação da tese de repercussão geral em assentada posterior. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 11/9/2020 a 21/9/2020". A questão fundamental era saber se, à luz da Constituição Federal, seria legítimo utilizar a terceirização como ferramenta para a precarização do trabalho e para a redução dos salários. Noutras palavras, a terceirização é técnica da gestão empresarial, com focalização e especialização, ou mero mecanismo de incremento da mais-valia absoluta? O julgamento, que foi suspenso para deliberação da tese, choca por dois motivos. Primeiro, por verificar que a Suprema Corte negou o direito à isonomia salarial assegurado na normativa internacional, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 23) até os artigos 5º e 7º, XXXII, da Constituição brasileira, passando por diversos tratados e convenções internacionais. É o típico julgamento que desconstitucionaliza os direitos fundamentais, na medida em que retira o conteúdo material da Constituição Cidadã. Como se isso não bastasse, constato que o voto-minuta do ministro Alexandre de Moraes desvirtua o pensamento alheio e traz saudades das referências do ministro Celso de Mello, com seus negritos e sublinhados, sempre tão precisos, material e formalmente, com perfeita indicação da fonte. Consta do voto que foi publicada como minuta a transcrição de trecho de trabalho científico do juiz Reginaldo Melhado, invocado pelo ministro para sustentar que "terceirizada pela empresa determinada atividade laboral, não pode haver direito à equiparação entre trabalhadores das empresas tomadora e prestadora de serviços, pois cada uma é, em si mesma, um empregador distinto" (Reginaldo Melhado, "Globalização, Terceirização e Princípio de Isonomia Salarial", RDT 95/10, Jul/1996). Surpreendi-me por conhecer algumas das reflexões do autor do trecho transcrito, o que se mostrava incompatível com o que sublinhava o ministro Alexandre de Moraes. Reli o voto como quem não crê no que leu e fui à busca do artigo citado. E, como imaginei que fosse, a tese sustentada pelo professor Melhado no artigo parcialmente transcrito no voto é exatamente oposta à acolhida pelo ministro, que recortou o trecho em que o autor explicava qual era a posição então adotada na doutrina e na jurisprudência justamente para, em seguida, criticá-la. O ministro Alexandre de Moraes usou esse recorte e atribuiu ser aquela a opinião do autor. Mas era justamente o contrário! Isso é grave! O artigo do professor Reginaldo Melhado, de 1996, é uma das primeiras publicações da tese da isonomia salarial quando os empregados da empresa terceirizada e os da tomadora de serviços realizam igual teletrabalho, mesmo se a terceirização é considerada lícita, na forma da Súmula 331 do TST (que ele critica). No artigo, com análise socioeconômica e de Direito Comparado da terceirização, Melhado constrói sua argumentação baseado em analogia e simetria entre os empregados terceirizados e os temporários da Lei 6.019/74, que assegura a estes "remuneração equivalente à percebida pelos empregados da mesma categoria da empresa tomadora ou cliente" (artigo 12, alínea "a"). Também funda a argumentação no artigo 7º, XXXII, que proíbe a "distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos". Acrescenta em sua argumentação referências à teoria do abuso de direito, albergada pelo Código Civil, sustentando que a terceirização não poderia ser empregada para subverter os fins sociais da propriedade privada e da empresa, configurando-se ilícita quando seu objetivo é a restrição aos salários pela via da intermediação da mão de obra. Em seu artigo, portanto, o juiz Reginaldo Melhado sustenta de maneira consistente e, naquele momento, também de modo original e inovador exatamente o direito à isonomia negado agora aos trabalhadores terceirizados pelo ministro Alexandre de Moraes e por nossa Suprema Corte. O lamentável episódio revela não apenas como o Supremo Tribunal Federal vem negando vigência aos direitos constitucionais dos trabalhadores, em favor do capital, como também a desconsideração da longa construção teórica e jurisprudencial sobre os direitos fundamentais e, não raro, à própria literalidade da norma constitucional, Foi assim na decisão recente referente ao artigo 316, parágrafo único, do CPP; na aplicação deturpada da teoria do domínio do fato; na coarctação do direito de greve dos servidores públicos; na derrubada da atividade-fim como limite à terceirização; na redução do prazo prescricional do FTGS; na sistemática limitação da competência da Justiça do Trabalho; no legislado sobre o negociado; no derruimento da proteção à relação de trabalho e num longo et cetera. Espero que o ministro Alexandre de Moraes retire de seu voto a referência ao pensamento de Reginaldo Melhado ou a use de forma correta e justa, para que não se perpetue uma fake news no processo.  Kenarik Boujikian é desembargadora aposentada do TJ-SP e especialista em Direitos Humanos.  Artigo publicado originalmente no site Consultor Jurídico - Conjur no dia 26 de outubro de 2020. 

O paraíso são os outros*

Nada como a poesia de Valter Hugo Mãe para lembrar que o paraíso são os outros. Vem do outro o sopro de vida, o alimento, o olhar, o refinado toque, o abraço apertado, a cooperação, o reconhecimento que nos entusiasma e cura. Faz-nos desconfiar que ser feliz sozinho, se é que é possível, é egoísmo. Na selva, a sobrevivência, em geral, é assegurada pela vida em grupo. Mas de longe vem o diabo, e seu apego ao mercado, nos fazendo crer que tudo se pode vender e que o outro é concorrente. Paraíso é a sociedade de mercados, das liberdades, do mérito e da competição.  Nessa nova e diabólica ordem econômica que se espalha pelo mundo, o trajeto percorrido pela América Latina não é de sucesso, pois parece vencer a visão do trabalho, e tudo o mais, como custo e não como demanda.  O processo estruturante é assimétrico e, através da nova divisão internacional do trabalho, designam-se os papeis e os limites de cada povo, país, região, localidade. O Brasil, como país de industrialização tardia, insere-se enfraquecido nessa aldeia globalizada, buscando ajustar-se e segue os caminhos prescritos pelo Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Consenso de Washington. Impressiona a perda, entre outras tantas, das defesas coletivas provocada pelos movimentos do capitalismo quando se inova tecnologicamente e se globaliza. A situação do trabalho no Brasil agoniza, sofrível já em grande parte pelo modelo civilizatório e econômico próprios do continente do poeta referido, o mesmo do colonizador.  A pessoa que trabalha passa a se cristalizar como mercadoria. Vira recurso, coisa mesmo, fator de produção, nomeada capital humano e, se dotado de conhecimento suficiente para operar máquina ou atuar em sociedade informatizada, basta. Lá se vai, curiosamente na terra do valente e saudoso Paulo Freire, a escola pública e o ensino, profissionalizante, torna-se mercadoria. Afinal, para que servem filosofia, literatura e artes, entre outras abstrações quando o tempo de vida se reduz a tempo de trabalho? Tudo se distancia, até o professor se virtualiza e se liga em plataforma. E por falar em tempo e desconexões, o capitalismo desfaz a categoria jornada para quem trabalha ou não sob o contrato clássico. O deslocamento para o local de trabalho ou para a execução de um serviço não conta mais. É problema de quem trabalha, mesmo quando a tecnologia permite saber onde está, quando e o que faz. E no que toca ao salário, o que hoje parece outra coisa, é a mesma e velha coisa. Salário por peça, no caso, serviço. Sim, aquele que segundo  Marx proporciona ao capitalista uma medida plenamente determinada para a intensidade do trabalho, tida como a mais fértil fonte de descontos salariais e fraude capitalista. E assim são remuneradas as pessoas que se esforçam para sobreviver nas plataformas. Aparentam trabalhar com liberdade, mas não participam da decisão do valor que recebem. São desligados e sequer informados que tal se deu por avaliação preconceituosa ou injusta de alguém. Assumem, tão somente, os riscos, as despesas do veículo, do smartphone, do sinal de rede e eventuais danos a terceiros.   E os terceiros, como legitimar a privatização e a terceirização ampliada, inclusive na Administração Pública, sob a lei da (ir) responsabilidade fiscal? E pior, como recusar salário igual ao terceirizado em situação de fato idêntica ao diretamente contratado? Logo no Brasil, paraíso das águas, do petróleo, dos minérios, da terra fértil, onde predomina a terceirização predatória, burlada para redução de responsabilidades sociais e ambientais e, no princípio e fim, destinada  a reduzir custos. O que se dizia servir para qualificar fornecedores, aumentar a qualidade dos serviços e dos produtos e melhorar a qualidade de vida e do trabalho acabou por ser desmascarado, como reconhecido, inclusive, em julgado do Supremo Tribunal Federal, legitimador da terceirização ampliada e do inferno do padrão predatório. E dá-se a queda da remuneração e dos benefícios sociais, a flexibilização de direitos sem negociação de ganhos para os trabalhadores, redução dos benefícios sociais, como fornecimento de transporte, alimentação, entre outros. Os sindicatos se enfraquecem, as classes ou categorias se segmentam numa mesma empresa. A gestão coletiva é menos eficiente. Os treinamentos são de menor qualidade ou inexistentes. E quando se reduzem custos, fragiliza-se o fazer e aumentam os riscos de acidente. Explode a plataforma da Petrobrás, P-36 e rompem-se as barragens de Mariana e Brumadinho. Quando terceirizada a atividade, o meio ambiente e as demais condições de trabalho e de vida pioram. A empresa intermediária ou o empreendedor na ponta da cadeia se fragiliza e repassa o risco ao trabalhador terceirizado, que ganha ¼ menos e trabalha maior número de horas.  Surgem castas ou segmentação no local de trabalho e discriminação ou invisibilidade dos terceirizados por parte dos demais trabalhadores. Ocorre a suspensão de convênios de assistência médica ou revisão em favor de grupos que ofereçam menores preços, em detrimento da qualidade do serviço prestado. Há retrocesso de políticas sociais de previdência social ou do financiamento do SUS-Sistema Público de Saúde.. Ao falar de saúde, um ideal também mercantilizado, percebe-se que se deteriora. Há redução de horas de sono e repouso, piora do padrão alimentar e de moradia. E vem o sofrimento psíquico, a crise de identidade, perda da autoestima, depressão e até suicídio no trabalho, fenômeno recente.  Ao lembrar da promoção da vida e da saúde, nossos ideais, talvez o caminho a trilhar seja o da superação de padrões diabólicos, os quais possivelmente não se originam de avanços tecnológicos, mas do modo como são apropriados. Melhor qualidade de trabalho, de vida e saúde não se resume a um bom padrão de consumo de mercadorias e serviços ofertados, nem de sonhar e realizar os sonhos que forças dominantes, em geral de fora, inventam.  Enquanto isso, no âmbito nacional e limitado as ações parecem ter que mirar na forma como o país se posiciona no capitalismo global e concorrencial. A proteção social na via da regulação pública do trabalho não se contrapõe ao capitalismo, mas é do Estado a escolha do padrão de crescimento, se inclusivo, com políticas de proteção social e de melhor distribuição de riqueza, ou excludente, como bem conhecemos. A depender do modelo de crescimento, grande parte da população fica à margem, em trabalhos precários, sem proteção.  Não servem ao paraíso e nem aos que o habitam políticas baseadas em eficiência e, redução de custos, traduzida em redução de salários e de finanças. Uma das possibilidades pode ser a dinamização da atividade econômica industrial, com geração de emprego, aumento da renda e do salário mínimo, além de inclusão social, juntamente, com política educacional  pública, universalizante e de qualidade, na formação de personalidades criativas, técnica e culturalmente competentes para a celebração da vida em comum e em espaços comuns, de diversidade e tolerância.  Desafortunados e distanciados do primado da Constituição de 1988, ao propor melhorias das condições sociais, os que seguem caminhos excludentes,  apontados como únicos a serem seguidos por  quem se diz técnico, especialista, neutro, sem partido e sem ideologia e que prometem, sem cumprir, melhorar a vida, a eficiência e o desempenho, além de combater o desemprego. É que ideias amparadas na regulação exclusiva pelo mercado, pela concorrência entre quem se insere desigualmente no jogo capitalista aparenta reforçar o oposto da riqueza que pretende produzir. Acirra a competição, quebra defesas coletivas, degrada vínculos sociais e oferece campo fértil à intolerância selvagem, da qual teoria ou doutrina alguma dá conta.  Toda a pressão sobre o trabalho e suas relações têm consequências na estrutura social. É que o trabalho envolve quem trabalha muito além da jornada. Relaciona-se à subjetividade, ao desenvolvimento da personalidade e com os outros, o paraíso segundo o poeta. Para a promoção da vida, saúde e paz entre outras melhorias nas sociedades, o direito criado, interpretado e aplicado precisa deslegitimar a exploração de quem trabalha. Importam, quando ainda não há emancipação, os limites à voracidade competitiva própria do modo de produção capitalista que concentra renda, domina o corpo e a alma da imensa maioria da população. Das ações pautadas pela lógica neoliberal e da competitividade há piora na estruturação da sociedade e o que sobra é a barbárie.  Suely Filippetto é juíza do Trabalho Aposentada do TRT-9ª Região. Especialista em Economia do Trabalho para Magistrados e Servidores Públicos pela Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP. Membra da Associação Juízes para Democracia (AJD).  Artigo publicado originalmente no site Justificando no dia 24 de novembro de 2020. 

IPCA - Que dinheiro é esse tão diferente?

      Dinheiro é uma ideia de valor. Dinheiro não passa de uma grande convenção da humanidade. A que serviriam aqueles papeis e moedas não fosse o fato da aceitação pelas pessoas de que os numerais neles grafados significam, efetivamente, valor? Decorre desse “pacto social” vigente no mundo inteiro que o dinheiro serve como instrumento monetário utilizado para realizar trocas comerciais de bens, serviços e todo o tipo de ação em razão da qual, pela qual ou para a qual, é preciso empregar um determinado valor. E, em se tratando de pacto, o que vale para um deve valer para todos. Assim, por exemplo, uma cédula de cem reais tem o mesmo valor monetário para todos os brasileiros e estrangeiros que se utilizem desse padrão monetário no território nacional. Tem que ser assim e se não for assim não se trata de pacto ou o pacto não está funcionando corretamente, resultando lesão para uns e vantagem indevida para outros. Então, se alguém recebeu uma cédula de cem reais em determinado momento da vida em que outro alguém também recebeu cédula do mesmo valor, essa cédula tem que ter, para ambos, o mesmo valor dez dias depois ou dez anos depois. E se a cédula de cem reais, algum ou muito tempo depois, já não vale mais nada, não vale mais nada para ambos. Já se a cédula de cem reais agora representa algo equivalente a mil reais, assim deve ser para ambos. O dinheiro é o mesmo! Intriga saber por que o crédito trabalhista deve ter critério de correção monetária distinto de outros créditos. Ora, se alguém tinha que receber os mesmos cem reais em determinada data que outro alguém também teria que receber o mesmo valor, por que a correção monetária de um deve ser diferente da do outro? O dinheiro é o mesmo! O dinheiro é o mesmo? Não, o dinheiro é outro, pois, cada um recebeu a sua cédula. Novamente, a ideia do valor. O papel e a moeda não significariam nada sem a grande convenção da humanidade que lhes confere valor. O dinheiro, como papel ou moeda, configura bem fungível, bem que pode ser substituído por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade. Há duas notas de cem reais. Tanto faz ao credor e ao devedor pagar ou receber o devido com qualquer das duas notas. Quem obtém de um amigo um empréstimo de cem reais não deve a restituição da mesma cédula, deve a restituição do mesmo valor. O dinheiro, como ideia de valor, é o mesmo. Está em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal processo em que deve decidir se a correção monetária dos créditos trabalhistas seguirá ou não a taxa referencial (TR) divulgada pelo Banco Central do Brasil. Estando o Supremo atuando no exercício de controle concentrado de constitucionalidade dos atos normativos, sua decisão terá eficácia geral e, portanto, terá que ser seguida por todos os Tribunais e juízes investidos de jurisdição trabalhista no País. O que é a TR (taxa referencial)? A Taxa Referencial é calculada pelo Banco Central diariamente e mensalmente e está disponível no site da instituição. O BC toma como base a média ponderada dos juros pagos, diariamente, por CDBs (Certificados de Depósitos Bancários) das 30 maiores instituições financeiras do país – a chamada Taxa Básica Financeira (TBF). A taxa referencial mede os juros pagos por instituições financeiras. Juros prefixados, definidos, pois, pela atividade financeira. De todo modo, cuida de juros e não de correção monetária. Os juros são devidos em razão da mora, da demora do pagamento. A correção monetária apenas tenta repor o valor da moeda. Aqueles cem reais já não representam o valor que os antigos cem reais de tempos atrás representavam. Correção monetária não é rendimento, pois, diferentemente, apenas pretende – como o nome sugere – a correção do valor nominal da moeda. Bem, se a TR é uma medição de taxas prefixadas para incidência e pagamento no futuro (percentuais determinados pelas instituições financeiras para remunerar aplicações) ela não mede a perda do poder aquisitivo da moeda. A TR não olha pra trás para saber o valor de determinada soma de dinheiro em determinada época e indicar o valor atual da mesma soma. A TR afere o estímulo que os bancos oferecem aos aplicadores para que depositem em seus estabelecimentos os dinheiros de que dispõem. Os bancos oferecem juros. A TR mede juros, por isso não trata de correção. Desde março de 2015 que o Supremo Tribunal, reconhecendo que a taxa referencial cuida apenas de juros, autorizou que a correção monetária passasse a considerar no cálculo da correção monetária o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). Sim, é certo que o STF resolveu assim no julgamento de caso de incidência de correção monetária de débitos a serem pagos por meio de precatórios (dívidas da Fazenda Pública: União, Estados e Municípios, suas autarquias e Fundações), mas, como antes dito, dinheiro é meramente valor, que vale o mesmo para todos. Desde 2017 que a taxa referencial vem sendo igual ou muito próxima a zero e, coincidentemente ou não, no mesmo ano de 2017 adveio reforma da legislação trabalhista que inseriu no artigo 879, da CLT, o § 7º, determinando que a atualização dos créditos trabalhistas seja feita pela TR. Esse dispositivo foi questionado perante o STF na expectativa de que a Corte, guardando coerência, reafirme o descabimento de aplicação da taxa referencial (que nada atualiza e, portanto, agride o patrimônio do credor) e elimine do cenário jurídico o dispositivo legal ofensivo à Constituição Federal. Há quem defenda para a correção monetária dos créditos trabalhistas a incidência da taxa referencial (TR), há quem defenda o INPC, há quem defenda IPCA e IPCA-E e há quem defenda incidência da SELIC. Também há quem defenda nenhuma correção monetária. Que dinheiro é esse tão diferente um do outro?  * Agenor Calazans da Silva Filho Juiz do Trabalho e professor de Direito Processual do Trabalho Artigo publicado originalmente no site IPCA no dia 28 de agosto de 2020. 

1000 dias e exigimos saber: quem mandou matar Marielle?

Por Raquel Braga*   Os toscos Agentes da força-tarefa, bem-sucedidos nos seus propósitos, tiveram como protagonista o Poder Judiciário para arredarem Dilma do poder e encarcerarem Lula, potencial vencedor, afastado do pleito presidencial de 2018. Mas não conseguiram devolver à elite tucana o comando do Brasil, pois alguns fatos fugiram ao controle dos mentores de Curitiba: A morte de Marielle Franco; A eleição do protofacista Bolsonaro; e O jornalismo profissional e investigativo da equipe do The Intercept Brasil a denunciar a farsa. O primeiro fato, a forma covarde em que foi morta a ativista dos direitos humanos, eleita vereadora no município do Rio de Janeiro, Marielle Franco, encheu as ruas de pessoas de diversas idades, classes e matizes políticos a exigir justiça. Marielle, antes do mandato de vereadora, foi assessora parlamentar da presidência na CPI das Milícias da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, em 2008. O relatório final da CPI, presidida por Marcelo Freixo, à época, deputado estadual do PSOL, apontou o indiciamento de 225 políticos, policiais, agentes penitenciários, bombeiros e civis, resultando na prisão de parcela dos milicianos. O brutal homicídio, praticado no centro urbano do Rio de Janeiro, foi um recado da criminalidade para deixar claro quem daria as cartas a partir do golpe. O clima de violações bárbaras e de rupturas legais transitaria por todo o governo Michel Temer (2016/2018), ganhando força com a eleição de Bolsonaro que, sem constrangimento, como parlamentar, defendia a legalização da milícia. O crime acabou por exaltar a dimensão do nome de Marielle e do quanto ela significava para a população. A comunidade nacional e internacional clamando justiça e a comoção das massas surpreendeu a direita e a extrema-direita. Exigência de dignidade que não terá lugar nos corpos jurídicos e políticos que dominaram a cena brasileira. Quem matou Marielle? Essa pergunta de repercussão internacional fustiga o Planalto Central com força para descredenciar o presidente da República e o ministro da Justiça que estiver no cargo (lembrando que Moro já figurou entre eles) por omissões indisfarçáveis. Esse foi o primeiro fato fora das previsões e do controle da Lava Jato – a grandeza de Marielle e o impossível esquecimento do seu covarde assassinato. A investigação, intensificada no curso de 2020, cujo desfecho, revelado, ainda traçará os destinos da política nacional e de todos os seus protagonistas – do juiz ambicioso ao seu azarão, "Chefe de Estado". Quem mandou matar Marielle?Quem mandou matar Marielle?Quem mandou matar Marielle?Repetiremos até obter a resposta.   * Raquel Braga é juíza do Trabalho do TRT-1 (RJ)

Independência judicial em xeque

O retrocesso político e civilizatório brasileiro parece não pretender deixar pedra sobre pedra nas instituições da República. A última dessas etapas ameaça ruir e levar consigo a confiança derradeira na democracia e nas liberdades. Trata-se da independência judicial, garantidora da liberdade que têm os juízes de interpretar a ordem jurídica segundo a sua convicção, motivadamente, ao amparo da lei e da Constituição. Em que pese essa garantia, dois casos gravíssimos de decisões judiciais no Estado de São Paulo foram recentemente deslocados, de forma inaceitável, do debate processual para as instâncias disciplinares. No primeiro deles, o juiz de direito Roberto Luiz Corcioli Filho foi punido, com a pena de censura, pelo TJ-SP, por alegada "atuação com viés ideológico", por "soltar muito" os presos sob sua jurisdição; por ser "progressista" demais. Um outro ponto da "acusação" é a interpretação do artigo 240 do CPP e a ilegalidade de busca pessoal feita pelas guardas metropolitanas. Essa ânsia punitiva do Ministério Público diz respeito, evidentemente, à interpretação da lei, sendo escandalosamente incabível ser transportada qualquer discussão nessa seara para a vertente disciplinar com evidente objetivo de intimidar não só do juiz punido, mas todos os outros que verão em seu exemplo o que pode lhes acontecer de prejudicial, caso sigam o mesmo caminho. Mas o avanço contra a independência judicial não fica apenas no caso do juiz Roberto Corcioli. Neste dia 25.nov.2020, às 14h, tem-se notícia de que o Órgão Especial do TRF-3 também julgará processo disciplinar aberto contra o juiz Edevaldo de Medeiros, igualmente instaurado a pedido de nove Procuradores da República. As "acusações" não são substancialmente distintas, ambas dizem respeito a decisões judiciais proferidas pelo magistrado ao longo de uma década, tidas como "desfavoráveis" ao MPF. A alegação dos procuradores, nesse caso, é no sentido de que o juiz teria um tal de perfil "ético-psicológico arbitrário" que o lavaria, por "razões ideológicas", a rejeitar denúncias do órgão ministerial, de modo que a via disciplinar seria mais eficiente do que a recursal para inibir essas decisões. Reclamam até que o juiz concede liberdades provisórias não compatíveis com o entendimento que acham o correto. Semelhante ao caso do juiz Corcioli, no caso do juiz Edevaldo Medeiros, o que pretende também o MPF, por divergências interpretativas, é eliminar progressivamente da magistratura inimigos imaginários, os que imaginam ser os inimigos da senha punitivista, na verdade, que tomou conta de uma banda da magistratura e do MP. Curioso é que, no caso do juiz Edvaldo Medeiros, nenhum dos oito procuradores trabalha ou trabalhou com o magistrado. O único procurador que atua junto à Vara do magistrado foi arrolado como testemunha, mas em juízo admitiu que "corrigiu" a peça acusatória, parecendo tudo isso ser uma espécie de artimanha para viabilizar a prova. São casos até então sem precedentes, que emulam no Brasil o Macarthismo reinante nos EUA nos anos cinquenta, caracterizado por uma forte repressão política a adversários, com formação das chamadas "listas negras", demissões dos indesejáveis, naquilo que se chamou de "caça às bruxas". Tenta-se agora, no Poder Judiciário brasileiro, em estágio inicial, por demanda do Ministério Público, copiar esses métodos nefastos e de triste memória. Não se pode, todavia, colocar uma camisa de força disciplinar naqueles que não pensam em harmonia com o pensamento único do Ministério Público. A independência judicial aparente e concreta não comporta tutela às decisões dos juízes por órgãos disciplinares, sob pena de naufragar a ideia e a existência de um Judiciário livre no Brasil. Segundo constou do "Bangalore Principles Of Judicial Conduct", documento editado sob os auspícios das Nações Unidas, é "(..) importante que o Judiciário seja visto como independente e que a análise da independência inclua essa percepção". (fls.58). É urgente e necessário, portanto, que os tribunais assegurem as garantias da magistratura e que o Conselho Nacional de Justiça reveja eventuais decisões equivocadas das cortes locais, restaurando a independência judicial e do próprio funcionamento do Poder Judiciário. Sem essa garantia o Poder Judiciário não tem serventia democrática; será apenas expressão do arbítrio sob o enganoso verniz do Estado Democrático de Direito. (*) O autor é o Juiz do Trabalho de Fortaleza e foi presidente da Anamatra no biênio 2015/2017.

Psicanálise: uma arma contra o realismo capitalista

O novo livro do filósofo Vladimir Safatle, ao articular psicanálise e marxismo, lança um olhar sobre o recrudescimento da mentalidade autoritária no nosso tempo. Mas também oferece afiadas armas analíticas para pensar uma política do desejo capaz furar a atmosfera ideológica opressiva do capitalismo tardio. A atmosfera ideológica dominante no capitalismo tardio foi bem descrita pelo escritor inglês Mark Fisher como “realismo capitalista”: uma densa névoa imobilizante que interdita a ação coletiva e o pensamento radical, degradando a capacidade da imaginação política de conceber alternativas de organização social para além do capitalismo. Em seus últimos estudos de combate contra essa “realidade”, Fisher procurou desenvolver uma política do desejo, uma prática de “engenharia libidinal” que impulsionasse formas de desejar emancipatórias e fomentasse organização e agência coletiva. Falecido precocemente em 2017, Fisher não teve a oportunidade para desenvolver mais essas ideias. É nessa frente de combate, do desejo como campo de disputa política, que se mostra altamente relevante e pertinente o mais recente e, antecipo sem receio de errar, o mais importante livro de Vladimir Safatle, Maneiras de transformar mundos: Lacan, política e emancipação. O texto expressa, segundo o autor, o ápice de seu ciclo de pesquisa dos últimos anos, o qual abrange o resgate de diversas matrizes dialéticas como instrumentos de crítica social, desde Friedrich Hegel, passando por Karl Marx até Theodor W. Adorno, e que agora culmina com uma retomada a Jacques Lacan. A obra, apesar de curta, é extremamente rica, densa, e nos limites da complexidade temática, clara e precisa, tratando da emancipação humana pela via de um desejo de ruptura, assim como articulando assuntos muitas vezes difíceis de abordar conjuntamente, como o marxismo, feminismo, identitarismo, dialética e psicanálise. Esses vários objetos são sistematizados a partir de quatro eixos principais: processos de identificação; estrutura do desejo; transferência e ato analítico. A identificação concerne à chamada “teoria do eu”, que envolve os meios pelos se dão os processos de subjetivação – isto é, como os sujeitos se constituem enquanto tais. Safatle parte da concepção marxista de que “a produção produz não somente um objeto para o sujeito, mas um sujeito para o objeto”. Trata-se da aplicação, em quadrantes psicanalíticos, das teorias das formas sociais, que identificam a forma-mercadoria como elemento nuclear da sociabilidade capitalista, a qual constrange e molda os indivíduos. O germe autoritarismo Ainda nessa linha, Safatle trata de um outro problema central da política do nosso tempo: a questão da personalidade autoritária, que em última instância, surge como uma defesa contundente do Eu em indivíduos psiquicamente mais frágeis. O autor desconstrói a concepção mais ou menos comum de que o autoritarismo hoje observado seria uma resposta reforçada da autoridade patriarcal. Na raiz dessa reatividade estaria, na verdade, justamente o oposto: o colapso daquela mesma autoridade. Aí devemos encontrar efetivo produtor dos atuais regimes autoritários, sendo a identificação com esses líderes que mesclam uma figura com a performance de “homem forte” não uma idealização de figura paterna, mas sim a um processo de identificação horizontal, em uma estrutura narcísica, que, quanto mais se nota frágil, mais violenta se torna. Safatle prossegue explicitando a concepção lacaniana de que o Eu é um espaço de alienação, que se desenvolve a partir de um processo de sobreposição de camadas dialéticas de identificação/alienação. Assim, no núcleo do Eu haveria apenas um vazio, razão pela qual o verdadeiro processo emancipatório não passa pelo reforço das identificações, mas sim pela dissolução do Eu, que viabilizaria finalmente espaço para uma nova instauração. Portanto, a política emancipatória demanda as coordenadas desse lugar vazio, no qual poderiam ser fulminadas opressões, estereótipos e toda sorte de exclusões, colocando em questão as relações de poder. Estaria aí uma resposta possível ao fascismo. O desejo emancipatório no capitalismo O segundo eixo trata da questão do desejo, do gozo e da estrutura da sexuação, inclusive à luz do debate envolvendo determinadas leituras feministas do pensamento de Lacan. Esse tópico é crucial para todos aqueles que estudam a questão do desejo como campo de disputa política. Afinal de contas, para propor qualquer tipo ou forma de desejar, que sirva de empuxo para além do realismo capitalista, é preciso primeiramente responder à seguinte questão: o que é o desejo e como se deseja no capitalismo? Safatle parte de um contraponto a partir da teoria do desejo em Deleuze-Guattari. Na perspectiva da esquisoanálise a sociedade capitalista aparece como sendo aquela da “insatisfação administrada”, na qual os sujeitos veriam no desejo uma expressão da incompletude e da inadequação. Para Safatle, entretanto, Lacan iria além, mostrando que a insatisfação não é propriamente administrada, mas sim  elemento causal de abertura de um outro horizonte, o qual reproduz essas mesmas relações. Tal modo de desejar também se traduz no campo da luta política, enquanto a insatisfação não é dirigida à estrutura que organiza as posições, mas ao ocupante de cada um dos lugares. Seria então nesse sentido que Lacan, em um de seus seminários, criticou a revolta do maio de 68, ao proferir a conhecida e polêmica advertência: “Ao que vocês aspiram como revolucionários é a um mestre. Vocês o terão!”. Haveria assim, conforme o alerta de Lacan, uma adesão dos revoltosos, no nível do desejo, à própria sociabilidade capitalista, com as manifestações resultando num efeito meramente performático e preservador das estruturas. Para Safatle, portanto, a superação dessas estruturas somente pode ocorrer por meio da adoção de uma nova gramática normativa, que há de surgir quando a presente for deposta. Ainda na questão do desejo, mas agora buscando essas possíveis novas gramáticas emancipatórias, o autor, de modo pontual e atento aos seus próprios limites subjetivos de perspectiva e lugar de fala, apresenta como imprescindível o debate acerca do gozo fálico, identificado como elemento-base da reprodução capitalista. São então articuladas possíveis respostas da teoria lacaniana às críticas feitas por Judith Butler e Nancy Fraser. Safatle reconhece, evidentemente, a relevância das conquistas feministas das últimas décadas, avanços na defesa contra históricas violências, que remontam a tempos muito anteriores aos do próprio capitalismo, mas que se projetam até os dias de hoje. Longe de enfraquecer a luta feminista do dia a dia, a estratégia emancipatória traçada por Safatle, e que abarca a emancipação humana em sua totalidade, visando não propriamente uma superação, mas sim a implosão das formas sociais que sustentam o patriarcado, agora reprocessado e reaproveitado sob a égide do capitalismo. Trata-se de um caminho libertário, que passa pela identificação de uma nova forma de desejar, “um gozo impossível, gozo que nos faz passar da impotência ao impossível e que não terá a estrutura fálica que é constituinte das formas de gozo sob o capitalismo. Um gozo que feminiza todos os sujeitos […] um gozo que nos empurra para fora do capitalismo e de seus regimes de sexuação”. Legítima resistência revolucionária O terceiro eixo da obra diz respeito ao processo de transferência. Safatle  salienta que este rito, inerente ao set psicanalítico, na verdade tem sua origem em exigências políticas, de controle e de exercício do poder, tal como delineadas por Michael Foucault no nível da microfísica do poder. Desse modo, em sua gênese, o processo de transferência é essencialmente político, com paralelo em estruturas maiores, como no plano populista, no qual se exerce a dominação carismática, tal qual descrita por Max Weber. Prossegue Safatle, lembrando que essas relações de poder definem situações de existência como formas de sujeição, que são causas do sofrimento, que decorre da introjeção de uma normatividade encarnada em seus enunciadores. No entanto, o efetivo manejo desse poder na transferência, tanto pelo analista em clínica, quanto pela autoridade na política, deve ser traduzido no exercício da posição de poder como forma de destituição do próprio local do poder e não com a finalidade de uma mera inversão estrutural, de simples troca de papéis, lembrando que, no fim das contas, “matar senhores nunca foi uma tarefa difícil, mas difícil foi se recusar a ocupar seus lugares”. Portanto, a verdadeira emancipação somente seria atingida não quando o poder é deposto, mas sim quando dissolvida a agência determinante que o estabeleceu, desarticulando-se a respectiva gramática normativa. Esse evento, que concerne ao último conceito desenvolvido por Safatle, é aquele que Lacan define como ato analítico. Em sua explanação sobre ato analítico, Safatle o diferencia de outros dois modos de agir, o acting out e a passagem ao ato. Acting out diz respeito a um agir de modo diferente ao que até então se reproduzia, mas cuja diferença é apenas aparente, algo que não afeta as estruturas, consubstanciando ato eminentemente performático que supostamente atende aos anseios de outrem, o que ocorre, por exemplo, nas aludidas manifestações. Já a passagem ao ato pode ser tida como uma conduta de negação, em geral consubstanciada em autosacrifício, muitas vezes relacionada ao suicídio ou outro modo de ruptura radical, mas que também não afeta as estruturas. Remanesce então o ato analítico como aquele que verdadeiramente importa em movimentos revolucionários, subversivos, que implodem as estruturas. No caminho de explicação do conceito, é utilizado o mesmo exemplo adotado por Lacan, da belíssima alegoria de Arthur Rimbaud, do poema “A uma razão”, significativamente escrito no auge dos acontecimentos da Comuna de Paris. Nesses termos, o ato analítico é apresentado como algo relacionado a uma repetição que o precede, de outras tentativas de ato não concretizadas, as quais reverberam, se juntam e se condensam, em algo que poderia ser representado como um estrondo supersônico. Essa é a palavra efetiva, que destitui e recria o próprio sujeito, transformando aquilo que até então era sintoma em ato revolucionário. Safatle faz assim um chamado à responsabilidade política, bem representando a melhor tradição crítica da psicanálise brasileira. Desse modo, assim como Platão assombra os juristas, rememorando-os de que não há pessoa justa numa sociedade injusta, Safatle exorta não apenas os profissionais da saúde mental, mas a todos nós, de que não há pessoa sã numa sociedade doente e que muitas vezes o sintoma revela uma recusa de adequação: mais que uma anomalia é legítima resistência revolucionária, recusa de aceitar o inaceitável, capaz de ser estopim para novas formas de organização política e ação coletiva.É por isso que “Maneiras de transformar mundos: Lacan, política e emancipação” se sobressai como uma das mais importantes obras dos últimos anos e, possivelmente, a que melhor articula os temas da psicanálise, política e marxismo. Trata-se de uma leitura indispensável para todos aqueles que pensam o desejo como um terreno de luta política e buscam uma estratégia emancipatória radical contra o realismo capitalista, eficazmente exercida em conjunto com as diversas lutas por liberdade, reconhecimento e justiça que se apresentam atualmente na arena política.  Artigo publicado originalmente no site Jacobin Brasil no dia 24 de novembro de 2020.   * Antonio Augusto Galvão de França é Juiz de Direito e membro da AJD - Associação Juízes para a Democracia.

Os maricas

- EXTRA, EXTRA, EXTRA !!!! Grita o rapazinho com a nova edição do jornal nas mãos e  uma plaqueta de propaganda na outra. - Nova estreia! Nos melhores palcos da cidade! – continua ele. - Qual o próximo show? – pergunta um transeunte, ansioso. - O “Golden Shower”? – arrisca um outro, animado. - Não ! – responde o rapaz da plaqueta.  Esse foi o hit do Carnaval 2019! Um tremendo sucesso! Repercussão imediata! O pessoal da pauta dos costumes gostou muito! Rendeu semanas com audiência sempre lotada. Casa cheia! Twitters internacionais comentando o assunto!! Outro passante ensaia então o  seu palpite: - Será o “Dinheiro na cueca? - Não, também não. Essa atração foi nosso lançamento para a Primavera 2020. Muito lucrativa! Nossa mina de ouro. Pouco investimento e muito lucro. Não declarado, é claro. Tudo “por fora”. Mas deu certo. - Essa eu assisti. Passou até na TV. Muito boa mesmo!  Tão legal quanto o “Fim da Corrupção”.  Muito real, muito verossímil, muito convincente.  - Já sei! Disse outro cidadão. Hoje será o dia da “Pólvora nos EUA” . - Quase acertou, disse o rapaz da propaganda. Mas esse título  fará parte do  nosso “Preview Verão 2021”. Será lançado após a posse do novo Presidente dos Estados Unidos. - Mal posso esperar – disse alguém no meio da multidão que já se aglomerava na porta do teatro. Já comprei até a minha arma nova para participar do evento.  Alguém lá do fundão grita: - Já sei!  A próxima atração será   “ A  Limpeza da Gravata ” . - Infelizmente não, disse o rapaz. Esse foi um sucesso recentíssimo e  paralelo, da mesma equipe.  Tem uma certa origem, uma gênese  comum  em relação  a  outros sucessos anteriores. É um gênero muito cultivado pelos participantes pelo nosso time,  nosso  “dream team” .  Nesse último título vislumbramos referências claras aos grandes sucessos   “Golden Shower”,  “Colocar nas Hemorróidas” e “Dia Sim, dia Não”, os quais formaram a  grande trilogia da temporada 2019/2020. - É muito bom quando a gente consegue identificar o estilo do artista, não? Torna-o único, imortalizado, disse alguém. - Sim, disse outro. Incomparável. Tem um toque pessoal, personalizado.  Um  “quê” de psicanalítico.  Inesquecível, mesmo, sintetizou mais um.  - Finalmente, alguém gritou lá do fundão: - Já sei o nome da próxima atração:  “Os Maricas do Brasil” . - Bingo! É o hit da pandemia. Foi lançado em 2020 mas tem duração estendida e abrangência nacional. É uma reedição modernizada do grande sucesso dos anos 80 “Prefiro o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo”.  Remasterizado. Remake com novos artistas, nova direção, novo roteiro, novo contexto, nova “pegada”. Mas com o mesmo sentimento. Vai virar cult, tenho certeza.  Toca o caráter do brasileiro, seu lado mais profundo, o âmago, sabe? - Eu gosto de atrações assim, disse alguém.  Que mexem com a gente. Revolvem as nossas questões internas, mais profundas.  Descortinam o nosso caráter. Fazem a gente pensar. - Pensar no quê? - No que realmente somos, vendo um espetáculo desses e permanecendo inertes. FIM   * Juíza do Trabalho aposentada do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

O estupro (culposo) do Direito

Dizem que os governantes ficam de orelha em pé quando um movimento social eclode em um país vizinho. Morrem de medo que a insatisfação popular ganhe asas e se espalhe mundo afora, vindo a atingir as nossas pacatas e incríveis democracias. A história nos mostra que talvez eles estejam carregados de razão. Exemplos de insurreições que se espalharam, temos aos montes. Para o bem e para o mal. Ultimamente, no entanto, temos presenciado um outro fenômeno: o espraiamento do antidireito, do Direito ao contrário. Esse movimento parece ter chegado para ficar. Comecemos pelo “estupro culposo”. Essa expressão ganhou força e voz crescente nas redes sociais essa semana, mas a verdade é que ela não consta da sentença que absolveu o rapaz de Santa Catarina, acusado de estupro contra vulnerável, crime previsto no Código Penal. Independentemente disso, a expressão parece ter feito sentido aos ouvidos de milhares de cidadãos, leigos em Direito, que assistiram, espantados, ao desenrolar de uma audiência virtual onde a vítima de estupro foi achincalhada e humilhada pelo advogado do acusado. A notícia e os vídeos se espalharam com uma rapidez estonteante pelas redes e uma considerável parte dos internautas saiu imediatamente em defesa de mais uma vítima do machismo estrutural brasileiro. E por que se revoltaram com o tal “estupro culposo”? É porque tal figura teria um antecedente histórico. Sim, ele bem que poderia ser um parente da “legitima defesa da honra”, nascida no famoso caso de Doca Street e Angela Diniz na Praia dos Ossos, em Búzios. Quem viveu nos anos 80 sabe do que estou falando. O caso rumoroso do “dândi” que matou a namorada porque ela o traiu. Matou em defesa de sua honra aviltada. Os mais jovens podem não acreditar, mas foi essa a tese vencedora. Doca foi absolvido em primeira instância. Da mesma forma que o tal estupro culposo, a legítima defesa da honra também não existia em nosso ordenamento jurídico. Mas não é que a ideia “pegou”? Pois é. Estupro culposo seria o “primo” moderno da legítima defesa da honra. O antecedente comum? O ódio à mulher. Por isso fez tanto sentido na cabeça de tantos leitores. A mesmíssima ideia de que elas, as mulheres – ah, essas terríveis mulheres - provocam os piores instintos nos homens. Lembramos da legítima defesa da honra, mas passamos recentemente também pela figura jurídica até então desconhecida da “propriedade de fato”, figura esta que “aprendi” quando do episódio de um certo tríplex. Passeamos também pelo território do domínio dos fatos – porque a “literatura” assim parecia permitir. Invertemos a presunção da inocência e adentramos na nova presunção da culpa, em direito penal, para permitir a prisão em segunda instância. E voilà! Por que não chegaríamos ao estupro culposo? Seria o caminho esperado. Enfim, os tempos recentes estão repletos de exemplos de agressões ao direito – e às mulheres, é claro. Sabendo-se de antemão que tais movimentos se alastram rapidamente, já posso até esperar a criação das atenuantes para a nova modalidade desse novo crime. Em ordem decrescente de culpabilidade, poderíamos ter: o estupro consentido; o estupro tolerado; o estupro meramente admitido; o estupro de boa-fé e, finalmente, o estupro não merecido porque a mulher é feia (esta última atenuante inspirada em episódio recente envolvendo figuras públicas nacionais). Ainda que o tal “estupro culposo” não tenha sido reconhecido na sentença, a verdade é que a tendência ao antidireito avança. A passos largos. Assim como as insurreições, essas ideias podem “colar”, se espalhar, tomar conta de fóruns, “iluminar” juristas e influenciar a opinião pública. Inspiradas sobretudo por um falso moralismo. Ou descarada má-fé. Futuramente, talvez alguém diga: “o Direito foi violado, mas culposamente. Não tínhamos a intenção de violá-lo. Queríamos apenas melhorar o Brasil. Não fizemos por má-fé”. Estejamos atentos. A figura da “má-fé culposa” está a caminho.  * Juíza do Trabalho aposentada do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

A greve dos Correios de 2020 e a necessidade de superação de uma jurisprudência trabalhista incoerente

Na ADI 3423 (e outras julgadas em conjunto)1, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade dos §§2º e 3º do art. 114 da Constituição, na redação da EC 45/2004. A Corte utilizou como argumentos centrais aptos a sustentar a constitucionalidade da exigência do comum acordo para o dissídio coletivo de natureza econômica: (i) inexistência de violação ao acesso à justiça, pois se trata de criação de novo direito, e não de aplicação de direito pré-existente; (ii) a necessidade de reduzir a intervenção estatal nas relações coletivas de trabalho. Nesse contexto, não se pode deixar de apontar a grave incoerência da jurisprudência dos tribunais trabalhistas, inclusive do Tribunal Superior do Trabalho, com o que decidido pelo Supremo Tribunal Federal. O STF enaltece a liberdade dos entes coletivos e preconiza a supressão ou redução da intervenção estatal nos conflitos coletivos de trabalho, destacando que tal postura supostamente seria a mais democrática. Nesse diapasão, a única conclusão possível é a de que o Estado não pode igualmente intervir, em princípio, nos dissídios coletivos decorrentes de greve, pelo menos não com a intensidade que vem sendo adotada pelos tribunais trabalhistas. Tome-se como exemplo a greve dos Correios realizada no ano de 2020. A decisão do Tribunal Superior do Trabalho, julgando o dissídio coletivo de greve2, pode ser assim sintetizada: - (i) atuação da Justiça do Trabalho nos dissídios coletivos de natureza econômica passou a ter contornos de arbitragem, em decorrência da necessidade do comum acordo entre os envolvidos; - (ii) nos casos de dissídios coletivos de greve, o Judiciário Trabalhista poderia atuar mesmo sem comum acordo, “a bem da sociedade”. Por não ter sido, nessa hipótese, eleita pelas partes, o poder normativo da Justiça do Trabalho ficaria “restrito aos limites constitucionais e legais, preservando as normas convencionais pré-existentes, o que significa aquelas decorrentes do último instrumento normativo oriundo de negociação coletiva. Nessa hipótese, não é possível impor normas que venham a onerar economicamente a empresa, mas apenas cláusulas sociais que melhorem as condições de trabalho na empresa”; - (iii) a Lei 13.467/2017, assim como a jurisprudência do STF, impedem a ultratividade de normas coletivas; - (iv) no caso concreto, houve recusa patronal em negociar e a proposta formulada pela empresa foi “superlativamente redutiva de vantagens”; - (v) por se tratar de greve de longa duração, admitiu-se a compensação de apenas 50% dos dias parados, com desconto de apenas 50% dos dias restantes; - (vi) o Tribunal deferiu apenas as cláusulas econômicas aceitas pela empresa, e estabeleceu mais algumas cláusulas sociais que não implicavam ônus financeiro para o empregador. Foi deferido, também, reajuste salarial em percentual ligeiramente inferior ao INPC do período; - (vii) composto o dissídio coletivo pela sentença normativa, o TST determinou a imediata cessação de greve e o retorno imediato dos trabalhadores ao serviço, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais) aos sindicatos promotores da greve, “uma vez que eventual paralisação posterior ao julgamento do feito já não se dirige mais contra a Empresa, mas contra a própria Justiça do Trabalho”; - (viii) por fim, o acórdão autorizou a dispensa por justa causa do empregado que prosseguisse em greve no dia seguinte à data do julgamento. Com o devido respeito à instituição Tribunal Superior do Trabalho, e aos seus integrantes, deve ser demonstrado com clareza que o julgado – que representa a jurisprudência trabalhista prevalecente sobre o tema – institui sistema absolutamente incoerente no trato das relações coletivas de trabalho, violando a diretriz jurisprudencial fixada pelo STF. Veja-se que julgar as reivindicações econômicas da categoria sem o comum acordo das partes já constitui, por si só, violação ao art. 114, §2º, da CF, cuja higidez constitucional foi referendada pela Suprema Corte na ADI 3423. Não é possível que o Tribunal Trabalhista decida o conflito econômico, se não houver o comum acordo, que é exigido pela Constituição para o processamento do dissídio econômico, vale dizer, para que se possa ter uma decisão a respeito das reivindicações econômicas da categoria. Entender diferentemente faria com que o requisito constitucional do comum acordo fosse facilmente burlado: bastaria, para tanto, deflagrar greve e, em seguida, ajuizar dissídio coletivo de greve, fazendo com que o Tribunal decidisse as reivindicações econômicas da categoria. No entanto, decidir as reivindicações da categoria constitui objeto específico do dissídio de natureza econômica3. De duas, uma: ou se parte para um sistema de efetiva liberdade dos entes coletivos (sindicatos e empresas) para negociar coletivamente e assumir as consequências da greve; ou se admite o intervencionismo do Estado nos conflitos coletivos. O que não se pode é estabelecer um intervencionismo seletivo e pela metade, apenas com o fim de coibir os movimentos grevistas a pretexto de resguardar um suposto “bem maior da sociedade”. Veja-se a manifesta incongruência: de um lado, diz-se que o Estado não pode intervir nos conflitos coletivos de trabalho pela via do dissídio coletivo, porque isso supostamente seria antidemocrático e paternalista; de outro, quando os trabalhadores resolvem assumir o risco do movimento grevista, com todo o desgaste daí decorrente – inclusive o corte de salários, placitado pela jurisprudência ­–, a Justiça do Trabalho intervém de forma incisiva, para determinar o imediato fim da greve, estabelecer pesada multa e autorizar a medida extrema da dispensa por justa causa pela mera continuidade da greve! Além da incoerência, a decisão, objetivamente analisada, pratica uma espécie de cinismo judicial, porque diz uma coisa e faz outra. Afirma-se que o Judiciário não pode intervir, não pode asfixiar a autonomia privada coletiva, mas, ao mesmo tempo, profere-se decisão que impede o exercício do direito de greve, inviabilizando-o completamente em função das graves sanções cominadas. Perceba-se que os trabalhadores ficam absolutamente impossibilitados de agir para a melhoria de sua condição social. Não podem recorrer ao Poder Judiciário, porque para que se exerça o poder normativo há necessidade do comum acordo, ou seja, da concordância do empregador, a qual sabidamente quase nunca ocorre; e também não podem fazer greve, sob pena de serem multados e dispensados por justa causa. Dá-se aos trabalhadores, portanto, apenas o “direito” de se submeterem às condições unilateralmente impostas pela empresa. Quando os trabalhadores tentam fazer greve, e correm todos os riscos e agruras a ela inerentes, o Judiciário muda de postura e resolve julgar as reinvindicações econômicas, mas só defere os benefícios com os quais o empregador concordou. Perceba-se que o TST não apenas “lavou as mãos”, como Pilatos, mas agiu ativa e efetivamente para impedir que uma das partes (o sindicato profissional) pudesse continuar batalhando pela melhoria das condições sociais dos trabalhadores. Há forte incongruência, ainda, com a Súmula 316 do STF, segundo a qual “a simples adesão à greve não configura falta grave”. O verbete superou a jurisprudência anterior, segundo a qual a participação em greve abusiva consistiria em falta grave4. O entendimento doutrinário5, bem como a jurisprudência atual dos Tribunais Regionais do Trabalho vinha sendo firme no sentido de que, ainda que a greve fosse declarada abusiva, descaberia cogitar de aplicação de justa causa decorrente da mera participação do trabalhador6-7-8. Por isso mesmo, é surpreendente a decisão adotada na greve dos Correios de 2020. Se a greve persistir após a declaração de abusividade pelo Judiciário, ainda assim incide o raciocínio da Súmula 316 do STF, não se podendo concluir pela justa causa, por exemplo por suposto abandono de emprego. Isso porque o abandono de emprego pressupõe um elemento subjetivo, consistente na “intenção do empregado de não mais retornar ao trabalho até então exercido”9, o que certamente não está presente por ocasião de movimento coletivo de paralisação da prestação de serviços. Dessa forma, é imperativo que seja revista a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, a qual atualmente admite que os tribunais trabalhistas apreciem as reivindicações econômicas da categoria no caso de deflagração de greve10. Igualmente, deve-se prestigiar o entendimento de que é não é possível que o tribunal determine aos grevistas o retorno ao serviço e que “autorize” a efetivação de dispensas por justa causa no caso de descumprimento da determinação. Essa é a única maneira de preservar a coerência com a diretriz firmada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 3423. 1 “Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Art. 1º, da Emenda Constitucional nº 45/2004, na parte em que deu nova redação ao art. 114, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal. 3. Necessidade de “mutuo acordo” para ajuizamento do Dissídio Coletivo. 4. Legitimidade do MPT para ajuizar Dissídio Coletivo em caso de greve em atividade essencial. 5. Ofensa aos artigos 5º, XXXV, LV e LXXVIII, e 60, § 4º, IV, da Constituição Federal. Inocorrência. 6. Condição da ação estabelecida pela Constituição. Estímulo às formas alternativas de resolução de conflito. 7. Limitação do poder normativo da justiça do trabalho. Violação aos artigos 7º, XXVI, e 8º, III, e ao princípio da razoabilidade. Inexistência. 8. Recomendação do Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho. Indevida intervenção do Estado nas relações coletivas do trabalho. Dissídio Coletivo não impositivo. Reforma do Poder Judiciário (EC 45) que visa dar celeridade processual e privilegiar a autocomposição. 9. Importância dos acordos coletivos como instrumento de negociação dos conflitos. Mútuo consentimento. Precedentes. 10. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente” (ADI 3392, 3423, 3431, 3432 e 3520, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 29/05/2020). - 2 PROCESSO Nº TST-DCG-1001203-57.2020.5.00.0000, Seção de Dissídios Coletivos, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, julgado em 21.09.2020. 3 BERNARDES, Felipe. Manual de Processo do Trabalho. 2ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2019, p. 697. 4 Como exemplo dessa tendência superada: “A greve ilegal é falta grave. A lei nº 9070 não contraria a Constituição” (RE 42916, Relator(a): CÂNDIDO MOTTA, Primeira Turma, julgado em 10/09/1959). 5 Segundo Süssekind, “o fato de a greve ser declarada abusiva não significa, por si só, que os seus participantes tenham cometido ilícito trabalhista, principalmente quando restar comprovado que a participação da empregada se deu pacificamente” (SÜSSEKIND, Arnaldo, op.cit., p. 465). 6 “RESCISÃO CONTRATUAL - JUSTA CAUSA APLICADA - PARTICIPAÇÃO EM GREVE DECLARADA ILEGAL - NULIDADE DA JUSTA CAUSA. A participação do empregado em movimento paredista, ainda que considerado abusivo pela autoridade competente, não pode acarretar a aplicação da sanção máxima da justa causa” (TRT-24 00247031320145240001, Relator: NICANOR DE ARAUJO LIMA, 1ª TURMA, Data de Publicação: 29/06/2015). 7 “RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA - JUSTA CAUSA - GREVE ABUSIVA - A princípio, a mera participação em greve, mesmo considerada ilegal, não autoriza, por si só, a dispensa por justa causa. Há de ser demonstrada a conduta reprovável e os atos lesivos ao patrimônio da empresa ou a terceiros, passíveis de enquadramento nas hipóteses previstas no art. 482, b, e, h (...)”. (Processo: RO - 0001170-09.2012.5.06.0191 Redator: Sergio Torres Teixeira, Data de julgamento: 21/05/2014, Primeira Turma, Data de publicação: 01/06/2014). 8 “ADESÃO A MOVIMENTO PAREDISTA. APLICAÇÃO DA JUSTA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE. A adesão à greve, por si só, não constitui falta grave, consoante a Súmula 316 do STF, não podendo, portanto, ser considerada motivo suficiente para a dação de justa causa. E diga-se que se a greve é um direito, não pode caracterizar falta grave a mera participação, daí porque o verbete tem aplicação nos casos de greves declaradas abusivas e ilegais, mesmo porque o art. 9o da Constituição da República assegura não só o direito de greve como também estabelece que compete aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender” (TRT-3 - RO: 00544201014803003 0000544-74.2010.5.03.0148, Relator: Convocado Maurilio Brasil, Quinta Turma, Data de Publicação: 6/11/2010, 12/11/2010). 9 Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa, op.cit., p. 641. 10 "I - RECURSO ORDINÁRIO. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. NOVA REDAÇÃO DO § 2º DO ARTIGO 114 DA CONSTITUIÇÃO ATUAL APÓS A PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. COMUM ACORDO. A Seção Especializada em Dissídios Coletivos deste Tribunal Superior do Trabalho firmou jurisprudência no sentido de que a nova redação do § 2º do artigo 114 da Constituição Federal estabeleceu o pressuposto processual intransponível do mútuo consenso das partes para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica. A EC nº 45/2004, incorporando críticas a esse processo especial coletivo, por traduzir excessiva intervenção estatal em matéria própria à criação de normas, o que seria inadequado ao efetivo Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição (de modo a preservar com os sindicatos, pela via da negociação coletiva, a geração de novos institutos e regras trabalhistas, e não com o Judiciário), fixou o pressuposto processual restritivo do § 2º do art. 114, em sua nova redação. Nesse novo quadro jurídico, apenas havendo "mútuo acordo" ou em casos de greve, é que o dissídio de natureza econômica pode ser tramitado na Justiça do Trabalho. No caso concreto, as entidades sindicais da categoria econômica arguiram, em contestação, a referida preliminar, impedindo a incidência do poder normativo sobre as relações de trabalho existentes entre as Partes. Recurso ordinário desprovido" (ROT-1672-42.2018.5.09.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 01/10/2020). *Felipe Bernarde - Juiz do Trabalho - TRT da 1ª Região, autor e professor  Artigo publicado originalmente no site Instituto Trabalho em Debate - ITB no dia 02 de outubro de 2020. 

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